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v. 3, n. 4, abr. 2025
A guerra não está perdida!, por Pedro Andretta e Marcos Hübner

A guerra não está perdida!, por Pedro Andretta e Marcos Hübner

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A guerra não está perdida!

Pedro Ivo Silveira Andretta e Marcos Leandro Freitas Hübner

pedro.andretta@unir.br | marcos.hubner@unirio.br

Aprendemos com Michel Pêcheux (2008) que o discurso é atravessado por relações de poder e ideologia, e que o espaço enunciativo é permanentemente um campo de disputas, tensionado por formações discursivas em confronto. Com Mikhail Bakhtin (2009), entendemos que o discurso é essencialmente dialógico: toda enunciação é uma resposta e uma antecipação — um duelo de vozes que se enfrentam, divergem ou se aliam na batalha pelo simbólico. E com Pierre Bourdieu (2004), compreendemos que o campo científico é um verdadeiro campo de disputas simbólica, onde paradigmas, métodos, agentes e instituições travam embates incessantes pelo controle do capital científico e da legitimidade epistêmica.

Na Biblioteconomia – e, por extensão, no campo da Ciência da Informação – essas tensões se materializam em verdadeiras frentes de combate epistemológico e institucional, atravessando a própria história da área. De Otlet a Vannevar Bush, de Shannon a Buckland, de Brookes a Belkin, de Frohmann a Capurro e tantos outros, vemos perspectivas disputando territórios conceituais, abrindo novas trincheiras e resistindo a ofensivas. A formação biblioteconômica no Brasil não se limitou às táticas da escola francesa ou norte-americana: ela é plural, forjada em múltiplas frentes, marcada por alianças interdisciplinares e pela constante vigília frente às transformações sociais, culturais e tecnológicas.

A origem do curso de Biblioteconomia no Brasil, se deu em duas frentes: o primeiro front foi aberto com a criação do curso pela Biblioteca Nacional em 1915; o segundo, com o Curso Elementar de Biblioteconomia do Mackenzie College em 1929. Dois esquadrões formativos distintos que influenciaram o pensamento e a prática da área por décadas, até que o Parecer nº 326/1962 do Conselho Federal de Educação impôs um armistício curricular, unificando os campos de instrução profissional sob um mesmo estandarte (Hübner, 2021).

Hoje, as diretrizes educacionais garantem autonomia tática às instituições para delinearem seus projetos pedagógicos, desde que não se afastem do armamento essencial — as competências necessárias ao exercício pleno da profissão. Como sinaliza a Profa. Gabrielle Tanus (2023), a tropa biblioteconômica já não marcha nos mesmos moldes ou é refém das bibliotecas:

“[…] a Biblioteconomia não pode mais ser vista apenas como um saber-fazer, uma mera prática centrada na biblioteca. Essa instituição e o ensino acadêmico mudaram significativamente, e continuarão a mudar, acompanhando as necessidades, demandas e desejos da sociedade.”

Em 2022, comemoramos 60 anos de regulamentação profissional. Um marco, sim — mas também um alerta: a luta continua. O Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) e os Conselhos Regionais seguem na linha de frente, defendendo a obrigatoriedade da formação específica e o registro profissional como escudos contra os ataques ao exercício ético e qualificado da profissão. 

Nesse combate, também sofremos baixas. Exemplo disso, em 2024, a Prefeitura de Itu (SP) disparou um grande ataque ao extinguir o cargo de bibliotecário, classificando-o como obsoleto diante das “novas armas” tecnológicas:

Art. 41. A presente Lei extingue o seguinte Cargo Público: 

I – BIBLIOTECÁRIO – Cargo atualmente existente, mas sem provimento, sendo que, diante das atuações tecnológicas, digitalização de arquivos e documentos, demonstra-se obsoleto, pelo que deve ser extinto.

E bem sabemos, essa ofensiva não é isolada. 

Vivemos sob um cerco constante de desinformação, censura e retrocessos promovidos por forças conservadoras e reacionárias. Nesse contexto, é preciso assumir posição no front — como bem nos ensinou a capitã Tracie Hall (2025) e, além disso, recordar as palavras do veterano Briquet de Lemos (2024):

Chegamos a um ponto em que, como profissão, temos que nos voltar para oferecer à população um serviço que vá da ludicidade ao rigor acadêmico, buscando sempre a universalização do atendimento. Para pesquisar no território da ciência, inclusive da informação, é preciso saber fazer no velho e eterno território das bibliotecas.

É preciso manter a posição e proteger nossos redutos. Como bem alerta a presidente do CFB, Profa. Dalgiza Oliveira (2025):

Urge fortalecermos na sociedade o entendimento de que nossa atuação representa um diferencial de qualidade na valorização da cultura, no desenvolvimento científico, nos processos educativos em todos os níveis e no exercício da cidadania, inclusive a ambiental.

Nossa trincheira ainda resiste. As bibliotecas continuam sendo bastiões de acesso, justiça social e acolhimento e demonstram seu valor (Bop Consulting, 2014; Department of Studies and Foresight, 2014; The New York Public Library, 2024; Martinez, 2024; Gilpin, Karger, Nencka, 2024). Elas não são apenas quartéis de livros, mas campos de ação comunitária. Funcionam como linhas de frente contra o apagamento social, centros de ação e inteligência para políticas públicas, e fortalezas onde cada leitor é, em si, um combatente pela dignidade e pelo conhecimento.

Estamos em luta. Sempre estivemos. E não é hora de baixar as armas nem abandonar o campo.

Sigamos empunhando nossas bandeiras, firmes, em defesa da cidadania, da cultura, da ciência, do desenvolvimento sustentável, da paz e justiça social.

Referências

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na Ciência da Linguagem. 13. ed. Tradução de Michel Lahud e Yara Fraschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2009.

BOP CONSULTING. Evidence review of the economic contribution of libraries: final report. London: Arts Council England, 2014. Disponível em: https://librarylearningspace.com/evidence-review-economic-contribution-libraries/  . Acesso em: 14 abr. 2025.

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

BRIQUET DE LEMOS, A. A. Desbravando os territórios da Biblioteconomia. Divulga-CI, Porto Velho, v. 2, n.3, mar. 2025. Disponível em: https://www.divulgaci.labci.online/v-2-n-3-mar-2024/desbravando-os-territorios-da-biblioteconomia-por-antonio-agenor-briquet-de-lemos/   . Acesso em: 14 abr. 2025.

DEPARTMENT OF STUDIES AND FORESIGHT (Library Services Management Office). The value of public libraries in society: Barcelona Province Municipal Libraries Network (MLN) experience: abridged version. Barcelona: Diputació de Barcelona, nov. 2014. Disponível em: https://www.diba.cat/documents/16060163/22275360/valor_social_bibliotequesXBM_angles.pdf/39255278-b39e-4f98-893e-76869b63a4b4  .  Acesso em: 14 abr. 2025.

GILPIN, Gregory; KARGER, Ezra; NENCKA, Peter. The returns to public library investment. American Economic Journal: Economic Policy, v. 16, n. 2, p. 78–109, 2024. Disponível em: https://www.aeaweb.org/articles?id=10.1257/pol.20210300  . Acesso em: 14 abr. 2025.

HALL, T. O Bibliotecário como Testemunha da História. Divulga-CI, Porto Velho, v. 3, n. 3, mar. 2025. Disponível em: https://www.divulgaci.labci.online/v-3-n-3-mar-2025/editorial-o-bibliotecario-como-testemunha-da-historia-por-tracie-hall/   . Acesso em: 14 abr. 2025.

HÜBNER, M. L F. O ensino de catalogação no Brasil: contexto histórico e desafios contemporâneos. 2021. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27151/tde-18082021-102623/  . Acesso em: 13 abr. 2025.

ITU (Município). Lei nº 2.587, de 1º de março de 2024. Dispõe sobre a modernização e reestruturação administrativa da Câmara Municipal da Estância Turística de Itu, criação de departamentos, cargos e vagas e sobre o provimento de cargos efetivos, em comissão, de confiança e atividades gratificadas, e outras providências. Diário Oficial do Município de Itu, Itu, SP, ano VI, ed. extra, n. 1447A, p. 29, 3 mar. 2024. Disponível em: https://leismunicipa.is/15t5n . Acesso em: 14 abr. 2025.

LAURIAN, L.; DOYLE, E.; VAMANU, I.; LOGSDEN, K. Libraries are resilience hubs: Evidence from the Midwest. Journal of the American Planning Association, v. 91, n. 1, p. 58–71, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01944363.2024.2343670  . Acesso em: 14 abr. 2025.

MARTINEZ, Tania Otero. Investing in school libraries and librarians to improve literacy outcomes. Washington, D.C.: Center for American Progress, 2024. Disponível em: https://www.americanprogress.org/article/investing-in-school-libraries-and-librarians-to-improve-literacy-outcomes/  . Acesso em: 14 abr. 2025.

OLIVEIRA, D. Prezada categoria bibliotecária, saudações!. Sistema CFB/CRB. Disponível em: https://cfb.org.br/noticias/prezada-categoria-bibliotecaria-saudacoes/  . Acesso em: 14 abr. 2025.

PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Tradução de Eni Pulcinelli Orlandi. 5. ed. Campinas: Pontes, 2008.

TANNUS, G. F. S. C. Em perspectiva: Dos fundamentos históricos e epistemológicos da Biblioteconomia e da Ciência da Informação às frentes de pesquisa. Divulga-CI, Porto Velho, v. 1, n.1, fev. 2023. Disponível em: https://www.divulgaci.labci.online/v-1-n-1-mar-2023/em-perspectivas-dos-fundamentos-historicos-e-epistemologicos-da-biblioteconomia-e-da-ciencia-da-informacao-as-frentes-de-pesquisa-por-gabrielle-tanus/   . Acesso em: 14 abr. 2025.

THE NEW YORK PUBLIC LIBRARY. Libraries & well-being: a case study from the New York Public Library. New York: New York Public Library; University of Pennsylvania, 2024. Disponível em em: https://www.nypl.org/spotlight/libraries-well-being-report . Acesso em: 14 abr. 2025

Sobre os autores:

Pedro Ivo Silveira Andretta

Professor do Departamento Acadêmico de Ciência da Informação, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Rondônia. Coordenador do Laboratório Aberto Contexto e Informação na Universidade Federal de Rondônia (UNIR). 

Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo. Mestre em Linguística, Mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade e Bacharel em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal de São Carlos. Pós-doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba.

Marcos Leandro Freitas Hübner

Professor do Departamento de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo. Mestre em Educação e especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade de Caxias do Sul. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Redação: Pedro Ivo Silveira Andretta e Marcos Leandro Freitas Hübner

Foto: Pedro Ivo Silveira Andretta e Marcos Leandro Freitas Hübner

Diagramação: Ana Júlia Souza

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