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v. 2, n. 12, dez. 2024
Entrevista com Tânia Regina de Brito sobre sua pesquisa que investigou competência em informação de pessoas em situação de rua e o uso de bibliotecas públicas

Entrevista com Tânia Regina de Brito sobre sua pesquisa que investigou competência em informação de pessoas em situação de rua e o uso de bibliotecas públicas

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Entrevista com Tânia Regina de Brito sobre sua pesquisa que investigou competência em informação de pessoas em situação de rua e o uso das bibliotecas públicas

Tânia Regina de Brito

tania.brito@ufms.br

Sobre a entrevistada

Em 2023, Tânia Regina de Brito concluiu seu doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, sob orientação da Profa. Dra. Regina Célia Baptista Belluzzo.

Tânia é natural de Ladário, Mato Grosso do Sul, e tem como hobbies praticar corrida de rua, assistir filmes e ler. Atualmente, é bibliotecária documentalista da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Sua tese, intitulada “Competência em informação e pessoas em situação de rua: um estudo de caso em bibliotecas públicas de Campo Grande (MS)”, investigou o acesso e o uso da informação pela população em situação de rua em Campo Grande (MS), focando em frequentadores de duas bibliotecas públicas próximas a um centro de acolhimento para indivíduos em situação de vulnerabilidade social. Um dos resultados de sua pesquisa foi a elaboração de diretrizes para um projeto de Competência em Informação, com o intuito de apoiar as bibliotecas públicas no combate à pobreza informacional e na promoção da inclusão social.

Tânia nos conta, nesta entrevista, como desenvolveu sua pesquisa e a experiência no doutorado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Tânia Regina de Brito (TB): No doutorado, enxerguei uma oportunidade de contribuir com a sociedade, especialmente com pessoas em situação de rua, um grupo frequentemente invisibilizado e que carece de acesso à informação, educação e dignidade. Minha trajetória educacional ocorreu quase inteiramente em escolas públicas, e reconheço a transformação que a educação proporcionou à minha vida, o que fortaleceu meu desejo de retribuir à sociedade. No mestrado em Ciência da Informação, estudei a vulnerabilidade social, com ênfase em um projeto que levou energia elétrica a regiões remotas, o que me despertou para a importância da competência em informação na redução das desigualdades. No doutorado, concentrei meus estudos na vulnerabilidade social das pessoas em situação de rua, observando essa realidade em Campo Grande (MS). A partir desse contexto, direcionei minha pesquisa para entender suas necessidades informacionais e sociais, com o objetivo de mitigar suas vulnerabilidades, utilizando os conhecimentos da Ciência da Informação, em especial da CoInfo.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

TB: A tese é um processo de construção contínua, que começa com uma ideia e se desenvolve ao longo do tempo. Sempre busquei me organizar de maneira estruturada, seguindo uma metodologia, lendo extensivamente e confrontando ideias, com o apoio fundamental da professora Regina Belluzzo. Ao longo de quatro anos, refinei e desenvolvi minha pesquisa nos rigorosos moldes da ciência.

Sempre acreditei no potencial da minha tese e trabalhei para torná-la realidade. Dois momentos marcantes foram a qualificação, que trouxe a sensação de proximidade do fim, e a defesa, quando tive a certeza de que finalmente havia concluído o percurso.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

TB: Meu interesse pela competência em informação no contexto da vulnerabilidade social começou no mestrado, sob a orientação da professora Elizete Vieira Vitorino, referência na Ciência da Informação, que se dedica ao estudo da CoInfo e dos grupos vulneráveis. A convivência com ela foi fundamental para direcionar minha pesquisa. No doutorado, fui orientada pela professora Regina Belluzzo, pioneira na área, cuja vasta experiência acadêmica e profissional foi crucial para o desenvolvimento da minha tese. O legado e a expertise dessas duas pesquisadoras foram essenciais para a construção do meu trabalho.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

TB: A pesquisa propôs diretrizes inovadoras para o desenvolvimento de um projeto de Competência em Informação, baseado no modelo de Aprendizagem e Serviço (ApS), voltado para bibliotecas públicas. Esse modelo integra aprendizado com ação comunitária, permitindo que, enquanto se aprende, também se contribua para a comunidade. A pesquisa também conecta a competência em informação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, focando em 10 dos 17 objetivos, o que oferece uma análise mais abrangente da temática, especialmente no contexto da vulnerabilidade social. Além disso, a pesquisa abordou temas como racismo, mudanças climáticas e os impactos de desastres naturais (como enchentes) que afetam diretamente as pessoas em situação de rua. Essa abordagem holística destacou a complexidade dos desafios e das violações de direitos enfrentados por essa população, considerando os diversos fatores que contribuem para sua marginalização e exclusão social.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

TB: Espero que esta tese contribua não apenas para a formação de profissionais que lidam com populações vulneráveis, mas também para o desenvolvimento de soluções práticas para problemas sociais. O objetivo é promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável, fortalecendo a competência em informação entre pessoas em situação de rua. Além disso, desejo que os resultados da pesquisa possam subsidiar a formulação de políticas públicas, oferecendo diretrizes que melhorem as condições de vida e o acesso à informação desse grupo.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

TB: A pesquisa contribui diretamente para o avanço de vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como erradicação da pobreza, saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, redução das desigualdades e ação contra as mudanças climáticas, entre outros. Ao dar voz aos indivíduos invisibilizados e aos profissionais que trabalham com esse grupo, a pesquisa possibilitou uma análise comparativa entre as evidências da literatura e a realidade observada, o que permitiu refletir sobre as reais necessidades informacionais dessas pessoas. Essa abordagem destaca a importância da dimensão informacional, que se conecta com outras necessidades enfrentadas pela população em situação de rua que frequenta as bibliotecas públicas.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

TB: A metodologia de pesquisa foi definida a partir de uma série de passos estratégicos. Primeiro, foi definido o grupo-alvo e as bibliotecas públicas a serem estudadas, além de incluir o Centro de Acolhimento (Centro Pop), devido à sua localização entre as bibliotecas e à frequência de pessoas em situação de rua que utilizam esses espaços. A pesquisa foi caracterizada como um estudo de caso, com o objetivo de investigar as necessidades informacionais dessas pessoas e como elas se relacionam com o acesso e uso da informação. O estudo de caso foi escolhido por ser adequado para explorar questões do tipo “como” e “por que”, focando em uma comunidade vulnerável. A metodologia também incluiu a triangulação dos dados obtidos por questionários, entrevistas e revisão da literatura especializada. Para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo de Lawrence Bardin. A partir dessa triangulação, foi possível elaborar e validar diretrizes para um projeto de Competência em Informação (CoInfo), baseado nos princípios de Aprendizagem e Serviço (ApS).

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese? 

TB: Olhando para trás, diria que 10% foi inspiração e 90% foi transpiração. Embora uma boa ideia possa surgir a qualquer momento, transformar isso em algo concreto e útil para a pesquisa exige disciplina, organização, foco, persistência e resiliência. A escrita acadêmica exige um processo rigoroso, com muitas horas de leitura para validar e aprimorar as ideias. Isso envolve trabalho árduo, noites mal dormidas e momentos solitários – ou seja, a inspiração sozinha não é suficiente para criar uma tese.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

TB: Sou muito grata por ter sido orientada pela professora Regina Belluzzo, uma profissional extremamente competente e humana. Nossa relação de respeito mútuo foi essencial para o desenvolvimento da minha pesquisa, e ela me guiou com maestria em cada etapa do processo. Também agradeço à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, que, no último ano do doutorado, me ofereceu a oportunidade de participar da Ação de Desenvolvimento em Serviço. Essa experiência foi fundamental, pois me permitiu trabalhar meio período e, ao mesmo tempo, tive tempo para me dedicar e concentrar na minha tese.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

TB: Eu diria que, embora tenha precisado me ausentar em alguns momentos, foi o apoio da minha família que me sustentou entre março de 2019 e março de 2023. Estar com eles sempre que possível foi o que me deu a força necessária para seguir em frente.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

TB: A maior dificuldade foi no primeiro ano do doutorado, quando morando em Campo Grande (MS), viajava toda semana para Marília (UNESP). O desgaste físico e mental era grande, pois viajava à noite, sem conseguir dormir, e precisava trabalhar 10 horas por dia em quatro dias para completar as 40 horas semanais. Isso gerava um ritmo exaustivo: viajando à noite após um dia de trabalho e voltando para o trabalho logo ao chegar. A felicidade vinha quando havia disciplinas concentradas, pois assim, podia pedir afastamento e não precisava repor todas as horas.

O segundo ano também foi desafiador devido à pandemia de 2020, um período marcado por adversidades globais e pela condução política do governo à época. Foi uma fase difícil, repleta de incertezas, inseguranças e muita tristeza.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

TB: Acredito que as diretrizes que elaborei podem ser aplicadas em projetos de bibliotecas públicas, com o objetivo de promover o desenvolvimento da competência em informação entre públicos em situação de rua. Além disso, seria interessante realizar estudos comparativos sobre o perfil e as necessidades informacionais de pessoas em situação de rua em diferentes cidades e estados.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

TB: Após anos dedicados intensamente aos estudos, defendendo meu mestrado em 2019 e começando o doutorado logo em seguida, decidi finalmente tirar um “descanso” e um sabático acadêmico. Após esse período de pausa, estou começando a refletir sobre minha trajetória acadêmica e minhas possíveis metas futuras. Estava me sentindo esgotada, tanto mental quanto fisicamente, e responder a essas perguntas está sendo, de certa forma, o começo desse retorno. Mas, por enquanto, continuo atuando como bibliotecária na UFMS.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

TB: Acho que não me preocuparia tanto com a dúvida sobre conseguir ou não terminar o doutorado. Eu teria mais confiança no processo e na minha capacidade ao longo do caminho. 

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

TB: Minhas produções acadêmicas foram muito positivas, com a oportunidade de publicar com professores que admiro, como Regina Belluzzo, Oswaldo (OFAJ) e Marta Valentim. A dinâmica do programa valorizou essas publicações, tornando-as pré-requisitos para o avanço no doutorado, e acredito que fui além do mínimo exigido, especialmente em termos de quantidade. Participei ativamente de grupos de pesquisa e eventos, o que enriqueceu minha formação. Submeti artigos relacionados à minha tese, mas ainda não obtive retorno, embora compreenda que o processo de avaliação pode ser demorado e que é necessário estar preparado para possíveis negativas. Paralelamente, estou trabalhando na proposta de transformar minha tese em um livro, o que exige uma revisão e atualização de alguns dados. Também já pensei na possibilidade de um pós-doc. 

DC: Exerceu alguma monitoria / estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

TB: Não exerci.

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

TB: Infelizmente, devido ao meu trabalho, não tive a oportunidade de vivenciar essa experiência. Quem sabe no futuro, em um pós-doutorado, eu possa ter essa chance.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

TB: Leiam a tese por completo e aprimorem-na! Contudo, não se esqueçam de adotar uma visão holística ao se aproximarem de pessoas em situação de vulnerabilidade social, especialmente nas abordagens acadêmicas. Embora o foco da pesquisa tenha sido a condição de estar em situação de rua, não podemos ignorar que as vulnerabilidades enfrentadas por essas pessoas são múltiplas. Da mesma forma, a competência em informação também abrange várias dimensões, o que permite explorá-la sob diferentes perspectivas.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

TB: De respeito e confiança. 

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

TB: Fiz alguns contatos iniciais com políticos da minha cidade, mas foram apenas sondagens. Como mencionei anteriormente, precisei de um tempo para descansar devido ao esgotamento físico e mental causado pela sequência intensa entre mestrado e doutorado, especialmente por ter feito o doutorado sem afastamento. Foi um período bem puxado! No entanto, a partir do próximo ano, pretendo colocar algumas ideias em prática e espero que elas sejam bem recebidas e apoiadas.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

TB: Cursei o doutorado na UNESP, em Marília, uma instituição de excelência com um programa altamente organizado e diversas oportunidades de bolsas. Tive o privilégio de aprender com professores renomados, nacionais e internacionais, e sou muito orgulhosa de ser egressa de uma universidade que oferece ensino público e gratuito de alta qualidade. Durante minha trajetória no programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI), sempre procurei cumprir prazos e me dedicar ao máximo. Hoje, recomendo o PPGCI a todos que desejam fazer mestrado e doutorado na área, especialmente por sua nota 7 na CAPES. Sei que o programa acompanha e avalia seus egressos, o que contribui para a manutenção da excelência do curso, e isso me motiva a devolver à sociedade o conhecimento gerado na minha pesquisa.

DC: Você por você: 

TB: Sou bibliotecária-documentalista na UFMS e acredito que todos, dentro de suas capacidades, podem contribuir para a construção de um mundo mais justo, onde todos tenham acesso às mesmas oportunidades e possam viver com dignidade. Defendo que a busca por justiça social e a luta contra as desigualdades deveriam ser uma preocupação coletiva, especialmente entre aqueles que ocupam posições de poder. Em 2021, logo após ter sido severamente impactada pela COVID-19 no final de 2020, e diante da angústia causada pela condução da crise pandêmica por parte de figuras públicas no Brasil e no mundo, decidi começar a praticar corrida de rua. Desde então, tenho participado de provas sempre que possível, buscando superar meus próprios limites, conhecer novas pessoas e explorar diferentes cidades. Isso tem me ajudado a manter a mente saudável. Hoje, posso afirmar com confiança: se fui capaz de concluir o doutorado, sei que posso enfrentar outros desafios! Após maratonar nos estudos, emendando mestrado e doutorado, quem sabe no futuro eu não consiga correr uma maratona pelas ruas de alguma cidade? 😉 


Entrevistada: Tânia Regina de Brito

Entrevista concedida em: 09 de agosto de 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Larissa Alves

Fotografia: Tânia Regina de Brito

Diagramação: Larissa Alves

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