
A participação indígena na musealização do Museu Nacional dos Povos Indígenas

A participação indígena na musealização do Museu Nacional dos Povos Indígenas
Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro destaca a necessidade de políticas públicas que garantam autonomia indígena nos espaços museológicos e denunciam a fragilidade de iniciativas colaborativas
Leandro Moraes, em sua dissertação “A participação indígena na musealização do Museu do Índio”, propõe discutir a participação indígena no processo de musealização do Museu do Índio — atualmente Museu Nacional dos Povos Indígenas —, criado por Darcy Ribeiro e inaugurado em 19 de abril de 1953, no Rio de Janeiro, como acervo científico-cultural da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). Seu estudo teve como objetivo analisar a presença indígena na construção e no processo de musealização, investigando se essa presença assume a condição de objeto ou de sujeito, explorando as possibilidades e os limites das negociações interculturais entre todos os envolvidos: antropólogos, museólogos, a instituição museal e os indígenas.
Foi adotada a Metodologia Experimental, que permite um olhar plural e amplo para o campo de estudo, contando com entrevistas e material documental. O trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta a criação do Museu do Índio por Darcy Ribeiro e a atuação do primeiro funcionário indígena, Januário Santa Rosa Sorominé, até sua demissão nos anos 1970, além de discutir os conceitos relacionados à Museologia. Em seguida, trata da primeira iniciativa de participação indígena institucionalizada, iniciada em 1980, com a gestão de Cláudia Menezes. No terceiro momento, sob a gestão de José Carlos Levinho, a partir dos anos 2000, é analisada a exposição “Tempo e Espaço na Amazônia: Os Wajãpi”, que estabelece um sistema de parcerias entre especialistas e povos indígenas, elaborando uma nova perspectiva no Museu do Índio.
Segundo o pesquisador, foi a partir da exposição “Tempo e Espaço na Amazônia: Os Wajãpi”, com curadoria de Dominique Gallois, em que os projetos contavam com o suporte de especialistas envolvidos diretamente com os povos indígenas, que se instaurou uma espécie de recuperação do museu, ao implementar métodos com a intenção de promover a descolonização de práticas que refletem e questionam as relações construídas entre indígenas e não indígenas. Essa experiência mostrou-se importante para haver maior adesão dos indígenas ao museu em comparação aos anos anteriores, sendo, portanto, fundamental para a mudança nas práticas museais e museológicas dos últimos 20 anos.

Considerando que, inicialmente, a coleta de material era realizada por antropólogos e agentes da FUNAI em campo, o museu passou a adquirir objetos diretamente dos povos indígenas, por meio de projetos expositivos ou por compra direta junto aos produtores. Outras formas de aquisição, como as doações, permaneceram praticamente inalteradas, cabendo ao museu, por meio de seu diretor e museólogos, decidir ou não incorporar os objetos ao acervo, o que revela uma autonomia negada aos povos indígenas no fazer museológico.
“Alguns processos puderam ser revistos e transformados; outros, apesar de mudarem a forma de execução e planejamento, não modificam o status subalterno do indígena. Alguns desses processos foram capazes de inverter certas lógicas predatórias, como na seleção, e hegemônicas e da colonialidade do saber, na documentação museológica”, pondera o pesquisador.
A pesquisa mostra que, a partir dos anos 2000, a documentação passou a favorecer a autoria, reconhecendo, assim, os indígenas como detentores de um saber ancestral, valorizando esse saber em relação ao dos museólogos e antropólogos do museu. Dessa forma, foram criadas oficinas de qualificação do acervo com a presença de representantes dos povos indígenas, com o objetivo de melhorar a qualidade da documentação museológica de objetos previamente selecionados pelos museólogos, qualificando a autoridade do indígena. No entanto, algumas dificuldades burocráticas inviabilizaram uma maior presença indígena, como a impossibilidade de contratar funcionários indígenas que não tenham sido aprovados em concurso público, ou qualquer tipo de contratação que se sobreponha à legislação do funcionalismo público.
“O papel da FUNAI, no caso específico do Museu do Índio, também foi, durante a história da instituição, um fator adicional para complexificar as relações, dificultando, em diversos momentos, direta ou indiretamente, a promoção de atividades continuadas com os povos indígenas — seja pelo direcionamento político da gestão do órgão, pelas sucessivas crises que afetaram diretamente o museu, ou pela pouca autonomia relativa que o Museu do Índio passou a obter apenas no decorrer dos anos 2000, ao implementar, em 2009, um regulamento interno que garantisse maior controle sobre suas verbas e ações”, declara o autor.
O estudo levanta a discussão acerca das propostas de trabalhos colaborativos que envolvem a participação indígena, refletindo que essa presença, por si só, não configura uma mudança de paradigma institucional. É importante compreender que a descolonização do museu deve ser constante. A mudança para a descolonização precisa reconhecer um passado de dominação, lutas e resistências, em um complexo quadro histórico de relações entre os indígenas, a sociedade, o Estado, o museu e os pesquisadores.

“A fragilidade dos museus e de iniciativas que asseguram a participação indígena e o trabalho colaborativo pode ser observada nos momentos de crise institucionais que acompanham a saída de cada diretor, e o consequente esvaziamento desses projetos, ou mesmo o abandono dessas iniciativas, que precisavam ser reconstruídas posteriormente. O controle de narrativas está sempre em disputa. A preocupação de substituir representações estereotipadas e anacrônicas dos indígenas, o alinhamento às causas indígenas no combate ao preconceito e a valorização cultural desses povos estiveram presentes no Museu do Índio em cada ciclo de participação analisado, acompanhando a produção de conhecimento de cada época. Como tentamos demonstrar, o sucesso de cada empreitada nesse sentido foi sempre relativo, nem sempre o discurso correspondendo ao que era, de fato, colocado em prática”, pontua o pesquisador.
O estudo mostra que, nem sempre, as práticas do Museu do Índio garantiram representatividade para os indígenas. Leandro Guedes destaca que um dos principais resultados da pesquisa foi a identificação de indivíduos indígenas, como o Xerente Januário Santa Rosa Sorominé e o Kaingang Cuhkrã Irontire, como sujeitos que, até então, haviam sido negligenciados ou ignorados, não apenas pelo Museu do Índio, mas também pelas produções antropológicas e museológicas sobre o tema. Identificar os indígenas que passaram pelo museu é um reconhecimento de sujeitos esquecidos na história e, por isso, cujas contribuições nunca foram mencionadas. O autor ainda pondera que é preciso assegurar, por meio de políticas públicas, a possibilidade de que os museus possam equilibrar essa relação de trocas, sem depender da vontade de suas gestões. Além disso, o museu, enquanto instituição, tem a responsabilidade de tomar partido pela identidade. Os indígenas são capazes de assumir a curadoria, criar museus comunitários, ocupar espaços em museus públicos e privados, assegurando a autonomia de autorrepresentação e o protagonismo de suas narrativas.
Acesse a dissertação em:
MORAES, Leandro Guedes Nóbrega de. A participação indígena na musealização do Museu do Índio. Dissertação (Mestrado em Museologia e Patrimônio) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2022. Disponível em: https://www.unirio.br/ppg-pmus/leandro_guedes_nobrega_moraes1.pdf . Acesso em: 04 de abril de 2024.
Redação: Tania Rangel
Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta
Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner