Entrevista com Orledys López Caldera sobre sua pesquisa que abordou a mediação da informação na defesa dos direitos humanos
Entrevista com Orledys López Caldera sobre sua pesquisa que abordou a mediação da informação na defesa dos direitos humanos
Orledys María de Jesús López Caldera
orledys.lopez@gmail.com
Sobre a entrevistada
A bibliotecária Orledys María de Jesús López Caldera, natural de Caracas, na Venezuela, defendeu em 2021 sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFBA, sob orientação da Profa. Dra. Henriette Ferreira Gomes.
Atualmente, aos 38 anos, é doutoranda em Ciência da Informação pela UNESP, campus Marília. Orledys ingressou na Pós-Graduação Stricto Sensu em 2019, na UFBA, e continua sua trajetória acadêmica na UNESP desde de 2022. Orledys encontra equilíbrio entre suas atividades acadêmicas e seus diversos hobbies, que incluem viajar, apreciar boa comida, dançar, ouvir música e desfrutar de filmes e seriados.
Sua dissertação, intitulada “Mediação da informação na defesa dos direitos humanos e no desenvolvimento do protagonismo social: um estudo do caso do Observatorio Venezolano de Conflictividad Social (OVCS)“, teve como objetivo verificar e analisar como a mediação da informação vem sendo realizada pelo OVCS. Como resultado, observou-se o nível de alinhamento das ações mediadoras com o desenvolvimento de uma cultura pelos direitos humanos e do desenvolvimento do protagonismo social. Também se identificou a percepção do conceito de mediação da informação dos agentes mediadores do OVCS e a sua aproximação com as teorias vigentes na Ciência da Informação.
Nesta entrevista, Orledys nos relata sua experiência com o programa de mestrado brasileiro e como se deu o desenvolvimento de sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Orledys López Caldera: Sempre amei e amo estudar. A vida toda tive o sonho de ganhar uma bolsa de estudo fora da Venezuela, além disso desde criança eu tinha uma paixão doida pelo Brasil, inicialmente era pelo futebol, Xuxa (risos), o carnaval e o samba. Só que no momento que ingressei na Escola de Bibliotecología na Universidad Central de Venezuela, soube que na nossa área Brasil ocupava uma posição destacada na área por conta da sua trajetória e produção acadêmica. Então em plena crise da Venezuela pela crise humanitária complexa retomei esse sonho de ganhar uma bolsa de estudo, e chegou para mim o Edital da OEA, foi uma imensa alegria ser aceita no curso de mestrado da UFBA. Eu cheguei com outro projeto de dissertação, voltado ao estudo do Capital Social nas Bibliotecas Universitárias, só que eu fiquei muito inspirada com as aulas de Fundamentos Epistemológicos da Ciência da Informação, disciplina ministrada pela minha Professora Orientadora Henriette Gomes Ferreira. Era uma grande emoção ler seus textos, ouvir ela falar do protagonismo social, da mediação da informação e suas dimensões, tudo isso fazia sentido com meu trabalho como profissional da informação que atua pela defesa dos direitos humanos. Falei sobre minhas inquietações com minha orientadora e como esse novo tema me inspirava, ela aceitou e comecei a estudar o vínculo da defesa dos direitos humanos com a mediação da informação e o protagonismo social.
DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?
OLC: Os cidadãos que protestam para expressar seus pensamentos, exigências e necesidades sociais, civis e políticas. Também O Observatorio Venezolano de Conflictividad Social (OVCS), as Organizações da Sociedade Civil (OSC) venezuelana e os profissionais da nossa área.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
OLC: Os resultados alcançados na pesquisa justificam a realização de pesquisas nas quais se investiguem as relações entre a mediação da informação e a construção de dispositivos e serviços de informação para o fortalecimento de uma cultura dos direitos humanos, que demanda o acesso a informações confiáveis e o exercício do protagonismo social. A necessidade de potencializar a discussão sobre as possibilidades que o conhecimento referente à mediação da informação tem a subsidiar na apropriação da informação, no exercício da cidadania e no desenvolvimento do protagonismo social. A pesquisa realizada possibilitou concluir que o OVCS vem realizando práticas associadas aos fundamentos da Ciência de Informação, em que os profissionais buscam uma mediação consciente da informação, partindo das suas ações de mediação implícita, por meio das quais coleta dados, sistematiza, analisa e documenta as informações obtidas na observação dos protestos, para, por meio da divulgação, favorecer o debate, a reflexão e a ressignificação do conhecimento e do reconhecimento sobre o conflito social na Venezuela, na procura de uma vida digna para todos.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
OLC: Está inserido na Linha de pesquisa: Produção, circulação e mediação da informação. A mediação da informação e o protagonismo social são tópicos de estudos em expansão no campo da Ciência da Informação que podem ser abordados por suas dimensões interdisciplinares, explorando suas possíveis contribuições na área dos direitos humanos, diante da necessidade social de dar visibilidade a informações e testemunhas das diversas manifestações sociais, além da gestão e disseminação das memórias da repressão e da resistência a sistemas de poder e/ou governos hostis em contextos de conflito social que podem precisar de processos de justiça de transição.
Nesse sentido, destaca-se a necessidade de ampliar os estudos e as investigações no âmbito da Ciência da Informação, com o objetivo de demonstrar a responsabilidade social do campo. O resultado desses estudos e pesquisas podem orientar a atuação dos ambientes e mediadores de informação, no sentido de auxiliar o desenvolvimento dos sujeitos e das sociedades em perspectivas democráticas.
DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
OLC: ALMEIDA JÚNIOR. Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: um conceito atualizado. In: BORTOLIN, Sueli; SANTOS NETO, João Arlindo dos; SILVA, Rovilson José da (org.). Mediação oral da informação e da leitura. Londrina: Abecin, 2015a. p. 9-32.
FROTA, M. G. da C. Memória e produção social da informação em direitos humanos: uma perspectiva latino-americana. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.24, n. especial, p.162-175, jan/mar. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pci/v24nspe/1413-9936-pci-24-spe-162.pdf.
FROTA, M. G. da C. Memórias da repressão e da resistência: um olhar comparado entre Brasil e Argentina. Revista Informação na Sociedade Contemporânea, Natal, v. 1, n. 2, p. 1-18, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-5344/3900.
GOMES, H. F. Mediação da informação e suas dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política: um fundamento da Ciência da Informação em favor do protagonismo social. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 30, n. 4, p. 01-23, out./dez. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/57047/32516.
GOMES, Henriette Ferreira. Protagonismo social e mediação da informação. Logeion: filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 10-21, 2019. Disponível em: http://revista.ibict.br/fiinf/article/view/4644/4046
GOMES, Henriette Ferreira. Mediação consciente da informação: categoria fundante ao protagonismo profissional e social. In: SILVA, Franciéle Carneiro Garcês da; ROMEIRO, Nathália Lima Romeiro. O protagonismo da mulher na Arquivologia, Biblioteconomia, Museologia e Ciência da Informação. Florianópolis: Rocha; Nyota, 2019b, v. 1, p. 187-206. Disponível em: https://www.nyota.com.br/.
GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da informação e protagonismo social: relações com vida ativa e ação comunicativa à luz de Hannah Arendt e Jürgen Habermas. In: GOMES, Henriette Ferreira; NOVO, Hildenise Ferreira (Org.). Informação e protagonismo social. Salvador: EDUFBA, 2017. p. 27-44.
GOMES, Henriette Ferreira. Comunicação, e informações: relações dúbias, complexas e intrínsecas. In: MORIGI, Valdi; JACKS, Nilda; GOLIN, Cida (Org.). Epistemologias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016, p. 91-107.
GOMES, Henriette Ferreira. A dimensão dialógica, estética, formativa e ética da mediação da informação. Informação & Informação, Londrina, v. 19, n. 2, p. 46-59, maio./ago. 2014. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/19994 .
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
OLC: Inicialmente fazer consciência da importância de dar visibilidade ao papel do professional da informação na defesa dos direitos humanos e o impacto da mediação da informação e desenvolvimento do protagonismo social como processo fundamentais para o alcance da dignidade humana.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
OLC: Inicialmente eu tinha muito medo de não conseguir escrever do jeito certo na língua portuguesa. Foi um grande desafio fazer frente a pandemia desde Brasil, longe da minha família, principalmente porque minha avó adoeceu e veio ao óbito bem no início do confinamento, as fronteiras estavam fechadas e tudo era incertezas. Logo foi um grande desafio ficar sem bolsa nem emprego, mas no final deu tudo certo.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
OLC: 100% Inspiração para dar visibilidade e voz aos venezuelanos que todos os dias tomam as ruas da Venezuela para pacificamente protestar pela garantia de seus direitos humanos. Assim como aqueles que por exercer seu direito a manifestar pacificamente por uma vida digna foram mortos, detidos e torturados. Neste cenário o trabalho dos professionais da ciência da informação, da equipe do Observatorio Venezolano de Conflictividad Social (OVCS), e outras OSC em conjunto com pessoas defensoras dos direitos humanos têm aplicado a mediação da informação para defender direitos humanos e de certa forma apoiar o desenvolvimento do protagonismo social. Sem dúvida, as leituras, debates, falas e ensinamentos da minha orientadora, professores, colegas de aula e grupo de pesquisa tem sido um diferencial potenciador para minha inspiração.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
OLC: Gratidão, posso afirmar que morar e fazer pós-graduação no Brasil tem mudado minha vida, minha percepção da própria identidade, leitura do mundo e papel para transformar realidades sociais. Sou grata por todos e tudo o que esteve presente na minha caminhada.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
OLC: Felizmente existem as redes socias, WhatsApp, Facebook e Instagram permitiram manter comunicação. Minha família compreendeu minhas ausências físicas e emocionais, e sempre estavam torcendo por meu sucesso, sendo também uma conquista familiar.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
OLC: A necessidade de durante a formação e produção acadêmica do profissional da informação, se aprofundar nos princípios dos direitos humanos universais, visto que estão vinculados ao exercício ético da profissão.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
OLC: Honestamente foi baixa, por conta de meu desconhecimento na dinâmica de produção e participação acadêmica, e definitivamente a pandemia ao tempo que me facilitou participar de muitos cursos e palestras, também foi um fator determinante para trocas de experiências e recomendações com colegas. Agora no Doutorado estou aproveitando o tempo, os conhecimentos e as parcerias com meus pares.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
OLC: Estou muito feliz, agora fazendo Doutorado no PPGCI – UNESP, baixo a orientação do Professor Oswaldo de Francisco Almeida Júnior, aprofundando a investigação nos temas de interesse, e participando também no Grupos de Pesquisas Informação, mediação, cultura, leitura e sociedade (UNESP) e Grupo de Estudo e Pesquisa em Mediação e Comunicação da Informação (GEPEMCI – UFBA). Futuramente pretendo atuar na área aqui no Brasil, como professora, assim como desde outros espaços abertos ao exercício de nossa profissão.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
OLC: Não faria nada diferente, sou grata pela minha caminhada até aqui, e confio na continuação do meu propósito e sonhos.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
OLC: Defendo com alegria e gratidão a transformação e potência da educação na vida das pessoas. Minha vida e o alcance dos meus objetivos deram certo pela educação, sou grata pela oportunidade e acolhimento que recebi do Programa.
Entrevistada: Orledys María de Jesús López Caldera
Entrevista concedida em: 31 ago. 2023 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Orledys María de Jesús López Caldera
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro