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v. 2, n. 3, mar. 2024
Entrevista com Ivanilma de Oliveira Gama sobre sua pesquisa acerca dos impasses da ciência aberta e dos direitos autorais

Entrevista com Ivanilma de Oliveira Gama sobre sua pesquisa acerca dos impasses da ciência aberta e dos direitos autorais

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Entrevista com Ivanilma de Oliveira Gama sobre sua pesquisa acerca dos impasses da ciência aberta e dos direitos autorais

Ivanilma de Oliveira Gama

ivanilmagama@gmail.com

Sobre a entrevistada

Natural do Rio de Janeiro, a bibliotecária Ivanilma de Oliveira Gama doutorou-se em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2022. 

Em sua tese, intitulada “Autoria coletiva e autoridade científica frente à ciência aberta: a questão dos direitos autorais em pesquisas colaborativas sobre Cannabis medicinal”, realizada sob orientação da professora e pesquisadora Regina de Barros Cianconi, discutiu a autoria coletiva frente aos impasses contemporâneos da ciência aberta e os direitos autorais em pesquisas colaborativas sobre o uso da Cannabis na medicina. E para tanto, abordou desde a história da função autor dentro da sociedade e na ciência, as legislações sobre direitos autorais e a inclusão dos ativos digitais, participação ativa de não cientistas e do capitalismo cognitivo.

Hoje com 39 anos, é “mãe” de dois pets, filha de um casal incrível, irmã da Jaqueline, madrinha de crianças lindas e muito inteligentes e admiradora da vida. E é também apaixonada por bons livros e leitura, além de rodas de samba e bares.

Ivanilma, atualmente, atua como   bibliotecária no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Campus Itaguaí, Rio de Janeiro).

Na entrevista, a pesquisadora nos relata como se deu o desenvolvimento de sua pesquisa durante o doutorado e as principais influências.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Ivanilma de Oliveira Gama (IOG): Durante a minha graduação na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, eu tive o privilégio de ver professores/as doutores/as negros/as que me mostraram que era possível sonhar com o doutorado. Depois de um período exercendo a profissão de bibliotecária, com uma bagagem cheia de ideias, iniciei a pós-graduação. Assim, comecei o mestrado em 2016 e prossegui para o doutorado em 2019. A escolha da temática foi uma continuidade de um tema que sempre me despertou interesse na vida acadêmica, que são os impactos das tecnologias na área de Ciência da Informação (CI).

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e  conclusões alcançados??

IOG: Esse momento não ocorreu de forma rápida. Tive muitas dúvidas ao longo do período quanto ao recorte do tema, como seria possível avançar em alguns temas que não fazem parte da minha formação, como os Direitos autorais e, principalmente, se seria capaz de entregar uma tese. Mas, quando fui aplicando as entrevistas com o grupo selecionado de pesquisadores(as) e ouvi em seus relatos muitas das minhas inquietações que me levaram a iniciar a pesquisa, percebi que estava prestes a alcançar meus objetivos principais. 

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido? 

IOG: Houve trabalhos que foram muito importantes no direcionamento da pesquisa: a tese de doutorado, a obra que se originou deste estudo e o blog sobre autoria em rede de Beatriz Martins Cintra (USP) que tratou sobre a formação do papel do autor na sociedade até a atualidade com a perspectiva das Tecnologias de Comunicação. A segunda foi de Paulo Cezar Vieira Guanaes (Fiocruz) que tratou sobre as questões de direitos autorais na abertura e compartilhamento de dados científicos, permitindo-me explorar o âmbito jurídico disto em ciência. Assim como também a pesquisa de Adriana Carla Silva de Oliveira que resultou no livro “Ciência aberta, direitos de propriedade intelectual e autoria colaborativa: a multidimensionalidade da ciência contemporânea” que elucidou o longo debate que a comunidade acadêmica está iniciando sobre os limites do compartilhamento e abertura de ativos digitais.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

IOG: O primeiro ponto que abordamos é a evolução da comunicação científica até o atual estágio de inclusão dos dados como primordiais ao desenvolvimento científico. O segundo ponto é mapeamento das principais iniciativas sobre a determinação de autoria em pesquisas colaborativas que classifiquei na tese como autoria coletiva que compreende não somente a colaboração de cientistas-cientistas, mas cientistas-não cientistas que é possível ver nas pesquisas sobre Cannabis medicinal por toda a história de proibição das pesquisas com o fitoterápico, a retomada das atividades de pesquisa em meio às proibições até o momento de descriminalização.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

IOG: A tese tem a intenção de fomentar a discussão de que a ciência pode ser verdadeiramente para todos (as) e pode haver protagonismo dos envolvidos, inclusive os não cientistas. As tecnologias permitiram que qualquer pessoa pudesse acessar e produzir informação. Caberá ao campo científico aprimorar seus fluxos comunicacionais para que a ciência seja mais inclusiva e, assim, apresentar à sociedade resultados mais aplicáveis aos problemas sociais, como pandemias, endemias, mudanças climáticas, entre outros.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

IOG: As principais discussões são tratar da figura do autor como central a comunicação científica, mostrar as principais mudanças que este personagem vem passando com a introdução das tecnologias de comunicação, a chegada de novos atores e ampliação das pesquisas colaborativas e a escolha de pesquisadores (as) sobre Cannabis medicinal como estudos de casos. Acredito que estes são elementos muito atuais e que interferem nas práticas acadêmicas e, principalmente, dos profissionais da informação.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa? 

IOG: Foi preciso, no primeiro momento, aprofundar o conhecimento sobre os principais pontos da pesquisa – ciência aberta, dados científicos, ciência cidadã, pesquisas colaborativas e direitos autorais. Por isso, fizemos um levantamento das publicações nas principais bases de dados do campo da Ciência da Informação, da Saúde e do Direito. Entendemos que era preciso comparar a parte teórica com a vida laboral de pesquisadores. Eu já havia pesquisado, por interesses pessoais, o processo de descriminalização da Cannabis e os efeitos terapêuticos dos derivados e vi neste grupo de pesquisadores as características que iam de encontro ao que estava sendo abordado na parte teórica. Iniciamos a construção de um roteiro de entrevista e selecionamos aqueles que havia o perfil para a pesquisa – pesquisadores(as) de universidades e instituições de pesquisa brasileiras da área da saúde ou correlatas, se dedicassem a estudos sobre Cannabis e participassem de pesquisas colaborativas com outros cientistas e não cientistas. As entrevistas foram aplicadas através de videochamadas e realizamos a análise do conteúdo das entrevistas através de um método que fragmentou o conteúdo das entrevistas em categorias e subcategorias para compará-las com o que vimos ao longo do desenvolvimento do estudo..

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

IOG: Tentando ser o mais realista possível, de 30 a 40% refere-se à inspiração e de 60 a 70% são transpiração. O desenvolvimento de uma tese compõe um longo período de tentativas e dificuldades. No meu caso, eu tive dificuldades em (1) delimitar qual a subárea da Saúde que seria estudada, (2) como envolver as questões jurídicas sobre direitos de autor sem ser uma especialista na área e (3) seria um recorte geográfico nacional, internacional ou ambos.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

IOG: Na epígrafe da tese, eu citei um trecho da obra de bell hooks que me inspirou ao longo da caminhada do Doutorado. “A academia não é o paraíso, mas o aprendizado, é um lugar onde o paraíso pode ser criado.  […] temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade.” Nessa trajetória, o maior desafio foi acreditar que eu merecia estar em um programa de pós-graduação e que a minha pesquisa poderia contribuir para a área. De todos os desafios, acredito que este seja um dos mais difíceis que os pós-graduandos enfrentam. Foi preciso acreditar que tudo isto fazia parte de uma caminhada coletiva e que era possível trazer à discussão o modelo atual de ciência e os outros que vem surgindo. Este processo fará parte da formação dos futuros profissionais.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

IOG: A minha família me apoiou bastante durante o doutorado, mesmo assim não foi fácil compreender as ausências, as noites em claro, a falta de disposição, a preocupação com os prazos etc.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

IOG: A maior dificuldade, sem dúvidas, foi em relação aos Direitos autorais e como apresentá-lo de modo compreensível e sem expressar alguma informação de modo errôneo.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?

IOG: Observei que existem algumas perguntas que a pesquisa não conseguiu abranger e que seriam temas para futuras pesquisas, dentre elas estão: Como as questões éticas se inserem no papel do autor em ciência? Como os não cientistas que participam ativamente de pesquisas científicas avaliam esse processo? Quais as situações vivenciadas na produção de dados e atribuição de autoria pelos não cientistas? Quais as possibilidades de recompensas científicas com vistas ao movimento de ciência aberta? Como o fenômeno de plataformização, como ResearchGate, Academia.edu, por exemplo, influencia no compartilhamento de publicações e dados científicos?.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

IOG: Embora a academia seja um desafio, eu confesso que me apaixonei por ela. Então, venho trabalhando para iniciar a docência.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora??

IOG: Eu procuraria delimitar mais ainda o tema. Houve um excesso de assuntos abordados e que, hoje, eu sublinharia alguns mais para que a pesquisa não tornasse tão robusta como foi. Também entraria de licença no meu trabalho para ter mais tempo para me dedicar. Conciliar trabalho, casa e doutorado foi bem difícil.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

IOG: Eu acredito que foi uma ótima experiência de poder apresentar o desenvolvimento das pesquisas em eventos e periódicos da área. As contribuições dos avaliadores foram salutares para a inclusão e exclusão de algumas partes, como VI Seminário de Estudos da Informação. Foram publicados dois artigos frutos da tese: “A abertura científica: O processo de ressignificação a partir dos movimentos Open Access e Open Science” e “Impactos da ciência aberta na autoria e autoridade científica em pesquisas colaborativas sobre Cannabis medicinal” que considero os mais importantes. Além disso, estive em três grupos de pesquisa: “Gestão e uso da informação e do conhecimento” e “A utilização de recursos emergentes de gestão do conhecimento em ambientes virtuais”, coordenado pela Profa. Dra. Regina de Barros Cianconi, que foi minha orientadora, e “INFOÉTICA – Estudos em Epistemologia, Ética e Política de Informação”, coordenado pela Profa. Dra. Maria Nélida González de Gomez que foi minha co-orientadora.

DC: Exerceu alguma monitoria/estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

IOG: Fiz estágio docência na disciplina “Aspectos legais no processo informacional”, ministrada pelo professor Dr. Carlos Henrique Juvêncio. Foi uma experiência que certificou a minha vontade de atuar como docente. Aprendi muito sobre os trâmites do ofício de docente e os estudantes sempre trazem uma expectativa e questionamentos que fazem a gente explorar mais da nossa área. Isso foi muito enriquecedor.

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

IOG: O objetivo da disciplina – abordar as legislações nacionais e internacionais que atingem o fluxo informacional – caminhou lado a lado com parte da minha pesquisa. Pode aplicar aquilo que eu estava estudando em sala de aula foi excelente, principalmente, na construção do capítulo sobre lei de direitos autorais. Acredito que ele se tornou um capítulo mais leve na descrição e aplicabilidade da lei por conta desta experiência anterior.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

IOG: Conseguiu, ao final da tese, apontar alguns caminhos, mas nenhum deles são os únicos e absolutos. Por isso, aconselho que faça a leitura de modo a perceber como estas indicações podem ajudar no caminho da sua pesquisa.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

IOG: Acho que esta relação deve ter parceria e respeito mútuos. Será um longo período para ambos, então é necessária muita paciência tanto do orientador quanto do orientando.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

IOG: Após o doutorado, venho me dedicando a estudos sobre autoria frente a inteligência artificial e sobre a ciência cidadã no campo da ciência cidadã. O primeiro gerou o capítulo “A função autor na comunicação científica: contexto histórico e perspectivas” do livro “Horizontes convergentes: pesquisas interdisciplinares em ciência da informação”. O último já frutificou um artigo em parceria com o Me. e Doutorando Vinícius Ribeiro Soares dos Santos – Percursos da Ciência Cidadã em Saúde: processos para o engajamento público.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

IOG: O Programa de Pós Graduação me permitiu conhecer o quanto a área da Ciência da Informação é diversificada através das pesquisas dos demais amigos e colegas de PPGCI/UFF. Reencontrei amigos de longa data que contribuíram muito com meu desenvolvimento profissional, acadêmico e pessoal. Durante o doutorado participei da equipe responsável pelas redes sociais do Programa. Pude contribuir na divulgação dos eventos, pesquisas, publicações e atividades administrativas do PPGCI/UFF.

DC: Você por você:

IOG: Sou uma mulher, negra, suburbana que teve uma origem pobre e, com o apoio coletivo, cheguei ao Doutorado em uma das melhores universidades do país. Aprendi muito cedo que a leitura e o conhecimento poderiam me dar asas para lugares maravilhosos (é clichê, mas o que é a vida sem um pouco de clichês?). Como boa capricorniana, trabalho com afinco não somente como algo pessoal, mas como meio de devolver aos meus tudo o que eles me deram para que eu pudesse alcançar todos os meus desejos. Como não somente de trabalho se vive, amo uma boa roda de samba, uma boa leitura na rede no final do dia, um vinho num dia frio, uma cerveja gelada no dia quente, entrar num avião e explorar outros lugares, ouvir história dos meus afilhados e almoço de domingo com meus pais. Sonho com um espaço acadêmico mais democrático e inclusivo para que a universidade seja um objetivo possível a qualquer cidadão e cidadã.


Entrevistada: Ivanilma de Oliveira Gama

Entrevista concedida em: 20 fev. 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Alex Sandro Lourenço da Silva

Fotografia: Ivanilma de Oliveira Gama

Revisão e Diagramação: Alex Sandro Lourenço da Silva

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