Refletindo a formação de bibliotecárias e bibliotecários sob foco da efetividade da mediação da informação, por Mirleno Livio Monteiro de Jesus e Henriette Ferreira Gomes
Refletindo a formação de bibliotecárias e bibliotecários sob foco da efetividade da mediação da informação
Mirleno Livio Monteiro de Jesus e Henriette Ferreira Gomes
livio33@gmail.com | henriettefgomes@gmail.com
Este texto é inspirado pela pesquisa de doutorado que vem sendo realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (PPGCI/UFBA), sob a orientação da Profa. Dra. Henriette Ferreira Gomes. Nela, vimos refletindo acerca da mediação da informação como dispositivo de construção curricular e, portanto, da formação de bibliotecárias e bibliotecários no âmbito do Curso de Biblioteconomia da Universidade Estadual do Piauí (Uespi).
Entendemos que a efetividade de um percurso formativo exige um conjunto articulado de conhecimentos que, postos em estado de compartilhamento, a partir de mediações pedagógicas conscientes quanto aos elos articuladores dos conteúdos, e sob o norte dos fundamentos da especialidade profissional, seja capaz de provocar/gerar um encontro com a informação, que seja transformador dos sujeitos em aprendência e formador de bibliotecárias e bibliotecários conscientes da sua missão mediadora na sociedade.
Esse entendimento pauta-se no conceito de informação formulado e defendido por Gomes (2016, 2017), que assinala a informação como conhecimento em estado de compartilhamento. É no processo do compartilhar que nos encontramos, trocamos experiências, partilhamos e acessamos histórias de vida. No compartilhamento somos conduzidos a experimentar a prática da expressão e também da escuta sensível. Quando na tentativa de compartilhamento as experiências de expressão e de escuta sensível falham ou são movidas na ausência de consciência, este perde potência.
O conhecimento é gerado e o seu compartilhamento efetivado pela informação são possíveis na interação social. O conhecer e o informar ocorrem quando interagimos com o outro num potente movimento do estar ao lado, do conduzir e do sermos conduzidos rumo a um processo permanente de formação. É na potência dos compartilhamentos que nos transformamos e aprendemos sobre o poder do transformar. Nisso reside o centro do processo formativo.
O estado de compartilhamento é o núcleo energético do processo formativo. É ele que impulsiona as nossas aprendências e nos coloca em posição de abertura a sucessivos encontros com a informação. Não ao acaso, no campo da Biblioteconomia e da Ciência da Informação, compreendemos que falar/tratar da informação é falar/tratar de um fenômeno que, apesar de sua polissemia, revela profundas marcas da sua concepção social.
É a informação que nos projeta no mundo das sociabilidades. Afinal, como assinala Freire (2021), é a informação que nos impulsiona à “palavramundo”. E, em consonância com Freire, entendemos e defendemos que é no encontro com a “palavramundo”, via compartilhamento, que nos lançamos, ininterruptamente, a um percurso formativo.
Isso nos faz lembrar da obra Alice no País das Maravilhas (Carroll, 2020) onde a protagonista, ao encontrar com o gato, pergunta-lhe qual dos caminhos sinalizados no meio da floresta ela poderia seguir. O felino, investido de uma atitude mediadora, inicia um processo de interlocução com aquela aprendente e, de forma dialógica e, por isso, dialética, a coloca em contato com um mundo de possibilidades, fazendo-a mobilizar uma diversidade de saberes, sentires, pensares, dizeres e quereres, com o intuito de provocar-lhe o encontro com aquele que seria o seu percurso formativo. Nesse sentido, vale salientar que o autor da obra em tela sinaliza para a potência do compartilhamento como força nuclear geradora de dispositivos de formação protagonista.
Essas reflexões sinalizam para a importância de compreendermos que essa força motriz do compartilhamento motiva, impulsiona e evidencia a relevância dos atos mediadores. Portanto, o enredo da obra em destaque ilustra aspectos ressaltados pelas abordagens teóricas acerca da mediação da informação que a situam como eixo a partir do qual encontramos/construímos/articulamos diversos dispositivos que contribuem para o compartilhamento e o processo de apropriação.
Almeida Júnior (2015) defende que a mediação da informação é processo de interferência que visa a apropriação da informação. É um movimento de entreolhares presente no ato de compartilhamento. É uma via de múltiplas possibilidades organizada/coordenada/articulada por um agente ético-político, que o autor nomeia de profissional da informação. No sentido daquilo que vimos pensando até o momento, trata-se, portanto, daquelas mulheres e daqueles homens que passam, permanentemente, pela experiência do encontro formativo e que, no decorrer dos seus percursos de formação, vão tecendo a dinâmica do agir mediador. Os conhecimentos e saberes mobilizados na formação vão dando o tom e a intensidade da interferência necessária para a práxis mediadora.
O jogo de entreolhares presente no processo de interferência, revelador da mediação da informação, é dinamizado pela presença das/dos interagentes (Corrêa, 2014) e suas histórias de vida, suas experiências formativas e suas vivências cotidianas. A interação é vital para a efervescência das aprendências mobilizadas no ato formacional/formador. É nela, com ela e por meio dela que a formação ganha seu real significado por ser geradora de possibilidades, de pontos de encruzilhada onde se percebe a imprescindibilidade do alcance articulado e articulador das dimensões da mediação da informação defendidas por Gomes (2020), a saber: as dimensões dialógica, estética, formativa, ética e política. Há potência nesse lugar. Há correntes de forças que operam nessa ambiência de encontros – a encruzilhada. Estar nesse lugar é colocar-se na frente do espelho do protagonismo. É ver-se como um sujeito em busca da sua permanente constituição como um protagonista que articula, com consciência e propriedade, as condições para o alcance das cinco dimensões da mediação da informação no planejamento, execução e avaliação dos atos mediadores. Para isto colabora, ou devem colaborar, as interferências diretas dos espaços formativos que atuam na constituição dos futuros mediadores da informação.
Os espaços de formação, sejam eles ambientes formais ou informais, diretamente educacionais ou de convivência e interação, representam encruzilhadas que permitem o encontro com o diverso, o diferente, o novo e o antigo, o que é e o que ainda pode vir a ser. Eis a força motriz da informação como fenômeno do encontro produzido pela dialética da vida. Há potência nesse encontro porque há o trânsito marcante de interagentes e suas forças articuladoras do diálogo, da conversação, da negociação. Como sinaliza Perrotti (2017), é o lugar da apropriação cultural, da construção/negociação de sentidos e significados.
Assim, consideramos que o processo formativo é envolvido pela dinâmica da apropriação cultural/apropriação da informação. Ela é a própria razão de sua existência. Formar/formar-se é força imperativa produzida pela ação reflexão localizada de interagentes localizados em pontos de encruzilhada que permitem, necessariamente, a potencialização dos compartilhamentos e do processo de apropriação.
Referências
ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Mediação da informação: dimensões. INFOhome, São Paulo, nov. 2015. Disponível em: https://www.ofaj.com.br/colunas_conteudo.php?cod=939 . Acesso em: 23 ago. 2023.
CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. Barueri, SP: Faro Editorial, 2020.
CORRÊA, Elisa, Cristina Delfini. Usuário, não! Interagente: proposta de um novo termo para um novo tempo. Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação, v. 19, n. 41, p. 23-40, 2014. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2014v19n41p23 . Acesso em: 20 set. 2023.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2021.
GOMES, Henriette Ferreira. Comunicação e informação: relações dúbias, complexas e intrínsecas. In: MORIGI, Valdir; JACKS, Nilda; GOLIN, Cida (Org.). Epistemologias, comunicação e informação. Porto Alegre: Sulina, 2016. cap.5, p. 91-107.
GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da informação e protagonismo social: relações com vida ativa e ação comunicativa à luz de Hannah Arendt e Jürgen Habermas. In: GOMES, Henriette Ferreira; NOVO, Hildenise Ferreira. Informação e protagonismo social. Salvador: EDUFBA, 2017. cap. 2, p. 27-44.
GOMES, Henriette Ferreira. Mediação da Informação e suas Dimensões Dialógica, Estética, Formativa, Ética e Política: um fundamento da Ciência da Informação em favor do protagonismo social. Informação & Sociedade, João Pessoa, v. 30, p. 1-23, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/57047 . Acesso em: 23 ago. 2023.
PERROTTI, Edmir. Infoeducação: um passo além científico-profissional. Informação@Profissões, Londrina, v.5, n.2, p.5-31, 2017. https://doi.org/10.5433/2317-4390.2016v5n2p05 . Acesso em: 20 set. 2023.
Sobre os autores
Mirleno Livio Monteiro de Jesus
Professor do Curso de Biblioteconomia da Universidade Estadual do Piauí, onde lidera o Grupo de Estudos e Pesquisas em Biblioteconomia e Ciência da Informação.
Mestre em Educação pela da Universidade Federal do Ceará. Bacharel em Pedagogia pela Unopar Anhanguera e em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Maranhão. Atualmente desenvolve o doutorado em Ciência da Informação em Ciência da Informação na Universidade Federal da Bahia.
Professora Titular do Instituto de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Mediação e Comunicação da Informação (GEPEMCI). Membro Titular da Academia de Ciências da Bahia na Área das Ciências Sociais e Sociais Aplicadas. Coordenadora Adjunta do Grupo de Trabalho 3 da ANCIB (GT3 – Mediação, circulação e apropriação da informação) no Biênio 2021-2023.
Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Bacharela em Biblioteconomia e Documentação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Redação e Foto: Maria Aparecida Moura
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro