
Força da extrema direita é proporcional à desinformação contra comunidades indígenas, por Allysson Martins

Força da extrema direita é proporcional à desinformação contra comunidades indígenas
Allysson Martins
allyssonviana@unir.br
Em 2018, Jair Bolsonaro chegou ao posto político mais relevante do país, a presidência da República. O representante da extrema direita trouxe consigo também uma onda não antes observada pelas agências de checagens brasileiras: as fake news contra os povos indígenas.
A desinformação – um processo complexo e estruturado para enganar as pessoas, inclusive com silenciamentos e informações verdadeiras enviesadas – foi se amplificando e alcançou novas nuances durante a pandemia da covid-19. Com o auge dessa infodemia em 2021, grupos indígenas se organizaram para combater e ensinar como perceber essa desordem informacional.Foi nesse período que o ex-presidente e seus aliados lançaram mão de um conjunto de informações falsas sobra a recém-criada vacina do novo coronavírus. As etnias indígenas mais afetadas por essa desordem fizeram até retornar o imunizante destinado a elas, por causa não apenas do seu modo de vida, mas também dessas fake news.
Silenciados durante todo o governo de Bolsonaro, uma crise humanitária em torno do povo indígena Yanomami foi relevada somente com sua saída da presidência. Foi preciso afastar a extrema direita da presidência para que, ainda em janeiro de 2023, soubéssemos que eles sofriam pela ação de garimpeiros ilegais e ausência de políticas públicas do governo anterior.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública precisou até desmentir que a população Yanomami não tinha relação com as comunidades indígenas venezuelanas que chegaram ao Brasil como refugiadas. Entre os apoiadores de Jair Bolsonaro que espalharam essa mentira estava o deputado federal Luiz Ovando, do Mato Grosso do Sul, que chegou a afirmar que esses indígenas brasileiros eram venezuelanos. A informação, evidentemente, não se sustentava e, ainda que fosse verdadeira, não justificaria o estado de extrema desnutrição que se encontravam os povos originários, em situação de tragédia humanitária.
Na principal agência de checagem do Brasil, a Lupa, a relação da desinformação contra os povos originários com a extrema direita fica evidente, principalmente quando percebemos que essas análises específicas começam em dezembro de 2018, com duas mentiras que envolvem diretamente discursos de Jair Bolsonaro.
Ainda no auge da pandemia da covid-19, em 2021, apoiadores do ex-presidente divulgaram um vídeo como se indígenas estivessem apoiando o ato de 7 de setembro organizado pela extrema direita. No entanto, a gravação mostra o acampamento “Luta pela Vida”, organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), contra o marco temporal a ser votado no Supremo Tribunal Federal (STF). Ou seja, nenhuma relação com Bolsonaro e menos ainda favorável a ele, já que era um defensor do marco temporal, que dificultava a demarcação das terras indígenas.
Mesmo a derrota para Lula na corrida presidencial, em 2022, não arrefeceu a sanha pela desinformação contra os povos originários, inclusive, com aumento no ano seguinte. Desde então, apoiadores do ex-presidente divulgaram, por exemplo, vídeos falsos, modificados para parecer que os indígenas estavam contra o petista e que foram vaiados quando o apoiavam.
Com a pesquisa empreendida sobre desordem informacional e povos originários desde 2023, observamos que, mesmo quando o aspecto político não é enfatizado, a ideologia permeia os assuntos, aparecendo em mais de 80% da desinformação. Embora encontremos mentiras sobre manifestações indígenas, as principais partem da fala de políticos e apoiadores da extrema direita no país, ao atacarem o que chamam de “esquerdistas”, o presidente Lula, seus ministros e demais apoiadores.
Muita desinformação está relacionada a erros quantitativos, entre exageros e menosprezos, por exemplo, quando Jair Bolsonaro disse que o povo Yanomami era de uns 9 mil, quando ultrapassavam o número de 25 mil. Outras informações falsas, sobre ilegalidades promovidas ou vivenciadas pelos povos originários e sobre as ações de entidades públicas e privados ligadas a eles – como Funai, Ibama e ONGs de proteção ambiental –, possuem um caráter ideológico e até partidário. Não é segredo para ninguém que políticos e aliados da extrema direita atacam essas questões.
Políticos e apoiadores de Bolsonaro diminuem, ironizam e questionam o modo de vida e, portanto, a própria identidade dos povos tradicionais. Com as fake news, aproveitam para atingir pessoas como Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas do governo Lula, e Cacique Raoni, líder indígena que subiu a rampa na posse do atual presidente. Ou seja, colocam como se indígenas se apropriassem indevidamente de recursos para obter uma vida com tecnologias e equipamentos, algo supostamente não condizente com quem são, e questionam a identidade de pessoas proeminentes dessa população.
Essa identidade e forma de vida passa também pela questão das terras indígenas, quando entra o assunto do marco temporal, citado anteriormente, e também alvo das mentiras da extrema direita. A crise sanitária e humanitária do povo Yanomami, causando morte desse grupo, também foi alvo de desinformação, como já demonstrado, principalmente para defender o ex-presidente Jair Bolsonaro e acusar o então presidente Lula. Em outras ocasiões, como assassinatos em conflitos de terras e manifestações e mortes em decorrência da covid-19, aprecem até discursos políticos que tentam atribuir falsamente culpa aos dois presidentes.
Até o momento, é possível observar que a desordem informacional contra os povos indígenas brasileiros demonstra uma politização explícita, com alto índice de envolvimento de políticos e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. 67% das mentiras beneficiam a extrema direita, ou porque saíram da fala de algum político desse espectro ideológico ou porque é um ataque mentiroso a figuras proeminentes da esquerda, como o presidente Lula e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, ou mesmo ao que denominam de “esquerdistas”.
Sobre o autor:
Professor do Departamento Acadêmico de Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Rondônia. Coordenador do MíDI – Laboratório de Mídias Digitais e Internet na Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Doutorando em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará. É autor dos livros “Não era só uma gripezinha, mas desinformação” (2025), “Jornalismo e guerras de memórias nos 50 anos do golpe de 1964” (2020), “Jornalismo digital entre redes de memórias na efeméride do 11/9” (2022).
Redação: Allysson Martins
Foto: Allysson Martins
Diagramação: Ana Júlia Souza