
Narrativas indígenas: um caminho decolonial para compreender a memória e informação, por Juliana Okawati

Narrativas indígenas: um caminho decolonial para compreender a memória e informação
Juliana Akemi Andrade Okawati
julianaokawati@gmail.com
A proposta do texto “Narrativas indígenas: um caminho decolonial” para compreender a memória e informação é baseada na experiência da autora, que, há mais de uma década, acompanha o trabalho desenvolvido pela Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE), em Santa Catarina, cuja proposta é:
Favorecer o aprimoramento das atividades didático-pedagógicas de professores Guarani, Kaingang e Xokleng-Laklãnõ, em torno de práticas e saberes relacionados à temática Territórios de Ocupação Tradicional em Santa Catarina: Passado e Presente, fomentando ações que fortaleçam esses saberes e práticas e sirvam como base para a elaboração de atividades e materiais didáticos e paradidáticos em diversas linguagens (ASIE – Núcleo/SC).
Ao longo da minha convivência e do envolvimento com esses povos indígenas, tive a oportunidade de acompanhar a criação e o desenvolvimento de dezenas de recursos educativos elaborados pelos próprios professores indígenas, com a participação ativa de suas comunidades, sempre orientados pelos mais velhos, sábios e sábias indígenas, reconhecidos como detentores dos saberes ancestrais.
Em contraste com as narrativas coloniais já bem conhecidas e problematizadas, esses recursos revelam histórias e memórias silenciadas. Nos mostram que há outras formas possíveis de ensinar e aprender, trazendo à tona um rico potencial de informação, saberes e conhecimentos que se estabelecem em relação com a natureza e outros seres.
É diante de uma pequena amostra desses materiais — um exemplar de livro representando cada um dos povos envolvidos no Programa em Santa Catarina: Guarani, Kaingang e Laklãno-Xokleng — que buscamos promover uma reflexão sobre como as narrativas indígenas podem nos orientar na construção de novos caminhos para repensar a memória e a informação.
Aqui, nossas reflexões são guiadas pelas memórias e narrativas indígenas, em consonância com a escolha de valorizar e visibilizar a autoria indígena — pouco, ou quase nada, abordada nos estudos da Ciência da Informação —, sem a pretensão de fixar uma direção exclusiva ou determinista.

Pelo contrário, ao reconhecer as complexas relações entre a memória e a ancestralidade desses povos, esperamos ampliar os horizontes de pesquisa, para que, mais adiante, seja possível traçar outras articulações que se complementem em um movimento de justiça social e epistêmica.

Assim, ao colocar em questão as estruturas hegemônicas que fundamentaram a área, evidenciamos uma limitação nos estudos sobre memória, para então aprofundarmos na noção de “memória ancestral”, pautada especialmente nas reflexões do intelectual indígena Daniel Munduruku (2018). Destaca-se o papel fundamental da oralidade, que, ao contrário de representar oposição à escrita, assume uma posição de complementaridade:
Isso significa que há uma evidente inseparabilidade entre saberes e suas formas de expressão na tradição indígena, seja escrita ou oral, que não nos cabe qualificar como “mais” ou “menos” importantes nos dias de hoje. O que vale aqui é compreender como e por que os meios de transmissão dessas memórias ancestrais vêm se (re)formulando a partir de diferentes experiências.
Diante do cenário da educação escolar indígena, fica evidente que os registros dessas narrativas e memórias ancestrais — sejam em livros ou outros suportes de informação — só adquirem pleno sentido quando conectados à sua práxis indígena. Para além da leitura de um livro, propõe-se uma leitura da terra!
Por fim, destaca-se a centralidade dos sábios e sábias indígenas, que atuam como mediadores críticos da informação e desempenham um papel essencial na transmissão dos saberes indígenas, que se estabelecem em comunicação com diversos seres. Aqui, a memória ancestral, ao contrariar o pensamento linear, se distancia da lógica antropocêntrica, sendo compreendida a partir de uma perspectiva integrada à natureza.
Se “o futuro é ancestral”, como adverte Krenak (2022), a memória ancestral pode ser o ponto de partida que nos conecta, no presente, a um outro tempo-espaço. Isso significa que as narrativas indígenas, ao iluminarem o passado, nos direcionam e dão luz a um outro futuro possível. A voz do escritor, que hoje se potencializa pela disseminação notória de seus livros, prova como a escrita — assim como outras ferramentas — pode ser incorporada a favor de suas lutas.
Referência:
KRENAK, A. Futuro ancestral. São Paulo: Cia das letras, 2022.
MUNDURUKU, D. Escrita indígena: registro, oralidade e literatura: o reencontro da memória. In: Dorrico, T. et al. (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea. Porto Alegre: Ed. Fi, 2018.
Nota dos Editores
[1] Conheça a Ação Saberes Indígenas na Escola (ASIE), em Santa Catarina. Disponível em: https://saberesindigenas.ufsc.br
Conheça o artigo
OKAWATI, J. A. A.; KARPINSKI, C.. Narrativas indígenas: um caminho decolonial para compreender a memória e informação. Transinformação, Campinas, v. 36, p. 1-14, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1590/2318-0889202436e2410646 . Acesso em: 04 abr. 2025.
Sobre a autora:
Supervisora/Formadora/Colaboradora da Ação Saberes Indígenas na Escola – ASIE – Núcleo SC. Pesquisadora da REDE MOVER – Educação Intercultural e Movimentos Sociais e ROC – Representação e Organização do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina.
Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade do Estado de Santa Catarina e Políticas Públicas para a Igualdade pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. Bacharela em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Redação e Fotografia: Juliana Akemi Andrade Okawati
Diagramação: Iasmim Farias Silva
Li o artigo da Juliana Okawati e fiquei muito feliz em observar o quanto a perspectiva sobre educação, especialmente a educação indígena, tem tomado um novo rumo, que reconhece o valor e a sabedoria dos povos indígenas. Parabéns.!!