
A vida cotidiana nas pesquisas da universidade: ações do Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo, por Nilton Milanez

A vida cotidiana nas pesquisas da Universidade: ações do Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo
Nilton Milanez
A pesquisa nas Universidades se dá em vários níveis e se mostram de diferentes maneiras. Um dos modos de se desenvolver um certo tipo de pesquisa é a partir da formação de Grupos de Pesquisa com objetivos específicos e programas de estudo singulares. O LABEDISCO é a sigla para o Grupo de Pesquisa do Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo, na Universidade do Estado da Bahia, em Salvador.
A primeira questão que se coloca é sobre o Laboratório. Na verdade, neste caso, Laboratório designa um espaço essencialmente virtual do qual fazem parte pesquisadores de inúmeros Grupos de Pesquisa de universidades brasileiras que praticam pesquisas alinhadas com o LABEDISCO.
O LABEDISCO tem página no instagram, o @labedisco, e também canal no youtube, sendo a maior parte dos trabalhos em andamento apresentados ao vivo pelo streaming, no Canal @niltonmilanez, o coordenador do Grupo.

Os encontros de discussão e estudo dos temas propostos pelo LABEDISCO são realizados em sua maioria online, pelo google meet. Portanto, conversas, reflexões e cursos acontecem no ambiente virtual, sem um espaço físico e aberto a quem se interessar.
Colocada essa peculiaridade do LABEDISCO, o outro ponto mais questionado é sobre o tipo de estudo que desenvolve? O que significa estudar o Discurso? Discurso é uma vertente teórica de estudo que se movimenta na área de análise linguística desde os anos 1960.
Em específico, entendemos Discurso sobre a perspectiva do filósofo e historiador francês Michel Foucault. O Discurso abrange as formas como nós lidamos com as ideias que decorrem de práticas instituídas sobre o modo como falamos, agimos, vivemos desde o dia de nosso nascimento.
Isso quer dizer que há uma ordem que prescreve procedimentos e estratégias de como nos colocamos diante das instituições, tal qual nossa própria família, na escola, na religião, diante das mídias como a televisão e nas redes sociais. O Discurso atesta o que fazemos e também nos dá, ao nos mostrar como funciona, a possibilidade de mudar discursos nos quais não nos reconhecemos.
Depois disso, a outra pergunta que vem à tona é a de que se trata quando falamos de Corpo? O corpo de que tratamos pode ser o corpo biológico e anatômico como o conhecemos, mas é muito mais o seu plural que nos interessa, os corpos. Investigamos como os corpos nas propagandas, no cinema, nos videoclipes, nas redes sociais produzem um certo padrão a ser seguido e, também, que tipos de resistências enfrentam na luta contra esses padrões.
O corpo se coloca, nessas relações, em um jogo de forças entre certas práticas libertárias, de um lado, e modelos de corpos, de outro, que nos são apresentados há séculos. Em se tratando de uma batalha, observamos como em nosso dia a dia, sobretudo em cenas reais nas mídias, os corpos se confrontam para fugir de certos modelos e viver a liberdade de como podem desfrutar do prazer de viver.

Assim, o corpo não é mais aquele corpo da biologia, mas um corpo simbólico, enfrentando poderes que buscam dominar nossos desejos e, ao mesmo tempo, se reinventando e vivendo diferentemente do que se esperam algumas instituições. E, aqui, chegamos ao objeto principal dos estudos do discurso sobre o corpo: as sexualidades.
É importante distinguir sexualidade de sexo. O sexo é uma condição dada biologicamente, mas que precisa da confirmação do próprio indivíduo para afirmar sua singularidade. Essa relação que estabelecemos com as sexualidades é atravessada pela história que nos precedeu e pelas ideias que vieram com elas. Por isso, nossas sexualidades não são dadas ao nascer, mas ao longo de nossas vidas quando vamos nos constituindo como sujeitos sexuais.
Não nascemos prontos, nos construímos na relação que travamos com nossos desejos, nossos prazeres, nos intercâmbios durante nossas interações sociais. O resultado disso tudo é a compreensão de como dizemos sobre quem somos nós diante das possibilidades de exercermos liberdades sobre nossos corpos e nossas condutas.
Levando em consideração, então, os pontos que ligam corpo, discurso e sexualidades, o LABEDISCO desenvolve Projetos de Pesquisa e de Extensão voltados sobre esses temas no campo das audiovisualidades, ou seja, estudamos e verificamos como o corpo e as sexualidades se apresentam nos objetos de maior circulação em nossa sociedade, principalmente nos casos em que temos imagens em movimento e som.
O Projeto de Pesquisa Micro-história das sexualidades no Brasil ouve e estuda a fala de pessoas comuns sobre seu modo de vida no que diz respeito a temas como a transgeneridade, a maternidade, a homoafetividade, a infância das crianças, incluindo temas que impactam a vida social dos indivíduos.

As micro-histórias se tornam relatos da vida dos outros, mas que estão diretamente ligadas as nossas, pois falam de condutas e comportamentos que é comum à sociedade brasileira. Compreendemos que, ao analisarmos como essas histórias se formam, podemos nos transformar a nós mesmos por meio da experiência que vivemos, nas práticas científicas em meio às imagens e aos sons.
O Projeto de Extensão se intitula Leitura das (homo)sexualidades no Brasil e estuda obras literárias de autores gueis e autoras lésbicas do período da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Geralmente, a cada semestre elegemos uma obra e fazemos a leitura, ao vivo, em conjunto, do livro selecionado com o grupo interessado nesse estudo. Para cada obra estabelecemos artigos e livros teóricos que podem colaborar com a discussão. Ao final de cada estudo, propomos o lançamento de um livro, para o qual são submetidos artigos para avaliação, sobre o tema estudado, a fim de compor os resultados da leitura realizada.
Nosso foco com esse Projeto é pensarmos o que se transcorreu com as pessoas homossexuais no período da opressão e militar e de que modo aquelas coerções e estilo de vida se ressignificou, hoje, por meio de uma reinvenção do modo de vida homossexual, transgênero e intersexo. Tomamos, assim, a experiência de leitura sobre um passado sobre as homossexualidades para compreendermos os mecanismos que atuam e impactam socialmente nossas sexualidades no presente.

Discurso, corpo e sexualidades assumem, sob esses trabalhos que desenvolvemos, o papel de nos situar historicamente sobre o que somos nós e como lidamos conosco enquanto sujeitos que escrevem e se inscrevem na história da nossa atualidade. O LABEDISCO frisa a libertação dos corpos e nossa capacidade de reinventarmos a nós próprios.
Algumas produções do Labedisco:
MILANEZ; N.; KOGAWA, João; FIGUEIRA-BORGES, Guilherme. (Org.). Foucault na Califórnia: uma experiência-limite do corpo no manuscrito de Simeon Wade. Salvador: Labedisco, 2022. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Foucault-Calif%C3%B3rnia-experi%C3%AAncia-limite-manuscrito-Simeon-ebook/dp/B0BGY7T5HG . Acesso em: 01 jun. 2024.
MILANEZ, Nilton. Até os sonhos: discurso, intericonicidade, psicanálise. Salvador: Labedisco Selo Editorial, 2023. Disponível em: https://www.amazon.com.br/AT%C3%89-OS-SONHOS-INTERICONICIDADE-PSICAN%C3%81LISE-ebook/dp/B0CNKWT9ZF . Acesso em: 01 jun. 2024.
MILANEZ, Nilton; GAMA-Khalil, Marisa Martins; COITO, Roselene de Fátima. (Org.). Literatura e Artes nos Ditos e Escritos: pirotecnias foucaultianas. Salvador: Labedisco, 2023. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Literatura-Artes-Ditos-Escritos-foucaultianas-ebook/dp/B0CFSR1R8Y . Acesso em: 01 jun. 2024.
MILANEZ, Nilton (Org.). O corpo dito (ou não): discursividades sobre homoafetividade e ditadura em narrativas de Darcy Penteado. Salvador: Labedisco, 2022. Disponível em: https://www.amazon.com.br/CORPO-DITO-N%C3%83O-DISCURSIVIDADES-HOMOAFETIVIDADE-ebook/dp/B0BG9J5CD2 . Acesso em: 01 jun. 2024.
MILANEZ, Nilton. Menino Insone: corpo e memória em Darcy Penteado. Salvador: Labedisco, 2023. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Menino-Insone-corpo-mem%C3%B3ria-Penteado-ebook/dp/B0BZJP63GV . Acesso em: 01 jun. 2024.
Sobre o autor:
Professor da Universidade do Estado da Bahia e do Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens também da Universidade do Estado da Bahia. Coordena o Grupo de Pesquisa “LABEDISCO Laboratório de Estudos do Discurso e do Corpo”.
Pós-doutor em Discurso, Corpo, Cinema na Sorbonne Nouvelle e em Estudos Literários na Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Linguística pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho. Bacharel em Língua Inglesa – Tradução e licenciado em Língua Portuguesa e suas Literaturas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Redação e Foto: Nilton Milanez
Diagramação: Jônatas Silva dos Santos