
Ciência da Informação, Direitos Humanos e segmento LGBT – Entrevista com Azilton Ferreira Viana

Ciência da Informação, Direitos Humanos e segmento LGBT – Entrevista com Azilton Ferreira Viana
Azilton Ferreira Viana
azilton@yahoo.com.br
Sobre o entrevistado
Em 2023, Azilton Ferreira Viana defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Guiomar da Cunha Frota.
Mineiro, Azilton tem como formação de origem a Filosofia e atua com consultoria de projetos. Em seu tempo livre, aprecia ir ao cinema, ouvir música e ler clássicos da literatura e atualidades literárias.
Sua tese, intitulada “Ciência da Informação, Direitos Humanos e segmento LGBT: uma perspectiva epistemológica da produção científica em teses e dissertações do catálogo digital do portal da CAPES”, buscou mapear, identificar e relacionar a produção científica sobre direitos humanos e população LGBT com o protagonismo social dos sujeitos LGBT e dos movimentos sociais que atuam na defesa dos direitos desse segmento. Identificando que há um diálogo entre o movimento social e a comunidade científica nas duas temáticas pesquisadas, nas quais os pesquisadores constituem o elo da cadeia organizacional por estarem no centro da interação dialógica entre o movimento e a sociedade, com base nas temáticas estudadas, evidenciando o protagonismo social.
Nesta entrevista, Azilton compartilha sua trajetória e experiência na pós-graduação.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Azilton Viana (AV): Atuo há mais de 20 anos numa entidade que luta pelo direito das pessoas LGBT e uma preocupação que sempre aparecia era justamente compreender se as universidades estavam produzindo trabalhos (teses e dissertações) a partir das vivências, demandas e problemas enfrentados pela comunidade LGBT. Essa foi a motivação tanto para a inspiração do projeto de tese quanto para o próprio doutorado na Ciência da Informação.
DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados
AV: Ao longo do processo de pesquisa é muito difícil nós mesmos termos a certeza da construção de uma tese. No meu caso a certeza foi constatada quando minha orientadora disse que poderia enviar o documento para revisão final para marcarmos a defesa. Neste momento foi a confirmação que a tese estava pronta. Quanto aos resultados, a pesquisa pode demonstrar ou não a premissa inicial motivadora da pesquisa. A verdade é que em algumas situações a análise dos dados revela justamente o contrário. O pesquisador necessita estar aberto ao resultado de sua pesquisa seja ele positivo ou negativo porque não temos certeza e somente após analisar os dados é que se pode confirmar ou refutar a premissa ou pressuposto.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
AV: Muitos livros com a história e a memória da população LGBT foram produzidos por especialistas e estudiosos como por exemplo os livros do professor Renan Quinalha Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão à comunidade LGBT e também Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias. Professor Renan é um pesquisador e estudioso da história LGBT e também dos direitos humanos. Por isso, ao integrar a equipe coordenada por ele após a conclusão do doutorado permitiu construir novas perspectivas.
DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?
AV: A perspectiva de construção da tese com base nos direitos humanos, campo vasto de investigação e o olhar direcionado à população LGBT são os pontos de convergência numa ligação que tem a epistemologia seu fio condutor. Tanto nos direitos humanos quanto na produção da população LGBT o marco referencial foi a questão do conhecimento. Este foi o ponto novo que o trabalho pode oferecer a partir da metodologia de pesquisa adotada na tese. Parece algo complicado, difícil e até mesmo estranho, contudo, todos nós produzimos em alguma medida conhecimento. O que foi realizado por meio da metodologia foi exatamente identificar as teses e dissertações que pesquisaram direitos humanos à luz das necessidades e demandas da população LGBT. Creio que esta seja a contribuição de minha pesquisa / investigação para a sociedade.
DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?
AV: Toda e qualquer investigação / pesquisa contribui num primeiro momento para atualizar o tema pesquisado e oferecer subsídios para o desenvolvimento de trabalhos futuros. Ao propor o trabalho desenvolvido a principal intenção se liga à publicidade das informações e dados sobre a população LGBT pois há uma falsa afirmação que essa população não necessita de políticas públicas específicas, pois já usufruiriam de todos os direitos assegurados pela constituição. O que é uma mentira pois em nossos dias não há uma lei federal de proteção ou defesa da vida das pessoas LGBT, tanto é assim que o STF decidiu comparar o crime de homofobia ao de racismo por perceber que o legislativo brasileiro segue omisso quanto a essa realidade.
DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?
AV: Como primeiro aspecto a publicidade de dados e informações sobre a produção de teses e dissertações em direitos humanos associada à população LGBT; A atualidade e relevância das necessidades apontadas nos direitos humanos específicos para essa comunidade; Esses dois aspectos permitem visibilidade e disseminação das informações para a sociedade como forma de consolidar a relação entre direitos humanos e população LGBT.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
AV: A construção do modelo a ser utilizado; a definição do universo de pesquisa; o tipo de pesquisa a ser realizada com a definição dos documentos a serem analisados; a escolha das categorias de análise; a coleta de dados e a análise propriamente dita com apresentação dos resultados obtidos.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
AV: é muito difícil mensurar algo tão subjetivo em números, contudo em minha avaliação acredito que foi 40% de inspiração e 60% de transpiração pois é uma pesquisa em construção e não se tem certeza de quais possibilidades serão encontradas, se os resultados serão aqueles esperados, se a metodologia adotada será suficiente para atingir os objetivos, enfim são muitas variáveis o que torna o trabalho muito volátil. Essa é a minha proporção em termos de dedicação que inclui todas as leituras de teóricos, especialistas, além de pesquisadores, pois no meu caso específico a população LGBT produz conhecimento, mas não aquele das universidades e sim das vivências cotidianas em seus próprios territórios. Essa multiplicidade tornou o trabalho mais rico e desafiador.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?
AV: Toda caminhada está sujeita às intempéries do tempo. Assim como o clima é instável e se altera muito rapidamente, o mesmo acontece com nossa pesquisa. Muitos foram os desafios enfrentados, desde a explosão de contaminação pela epidemia de COVID-19, o isolamento social que trouxe graves problemas emocionais para diversas pessoas, a falta de uniformidade das bases de dados, a extração de dados realizada de maneira manual, a dificuldade de uniformidade das palavras-chave. Tudo isso foi um conjunto complexo de fragilidades. Estes foram alguns dos problemas enfrentados ao longo dos anos de elaboração da tese. O sucesso da pesquisa se deveu à produção realizada pela população LGBT que está presente em todo o território nacional e permitiu a consolidação dos dados. Chamo a atenção pois diante da velocidade de produção de conhecimento com o advento das novas tecnologias torna-se necessário a continuidade dos estudos e trabalhos similares para garantir a atualidade da temática.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?
AV: Minha família reside no interior. Não tenho parentes em Belo Horizonte. No processo de construção da tese uma constatação que ainda aparece se refere à solidão no qual o pesquisador mergulha para pesquisar e escrever sua tese. Como disse antes não tive o apoio direto da minha família pois todos moram no interior e foi um processo muito solitário. Na medida do possível minha família sempre apoiou minhas escolhas e decisões. Isso facilita muito na hora em que a saudade aperta o peito. Nessas horas de ligação, uma videochamada consegue minimizar a situação de desconforto.
DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?
AV: Um fator externo que impactou negativamente uma parte do período de doutorado foi a pandemia da COVID-19. Um período de grande dificuldade porque não se tinha certeza de uma cura ou mesmo de tratamento, além do isolamento social, algo extremo, mas necessário, além do medo e insegurança em relação à contaminação. Todos estes fatores somados criaram um ambiente de medo e terror. Este ambiente melhorou somente com o anúncio das vacinas e do tratamento.
DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?
AV: Direitos Humanos, segmento LGBT, epistemologia, produção científica, metodologia. Todos estes temas em alguma medida foram trabalhados na tese.
DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?
AV: Participar de concurso público para professor universitário para devolver à comunidade um pouco do que me foi dado durante os anos de pesquisa no doutorado. É ter a responsabilidade com a produção, disseminação do conhecimento e contribuir para a formação acadêmica e profissional das novas gerações.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
AV: Se essa possibilidade me fosse dada, modificaria a metodologia e incluiria novas categorias de análise, pois elas contribuem para explicitar e explicar situações, vivências e necessidades da população LGBT, pois a pesquisa não foi realizada diretamente em uma comunidade, mas sim o que essa população produziu e produz em termos de contribuição para as áreas do conhecimento. Ao considerar importante a pesquisa, constata-se uma lacuna em relação às pessoas que produzem tais informações e dados e por conseguinte, o conhecimento. Acredito que a pandemia atrapalhou consideravelmente tanto a busca de teses e dissertações quanto a coleta dos materiais. É preciso considerar que uma emergência sanitária não é responsabilidade individual do pesquisador, contudo acredito que esse processo global prejudicou muitas pesquisas.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
AV: Uma produção pequena pois com a pandemia houve necessidade de muito trabalho na construção de uma rede de proteção para as pessoas e incluindo os próprios doutorandos, mestrandos. Com toda a dificuldade, houve a publicação de um capítulo de livro e de um artigo com os dados preliminares da pesquisa. Foi importante integrar o grupo de pesquisa em direitos humanos pela possibilidade de troca e contribuições para o texto da tese.
DC: Exerceu alguma monitoria/ estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?
AV: Participei de estágio docente por 2 semestres durante o período de doutorado. É fundamental para exercitar a prática docente na elaboração de conteúdos, preparação das aulas e a vivência diária da realidade dos professores e alunos. Como avaliação geral uma experiência muito rica e necessária para o desenvolvimento da prática docente.
DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?
AV: Sim. Todo e qualquer processo educacional possui fundamento na constituição de uma rede de relações nas quais as trocas de experiências e vivências contribuem para o aprimoramento das relações sociais seja na academia, na família, no trabalho ou mesmo na escola. Em alguma medida o conhecimento aprendido se fez presente na escrita da tese.
DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
AV: Minha sugestão para que possam avançar para além do limite de alcance da tese em favor da construção de novas metodologias de pesquisa, atualização dos dados, utilização de categorias de análise que permitam enxergar os sujeitos, protagonistas de todo o processo de construção do conhecimento.
DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?
AV: A mais respeitosa possível, com os limites de responsabilidade de cada um bem definidos. Essa demarcação facilita e ajuda o orientando a elaborar seu trabalho sabendo que ele é o ator principal e deve ser o protagonista de sua jornada. Já o orientador(a) deve ser aquele (a) capaz de apontar as fragilidades, propor alternativas e construir pontes no intuito de fortalecimento do trabalho e possibilitar ao orientando ter confiança em sua trajetória.
DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?
AV: Sim. Assim que finalizei o doutorado iniciei uma pesquisa junto ao MDHC (Ministério de Direitos Humanos e Cidadania na Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ em parceria com o Núcleo Trans da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) na produção de um relatório sobre memória e verdade LGBTQIA+. Este trabalho foi iniciado em dezembro de 2023 e será finalizado em junho de 2025 com a entrega do relatório ao governo brasileiro com sugestões de medidas de reparação. Uma experiência rica e diversa, pois atuamos com lideranças, ativistas, movimentos sociais, especialistas para verificar as violências e violações ocorridas com as pessoas LGBTQIA+ ao longo da história brasileira.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?
AV: O programa de pós-graduação permitiu o acesso a diferentes autores, estudiosos, teóricos e pesquisadores, o que amplia nossa perspectiva acerca do mundo e fortalece nossas pesquisas/investigações. Possibilita ainda atuar em nosso campo do conhecimento e trocar experiências com colegas de diferentes territórios e países. Já a contribuição de nossos trabalhos se insere exatamente na ampliação da pesquisa e do campo do conhecimento permitindo sua atualização e consolidação com a inclusão de temas e temáticas relevantes apontadas pela sociedade. Como se nota é uma via de mão dupla. Precisamos compreender esse movimento de complementaridade para que nossas pesquisas possam contribuir para o desenvolvimento da ciência e a melhoria de vida das pessoas.
DC: Você por você:
AV: Filho mais velho de 4 irmãos, nascido em Teófilo Otoni, no interior de Minas Gerais, iniciei meus estudos em escola pública e vim para a capital concluir o curso de filosofia na PUC/Minas. Esse período foi muito difícil com poucos recursos financeiros o que me obrigou a buscar formas de sustento como bolsista na universidade. Minha trajetória foi marcada desde seu início pelas dificuldades e o que me levou a buscar superação atrás de superação. Compreendo a luta de tantas pessoas para se graduar porque são muitos entraves e dificuldades. Precisamos lutar todo dia para não desistir. Não se pode desanimar, mas quando a sobrevivência bate à nossa porta precisamos escolher qual caminho seguir. Eu optei pelo conhecimento e foi uma estrada desafiadora e difícil porque no meio acadêmico é mais difícil para quem vem do interior, sem auxílio ou incentivo de bolsas de pesquisa. Felizmente minha perseverança possibilitou que chegasse ao final da pós-graduação com êxito e reconhecimento. Nunca desisti de meu sonho e felizmente hoje ele se realizou. Em minha vida cotidiana gosto de ir ao cinema e assistir filmes antigos, de época, ouvir música, viajar por outros países, conhecer pessoas novas e desfrutar de pequenos prazeres. Gosto de ler tanto os clássicos da literatura quanto novos estudos e trabalhos sobre temas atuais. Gosto de estar em família e com os amigos.
Entrevistado: Azilton Ferreira Viana
Entrevista concedida em: 23 de abril de 2025
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Iasmim Farias Silva e Ana Júlia Souza
Fotografia: Azilton Ferreira
Diagramação: Iasmim Farias Silva e Ana Júlia Souza