
A mediação da informação e a leitura para o protagonismo social da Biblioteca do Colégio Estadual José de Freitas Mascarenhas, em Camaçari (BA) – Entrevista com Deise Luz

A mediação da informação e a leitura para o protagonismo social da Biblioteca do Colégio Estadual José de Freitas Mascarenhas, em Camaçari (BA) – Entrevista com Deise Luz
Deise Luz do Espírito Santo
deiseluz.santo@gmail.com
Sobre a entrevistada
Em 2024, Deise Luz do Espírito Santo concluiu seu mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia, sob a orientação da Profa. Dra. Henriette Ferreira Gomes.
Natural de Camaçari (BA), Deise é professora da rede pública estadual de ensino na Bahia, atuando no Colégio Estadual José de Freitas Mascarenhas. Nas horas vagas, gosta de ler, ir ao cinema, assistir a shows e passar tempo com as amigas e seus pets.
Sua dissertação, intitulada “Mediando a informação e a leitura para o protagonismo social”, abordou a mediação da informação e da leitura no contexto do Projeto de Revitalização da Biblioteca do Colégio Estadual José de Freitas Mascarenhas, em Camaçari (BA).
O estudo apresenta as atividades de mediação da informação e da leitura desenvolvidas nesse espaço, analisando se, em sua execução, foram contempladas as dimensões da mediação da informação e se houve contribuições para o protagonismo social dos envolvidos.
Nesta entrevista, Deise Luz do Espírito Santo compartilha detalhes sobre sua pesquisa, os desafios do mestrado e suas perspectivas na carreira docente e na trajetória como doutoranda.
DC: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Deise Luz (DL): Sempre gostei muito de estudar e sempre tive interesse pela carreira acadêmica. Sou apaixonada por pesquisa científica, que considero uma forma intrigante, envolvente e enriquecedora de conhecer (e se inquietar!) com o mundo. Dessa forma, fazer o mestrado foi um caminho esperado e desejado.
O que me inspirou na escolha do tema foi minha própria atuação docente. Sou professora da rede estadual da Bahia há mais de 10 anos e, no meu colégio, criei e implementei um projeto de revitalização da biblioteca escolar. Ao perceber a inatividade da biblioteca, propus à gestão utilizar minha carga horária como orientadora de estágio para idealizar e executar esse projeto.
Como, infelizmente, não há um bibliotecário efetivo na escola (sou bibliotecária, mas meu cargo é de professora), a solução que encontrei para manter a biblioteca aberta e ativa foi a criação de um programa de estágio voltado aos estudantes dos cursos técnicos de nível médio da escola (Logística e Administração). Dessa forma, foi possível tanto atender à demanda por estágio desses estudantes quanto beneficiar a comunidade escolar com esse espaço essencial para a educação e a cultura.
O projeto teve início em 2021 e, desde então, permanece ativo, possibilitando a (re)existência da biblioteca e concedendo oportunidades de estágio aos alunos, o que, por consequência, viabiliza a conclusão de seus cursos. Até o momento, 115 estudantes já passaram pela biblioteca como estagiários.
Desse contexto também surgiu a disciplina eletiva “Clube do Livro”, criada por mim em parceria com a professora Ilse Mamede e ministrada por nós entre 2022 e 2023.
A ideia de transformar o projeto no objeto de estudo da minha dissertação surgiu em uma conversa com minha querida orientadora, Henriette Ferreira Gomes. Ao relatar as atividades que estava desenvolvendo na escola, ela percebeu minha empolgação e identificou o potencial do projeto para um estudo sobre mediação da informação e da leitura.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
DL: Pesquisadores da mediação da informação e da leitura no contexto das bibliotecas escolares, assim como educadores e gestores que queiram se inspirar no projeto para desenvolver ações semelhantes em suas escolas, podem se beneficiar dessa experiência. Diante da insuficiência de profissionais bibliotecários nas escolas públicas, a implementação de projetos como o que desenvolvemos no Mascarenhas pode ser uma possibilidade para abrir as portas das bibliotecas. Claro, isso não deve substituir a exigência às instâncias competentes pela realização de concursos e pela contratação de profissionais bibliotecários, conforme previsto na Lei 12.244/2010.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
DL: Para a ciência e tecnologia, as diversas ações de mediação da leitura e da informação identificadas no projeto e apresentadas no trabalho, que podem servir de base para ações de mediação em outros contextos. E ainda o reconhecimento de que a valorização da dialogia e de um espaço democrático e inclusivo nas bibliotecas enriquece estes dispositivos, convida ao pertencimento e a que os sujeitos se identifiquem e explorem a sua condição de protagonistas sociais. Se aproxima, assim, do que Pieruccini chama de “dispositivos informacionais dialógicos”. Reafirma ainda que somente pela via de uma mediação consciente e pautada no alcance das dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política, formuladas por Gomes é que se pode, de fato, apoiar o desenvolvimento do protagonismo social.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
DL: Está incluído na linha 2, Produção, circulação e mediação da informação, pois tem como objeto de estudo as atividades de mediação da informação e da leitura realizadas numa biblioteca escolar.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
DL: A tese da professora Ivete Pieruccini, de 2004, denominada “A ordem informacional dialógica: estudo sobre a busca de informação em Educação” e toda a produção teórica da professora Henriette Ferreira Gomes a respeito das dimensões da mediação da informação, a partir de 2014. Destaco entre eles a conferência de encerramento proferida pela professora no V COINFO, em 2021, denominada “Protagonismo e competências em informação: conferência de encerramento do V COINFO”, por sua abordagem precisa sobre o protagonismo social, que muito contribuiu para o meu estudo. Como ação decisiva, destaco a própria criação do Projeto de Revitalização, que foi uma iniciativa minha, e acabou se tornando também o meu objeto de estudo.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
DL: A partir das orientações com a minha professora, definimos que tínhamos um estudo de caso associado à observação participante. Definimos, também, as técnicas a serem utilizadas (observação direta, realização de entrevistas e de grupos focais) e os instrumentos. A partir daí, conversei com a gestora da minha escola para apresentar a pesquisa e solicitar autorização para realizá-la na escola. Com a autorização concedida e a documentação de autorização formalizada, parti para a coleta de dados, que consistiu no registro das observações em diário de campo, e na realização das entrevistas e dos grupos focais. Com os dados coletados, eles foram sistematizados em quadros, permitindo a sua melhor análise, à luz do referencial teórico.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
Sem dúvida, conciliar trabalho e estudos foi um dos maiores desafios, especialmente durante a pandemia. Ser professora em uma jornada de 40 horas semanais e, ao mesmo tempo, mestranda é uma tarefa árdua. Além disso, acumulei múltiplas funções: fui mestranda, professora e bibliotecária. Embora minha lotação seja como professora, devido ao projeto, acabo atuando também como bibliotecária na minha escola. Assim, divido-me entre três atividades que amo, mas que são exaustivas.
Outro grande obstáculo foi a falta de licença para os estudos e de bolsa de pesquisa, o que acabou estendendo a duração do meu curso além do esperado. No entanto, apesar dos desafios, no final, tudo deu certo!
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
DL: 50% de inspiração e 50% de transpiração. Amo escrever, e a inspiração tem um papel fundamental no meu processo. O texto precisa estar do meu agrado, e sou bastante detalhista nesse aspecto. Valorizo muito a consistência teórica e uma escrita envolvente, e, para isso, são essenciais tanto a leitura quanto a inspiração.
Por outro lado, a transpiração foi determinante para conciliar trabalho e estudo, além de viabilizar meu próprio objeto de pesquisa. A construção do Projeto de Revitalização da Biblioteca exigiu muito esforço. Houve dias em que cheguei à escola às 8h da manhã e só saí às 21h, organizando a biblioteca.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
DL: Conversar com quem vivencia o mesmo momento é fundamental. Eu tive um apoio imenso de uma grande amiga, Pamela Assis, minha colega no mestrado e hoje doutoranda. Foi importante demais dividir este momento com as pessoas que amo e sentir o incentivo delas, a torcida.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
DL: Eu moro sozinha com meus pets, então nesse sentido foi tranquilo, embora muitas vezes eles reclamassem do tempo dedicado à escrita, porque me queriam só pra eles.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
DL: Quando você de fato vê sentido, se empolga, acredita e se apaixona por seu objeto de estudo, tudo flui!
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
DL: Gostaria de ter sido mais prolífica. Durante o mestrado publiquei um artigo e apresentei um trabalho no CBBD. A agenda apertada a que já fiz menção dificultou esta parte, mas espero publicar mais daqui em diante, e já tenho sim planos de publicar artigos e trabalhos decorrentes da minha pesquisa.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
DL: Na reta final do meu mestrado, fiz a seleção para o doutorado e, felizmente, fui aprovada. Agora, aguardo o início dessa nova etapa.
Profissionalmente, continuo atuando como docente no Colégio Mascarenhas, onde pretendo dar continuidade aos projetos aqui relatados, que me proporcionam alegria, realização e entusiasmo.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
DL: Sim, já fui aprovada para o doutorado em Ciência da Informação no PPGCI/UFBA.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
DL: Não me angustiaria tanto com as inseguranças que tive no início. Não me deixaria imobilizar pela necessidade de fazer tudo com perfeição. A gente precisa começar, precisa se movimentar, para que a vida aconteça, e com uma pesquisa não é diferente. A caminhada se faz caminhando.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
DL: O Programa me proporcionou a oportunidade de ser acompanhada por professoras maravilhosas, como Henriette Ferreira Gomes, Raquel do Rosário Santos e Ana Cláudia Medeiros. As duas últimas, inclusive, estabeleceram com a minha escola uma parceria fundamental por meio do projeto de extensão Lapidar. Além disso, pude contar com o incentivo e o exemplo dessas docentes.
Para o Programa, contribuí com um trabalho desenvolvido com rigor e entusiasmo, uma produção que espero alcançar um público mais amplo e reverberar em outros contextos, especialmente no que tange à biblioteca escolar.
DC: Você por você:
DL: Sou muito curiosa sobre diversos temas e, se pudesse, viveria fazendo cursos e estudando. Encontrei-me na Biblioteconomia e na Ciência da Informação porque elas me permitem incentivar, no outro, essa curiosidade e esse interesse pelo mundo que trago comigo. Sou apaixonada pela pesquisa científica e pela educação; não me vejo fazendo outra coisa no mundo senão trabalhar o com o ato de educar, com a leitura e com a escrita, tendo sempre como horizonte a emancipação social. Meu objetivo é apoiar os sujeitos – especialmente os jovens com quem convivo na escola e por quem tenho tanto carinho – para que assumam o protagonismo social. Creio que este é o único caminho para uma sociedade melhor, e eu me coloco à disposição desse projeto. Afinal, como diz Paulo Freire: “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Entrevistado: Deise Luz do Espírito Santo
Entrevista concedida em: 27 janeiro de 2025 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Ana Júlia Souza
Fotografia: Deise Luz do Espírito Santo
Diagramação: Ana Júlia Souza e Pedro Ivo Silveira Andretta