
As bibliotecas públicas à luz da Justiça Social e Justiça de Gênero – Entrevista com Diogo Roberto da Silva Andrade

As bibliotecas públicas à luz da Justiça Social e Justiça de Gênero – Entrevista com Diogo Roberto da Silva Andrade
Diogo Roberto da Silva Andrade
didts@hotmail.com
Sobre o entrevistado
Em 2024, Diogo Roberto da Silva Andrade defendeu sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão da Informação da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob orientação da Profa. Dra. Franciéle Carneiro Garcês da Silva e co-orientação da Profa. Dra. Ana Paula Meneses Alves.
Diogo é natural de Belo Horizonte e atua como professor de Biblioteconomia na Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais. Alguns de seus hobbies são assistir séries, filmes e jogar WAR.
Sua dissertação, intitulada “A Bibliografia da Biblioteca Universal Guei: um mapeamento nos catálogos virtuais de bibliotecas públicas estaduais brasileiras à luz da Justiça Social e Justiça de Gênero”, explora e mapeia os catálogos virtuais de bibliotecas públicas estaduais brasileiras à luz da Justiça Social e Justiça de Gênero. Os resultados deste trabalho permitiram a construção de uma bibliografia que colabora com a Justiça Social e a Justiça de gênero, promovendo a justiça, igualdade e equidade para as pessoas LGBTQIA+.
Nesta entrevista, Diogo compartilha sua trajetória acadêmica e os aprendizados construídos em seu processo de mestrado.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação
Diogo Andrade (DA): Durante a minha graduação em Biblioteconomia eu queria experimentar tudo o que fosse possível dentro da aprendizagem, pesquisa e extensão universitária. Então, o que me inspirou para o mestrado foi a experiência da Iniciação Científica. Nessa oportunidade eu percebi que pesquisar é uma tarefa satisfatória e que os documentos (livros, jornais, revistas etc.) podem nos contar muitas histórias do passado. Assim, escolhi o jornal Lampião da Esquina como algo a ser estudado, pois ele conta uma parte da história literária de homens gays, mulheres lésbicas e transexuais brasileiras e internacionais.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
DA: Acredito que sejam os sujeitos (pessoas do mundo todo) e as comunidades LGBTQIA+. Para não se perder no acrônimo, melhor dizendo, nas iniciais que buscam representar diversos sujeitos da comunidade, eu explico: LGBTQIA+ são pessoas que se entendem e se reconhecem pelas suas sexualidades Lésbicas, Gays, Bissexuais e Assexuais, pelas suas identidades de gêneros Travestis, transexuais e Queer, pela sua condição biológica Intersexual e por muitas outras formas de expressar sua identidade de gênero (quem sou eu), expressão de gênero (como me apresento para o mundo), sexualidades e afetividades (+).
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
DA: Para a ciência eu busco demonstrar que: se não olharmos para as pessoas que são colocadas às margens das sociedades histórias irão sumir do mundo. Se a Biblioteconomia, Documentação e Ciência da Informação não se preocuparem de verdade com as diferentes pessoas e unidades de informação, com todos os tipos de documentos e como isso tudo acontece e está relacionado com o mundo, pouco a pouco esses outros sujeitos (LGBTQIA+) vão desaparecendo e não vão achar um lugar no mundo para se expressar e nem em quem se espelhar, ou de quem se orgulhar.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
DA: O trabalho está na linha de informação, memória e sociedade.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
DA: O meu despertar para as necessidades LGBTQIA+ foi com o artigo do Adonai Takeshi Ishimoto em colaboração com Dantielli Assumpção Garcia e Lucília Maria Abrahão Sousa, chamado “Nas estantes das bibliotecas, gêneros e silêncios”, publicado em 2018.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
DA: Primeiro eu precisei pensar: se eu quisesse ler algum dos livros que foram comercializados e mediados pelo jornal Lampião da Esquina entre 1970-1980 em quais bibliotecas públicas eu poderia os encontrar?
Como eu estava morando em Santa Catarina para fazer o mestrado – sendo natural de Belo Horizonte em Minas Gerais – eu pensei que os catálogos virtuais poderiam me ajudar a encontrar esses livros, tanto na minha cidade natal quanto na cidade que me acolheu enquanto estudante e pesquisador. Então eu pensei mais! Pensei também que seria mais justo que outros amigos, de outros estados, pudessem buscar, recuperar e acessar esses 46 livros nas bibliotecas que frequentam. Logo eu expandi minha visão para um universo em que estivessem todas as capitais do Brasil, dessa forma eu cheguei no total de 17 bibliotecas que tinham catálogos (como o Pergamum e o Sophia). Esse número é baixo porque as realidades sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil são muito diversas e injustas com os estados do Norte e do Nordeste.
Prosseguindo, depois de saber o que eu iria pesquisar e em que locais eu iria pesquisar, precisei determinar quais dados seriam interessantes para que eu e outras pessoas pudéssemos buscar os livros nos catálogos. Foi assim que eu consegui buscar, pesquisar, recuperar e acessar nos catálogos das bibliotecas para coletar e armazenar informações dos livros que consegui achar (apenas 25 títulos). Além de saber a quantidade de livros que poderiam ser emprestados pelas bibliotecas, os resultados me permitiram observar a presença dos livros escritos por LGBTQIA+ e que falavam dessas pessoas nas bibliotecas públicas estaduais das capitais brasileiras e, também, se eles estão acessíveis para o público.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
DA: A principal dificuldade era colocar no papel todas as ideias que vinham na minha cabeça. A gente pensa mais rápido do que escreve, então eu comecei a fazer esquemas e listas do que eu queria escrever e como queria escrever.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
DA: Eu acredito que se o mundo estiver repleto de afetos a gente pode viver melhor, então me agarrei à minha família afetiva e nos novos amigos para que a jornada não fosse tão árdua. Porém, no calor do verão de Santa Catarina e outros fatores sociais e culturais tornaram a experiência exaustiva. Além disso, estar fora de casa e a ausência de familiares e amigos também foi algo marcante e bem pesado neste momento. Mineiro é um “trem doido”, sem um “queijim” e um “carim” as coisas ficam “zoadas”.
Tentei muito pensar em números e foi difícil porque sou muito mais qualitativo do que quantitativo. Porém, percentualmente, o aumento de 40% na bolsa do PROMOP-UDESC fez uma enorme diferença para mim em relação aos custos de morar em outra cidade.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
DA: Eu carrego um sentimento de que nenhuma distância é longa demais para percorrer se tivermos afetividades. Acredito que as pessoas ao nosso redor são extremamente importantes para que a jornada seja de sucesso. Em comunidade a gente consegue se expressar e colocar as angústias para fora, todas as trocas e diálogos possíveis durante a jornada para a defesa faz a gente se sentir mais leve e menos egoísta sobre/com os problemas do nosso cotidiano.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
DA: Minha família “de sangue” esteve presente por meio das ligações e mensagens, dos objetos e livros que levei da minha casa em Belo Horizonte para a casa de Santa Catarina. Cada vez que eu pegava um livro com uma dedicatória meu coração e mente se energizam, a saudade não passava, mas dava uma trégua (OBS.: um viva aos livros impressos e com dedicatórias escritas a mão). Bem, dessa forma… minha mãe, irmãos, sobrinhos, tios, primos e os amigos estiveram presentes virtualmente e afetivamente durante todo o tempo do mestrado.
Já morando na Palhocinha (apelido afetivo para a cidade de Palhoça) e em Florianópolis, os meus amigos e sua família foram meu novo lar e a representação de afeto. Foram eles que me deram suporte (além de brigadeiro e pinhão) para que eu conseguisse realizar o mestrado. Não me esqueço jamais dos outros amigos de Santa Catarina, dos polvos do PPGInfo (minha turma de mestrado) e diversos professores, foram essas pessoas maravilhosas que fizeram da minha jornada um tempo melhor. Família às vezes a gente escolhe, sim!
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
DA: Primeira recomendação vem antes do meu trabalho em si: pessoas, não procrastinem! Aquilo que você deixa para depois vira desperdício de energia, porque você nem faz o que é necessário fazer e muito menos se desliga do que deixou de fazer. Outra coisa, não tente reinventar a roda, muitas vezes a gente se sabota e cria ansiedades por preciosismo (quer ser o melhor de todos e imbatível).
Quando as pessoas tentam ser melhores em tudo, perde-se a oportunidade de experimentar o erro até que ele se torne o acerto. Por isso, na ocasião de erros, volte a buscar informações para as necessidades que ainda existem, elas vão te ajudar a reparar o erro e superar as etapas do processo acadêmico.
Já sobre a dissertação em si, observem os inúmeros quadros que eu faço nas diversas seções. Eles permitem ter um olhar objetivo sobre conceitos e propostas metodológicas. Por exemplo, o quadro da metodologia me auxiliava nos questionamentos e ajudava a enxergar as lacunas do trabalho. Isso é importante porque, observar de forma objetiva o que eu havia proposto enquanto natureza, abordagem, objetivos e tal me mantinham mais ciente, reflexivo e crítico durante as etapas de pesquisa e de escrita.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
DA: Durante os dois anos de mestrado eu realizei mais de 23 trabalhos (artigos, capítulos de livro, resumos e resumos expandidos para eventos) paralelos à pesquisa e escrita da dissertação. Ao longo da minha vida acadêmica eu tenho o hábito de anotar ideias possíveis para trabalhos e isso facilitou muito a produção de vários deles. Eu esboço o que quero, qual o título possível, alguns objetivos e que autorias me ajudariam teoricamente. Além disso, as parcerias com professores, amigos e com o grupo de pesquisa (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais – NERSI) do qual faço parte, ajudou a ter ideias para trabalhos.
Assim, no período entre 2022 e 2024 foram publicados 15 trabalhos. Também tiveram rejeições, tanto de artigos quanto de resumos para eventos, além disso ainda tem outros trabalhos não submetidos. Dentre os trabalhos publicados, o que tenho mais orgulho é o artigo que surgiu da apresentação no “VIII A Arte da Bibliografia”, com título “O conhecimento alternativo da Biblioteca Universal Guei contra a injustiça epistêmica na literatura brasileira”. Este artigo marca a minha transição da Iniciação Científica na ECI-UFMG para o mestrado no PPGInfo-UDESC.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
DA: A vida é cheia de mistérios e às vezes as suas curvas nos trazem surpresas agradáveis. Defendi minha dissertação em julho de 2024 e logo, no mesmo ano, fui aprovado em concurso para professor substituto para o curso de Biblioteconomia da ECI-UFMG. Desde então estou tendo a experiência das trocas de ensino-aprendizagem em sala de aula. Nessa experiência ministrei as disciplinas “Planejamento em Unidades e Serviços de Informação”, “Tópicos em informação e cultura: Ética e Informação”, e “Tópicos em usuários da informação: Uso da informação para a comunidade LGBTQIA+”. O doutorado está em foco para o futuro próximo.
Outra coisa maravilhosa que me aconteceu após a defesa da dissertação foi me tornar parte do Grupo de Trabalho – Competência em Informação (GT CoInfo da FEBAB), que é uma outra oportunidade de experimentar o mundo das pesquisas e da vida profissional e acadêmica.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
DA: Pretendo sim me manter na Ciência da Informação. Em 2024 tentei o ingresso no doutorado, porém fui aprovado e não classificado. Isto é, meu trabalho passou com nota suficiente em todas as etapas do processo seletivo, porém por conta do número limitado de vagas disponíveis no PPG eu não consegui “entrar” para o PPG.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
DA: Tem algumas frases que me acompanharam e me ajudaram a resistir como: “todo dia temos novas oportunidades”; ou, “se tá com medo, vai com o medo mesmo”. Porque, às vezes , a gente estaciona na vida por falta de tentativa. Em muitas situações precisamos confiar mais em si (sem vaidades alopradas) para evitar autossabotagem.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
DA: Durante a minha passagem pelo PPGInfo-UDESC eu atuei como representante discente, então a oportunidade de olhar a estrutura do curso pela ótica da gestão e da administração foi um ganho gigantesco. Participar de projetos que ajudassem na visibilidade e em outras áreas do PPG foi uma troca em que ambos saímos ganhando. Digo isso, tanto pelas oportunidades de novas experiências quanto pelas mudanças e inovações.
Enquanto representante discente eu tinha um compromisso firmado com a minha turma (os polvos do PPGInfo), todos nós iríamos ter o título de mestre(a). Então fizemos um grupo de apoio para que as dúvidas do decorrer do mestrado pudessem ser sanadas. Muitas vezes o que mais ocorria eram as ansiedades geradas pelo medo do “E se…”. Mas, em conjunto, nós olhávamos as diferentes possibilidades e nos ajudávamos.
Assim, o mestrado PPGInfo 2022 foi um acordo feito por Michelle, Roberto, Deborah, Fabiana, Débora, Gabriel, Milene, Vinicius, Khaterim, Juliana, Giovanna, Lisiane, Jônatas, Celso, Carlos, Diogo (eu); uns pelos outros e todos pelo coletivo.
DC: Você por você:
DRSA: Alteridade.
Entrevistado: Diogo Roberto da Silva Andrade
Entrevista concedida em: 15 de maio de 2025
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Ana Júlia Souza e Iasmim Farias Silva
Fotografia: Diogo Roberto da Silva Andrade
Diagramação: Ana Júlia Souza e Iasmim Farias Silva