Entrevista com Jean Brito sobre sua pesquisa que investigou a Ecologia Informacional em Museus
Entrevista com Jean Brito sobre sua pesquisa que investigou a Ecologia Informacional em Museus
Jean Fernandes Brito
j.brito@unesp.br
Sobre o entrevistado
O recém-doutor Jean Brito defendeu, em 2023, sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista, sob orientação do Prof. Dr. Daniel Martínez-Avila e e coorientação da Profa Dra. Silvana Aparecida Borsetti Gregorio Vidotti.
Natural do interior de São Paulo, o pesquisador tem como hobbies pedalar e ouvir músicas. Jean tem interesse de pesquisa nas seguintes temáticas: Tecnologias de Informação e Comunicação aplicadas à Ciência da Informação, Abordagens sociais no âmbito da Ciência da Informação (gênero e sexualidade), Arquitetura da Informação, Usabilidade, Experiência do Usuário (UX), Ecologias Informacionais Complexas, entre outras.
Sua tese, intitulada “Ecologia Informacional em Museus: tessituras teóricas e proposta de modelo” teve como objetivo discutir o conceito de Ecologias Informacionais Complexas em museus, o que possibilitou a construção de um modelo procedimental que pode ser aplicado no Museu da Diversidade Sexual.
Convidamos Jean para nos relatar, nesta entrevista, como se deu sua experiência no doutorado e os desdobramentos de sua pesquisa.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Jean Brito (JB): Inicio falando do que é elementar. Sou jovem, nascido e criado no interior de São Paulo, mais precisamente na cidade de Salto Grande, filho de um ex-cortador e uma mãe empregada doméstica. Meus pais nunca tiveram condições de estudar. Ao concluir o ensino médio na Escola Estadual Pe. Mário Briatore, fui aprovado em Direito na Universidade Federal do Paraná pelo SISU e também em Biblioteconomia na Unesp, Campus de Marília. Devido à proximidade de Marília com Salto Grande, cerca de 100 km, optei por estudar em Marília, na Unesp. Durante a graduação, tive uma bolsa de iniciação científica financiada pelo CNPq, o que despertou meu interesse em seguir a carreira acadêmica. Fiz mestrado em Ciência da Informação na Universidade Federal de Santa Catarina e, por fim, o doutorado em Ciência da Informação na Unesp, a mesma universidade que me acolheu na iniciação científica. A escolha do tema da tese foi influenciada pelos estudos sobre Arquitetura da Informação realizados no início da iniciação científica, aliados aos interesses em estudos sobre gênero e sexualidade, que foram discutidos em profundidade durante o mestrado. A escolha do Museu da Diversidade Sexual como objeto de estudo foi uma forma de dar voz aos sujeitos LGBTQ, que veem o museu como um espaço de resistência. Toda a trajetória aqui apresentada inspirou-me na conclusão do doutorado com a certeza de que pude contribuir de forma otimizada e pluralizada para a Ciência da Informação.
DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?
JB: Após a qualificação do relatório de tese, pude perceber que a pesquisa ainda tinha potencial para avançar consideravelmente. Foi durante uma pesquisa exploratória nas bases de dados que tive a certeza de que a tese estava completa e alinhada com o problema e os objetivos da pesquisa.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
JB: Durante a etapa de definição do modelo apresentado na tese, intitulado Modelo de Ecologia Informacional Complexa em Museus (MEIC-M), busquei autores que fundamentassem o conceito de modelo e que se assemelhassem à minha proposta. Considerando a interdisciplinaridade da Ciência da Informação, recorri a um trabalho de um autor do Equador, da área da Administração que estrutura o modelo procedimental por meio de etapas, semelhante à proposta do MEIC-M. A pesquisa é do autor Torres-Toukoumidis et al. (2017), cujo título é: “Modelo procedimental de la evaluación de las políticas públicas a través de la ludificación“.
DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?
JB: A tese é inédita ao discutir o conceito de ecologias informacionais complexas em museus, que até então não havia sido explorado, propondo um modelo que abrange quatro etapas investigativas. Além disso, é inovadora pelo estudo realizado no Museu da Diversidade Sexual, que até o momento não havia sido explorado com profundidade no âmbito da Ciência da Informação”.
DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?
JB: A referida tese de doutorado possui um impacto social significativo, uma vez que aprimora a experiência dos sujeitos informacionais, promove a inclusão e o acesso, estimula a colaboração e o engajamento do público e impulsiona práticas inovadoras no contexto das ecologias informacionais complexas em museus, abrangendo aspectos de produção, organização e tecnologias de informação e comunicação. Além disso, ao abordar a diversidade cultural e as necessidades individuais dos sujeitos informacionais, a pesquisa busca garantir que os museus se tornem ambientes inclusivos e envolventes para todas as pessoas, fortalecendo, assim, a democratização do acesso à cultura e a promoção do compartilhamento de perspectivas diversas.
DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?
JB: Como mencionado anteriormente, a tese contribui de forma significativa para a sociedade e também para a estruturação das ecologias informacionais complexas, as quais podem ser aplicadas no contexto dos museus de pequeno e médio porte. Isso amplia as possibilidades de otimização do acesso aos sujeitos informacionais que utilizam os ambientes digitais, analógicos e as tecnologias.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
JB: Os passos para a pesquisa foram definidos da seguinte forma: elaboração da tessitura teórica, construção do modelo e posterior aplicação do modelo. Esta última etapa ocorreu por meio dos aportes teóricos e metodológicos da Etnografia.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?
JB: 30% transpiração e 70% inspiração.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?
JB: Fazer uma tese já é desafiador. O desabafo que faço aos leitores desta entrevista é: faça ciência, mas não negligencie a saúde mental. Progrida um pouco de cada vez. A ciência deve ser realizada com saúde e consciência sempre.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?
JB: Meus pais e meus irmãos são pessoas maravilhosas. Durante todo o percurso do doutorado, principalmente minha mãe esteve ao meu lado, me acalmando e proporcionando as condições necessárias para a finalização da tese.
DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?
JB: Sem dúvida, desenvolver a pesquisa de campo (etnografia) durante a pandemia do COVID-19 foi desafiador. A coleta foi realizada precisamente no ano de 2021. Durante todas as conversas informais e entrevistas com os sujeitos da pesquisa, estive utilizando máscara, o que tornou a coleta de dados nessas situações ainda mais desafiadora.
DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?
JB: Arquitetura da Informação Pervasiva no Contexto de Museus Históricos, Ecologias Informacionais Complexas em Museus LGBTQ e Aplicação da Etnografia em Museus Periféricos.
DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?
JB: Após a conclusão do doutorado, pretendo seguir carreira acadêmica por meio de concursos ou não, em universidades, instituições de ensino e centros de pesquisa.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
JB: Seguiria o mesmo caminho percorrido. Foi um processo de aprendizado valioso.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
JB: Durante o doutoramento, estabeleci diversas parcerias com colegas e publiquei vários artigos e capítulos de livros, além de ter participado ativamente do Grupo de Pesquisa Novas Tecnologias em Informação (GPNTI). Quantitativamente, foram publicados 13 artigos durante o doutorado. Destaco os principais:
BRITO, J. F.; SILVA, R. C.; MARTINEZ-AVILA, D. Narrativas de homens trans: uma análise discursiva no Facebook. Encontros Bibli (UFSC), v. 28, p. 2-26, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2023.e84517 . Acesso em: 07 maio 2024.
TORINO, E.; BRITO, J. F.; RODAS, C. M.; VIDOTTI, S. A. B. G.A relação entre arquitetura da informação e experiência do usuário sob a ótica dos pesquisadores da ciência da informação brasileira. Biblos (Rio Grande), v. 36, p. 219-237, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.14295/biblos.v36i1.13769 . Acesso em 07 maio de 2024.
BRITO, J. F.; SILVA, R. C.; SANTOS, B. R. P.; MELLO, M. R. G.; MARTINEZ-AVILA, D. Arquitetura da informação no contexto da informação em saúde: um olhar para o website do COVID-19 no Brasil. Atoz: novas práticas em informação e conhecimento, v. 9, p. 183-194, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v9i2.75091 . Acesso em: 07 maio de 2024.
BISSET, E.; BRITO, J. F.; VIDOTTI, S. A. B. G. Arquitetura da Informação enquanto disciplina científica: um debate ainda em aberto. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação (Online), v. 16, p. 1-24, 2020. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1409 . Acesso em 07 maio 2024.
BRITO, J. F.; MARTINEZ-AVILA, D.; VECHIATO, Fernando Luiz; VIDOTTI, Silvana Aparecida Borsetti Gregorio. O Museu da Diversidade Sexual como ecologia informacional complexa: um estudo sob a ótica da encontrabilidade da informação e arquitetura da informação pervasiva. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, v. 13, p. 853-871, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.26512/rici.v13.n3.2020.27647 . Acesso em: 07 maio 2024.
O último artigo, em parceria com os professores Vechiato, Martinez-Ávila e Vidotti, publicado na RICI em 2020, já apresentava resultados parciais da tese de doutorado. Os resultados da pesquisa e o referido modelo estão em avaliação em periódicos qualificados e também foram apresentados no ENANCIB 2023, com o título: “A ecologia informacional complexa do Museu da Diversidade Sexual”.
DC: Exerceu alguma monitoria/ estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?
JB: Durante o doutorado, atuei como professor bolsista na Unesp, lecionando as disciplinas de Metodologia Científica e Métodos Qualitativos Aplicados à Ciência da Informação no Departamento de Ciência da Informação, nos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia. Além disso, durante o período de dois anos (2020-2022), fui facilitador de aprendizagem na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP), ministrando aulas e fazendo acompanhamento de estágio nos cursos de Pedagogia e Engenharia de Produção.
DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?
JB A contribuição foi significativa com a bibliografia básica e complementar disponível nas disciplinas ministradas na Unesp, o que me permitiu conhecer novos métodos que até então eram desconhecidos por mim enquanto aluno/doutorando.
DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
JB: Indico principalmente aos doutorandos que considerem as contribuições metodológicas da Etnografia como ponto de partida. Penso que a etnografia é um método de pesquisa pouco explorado e utilizado na Ciência da Informação, e que deveria ser melhor aproveitado em tais pesquisas. Conhecer o campo é fundamental, especialmente em nossa área, cujo objeto principal é a informação.
DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?
JB: A relação entre orientador e orientando deve ser respeitosa e totalmente profissional. Cabe ao orientando estar atento aos prazos, às normas dos PPG e, sempre que possível, alinhar reuniões com o orientador. Deixo aqui uma ressalva e um agradecimento especial ao meu orientador de doutorado, Prof. Daniel Martínez-Ávila, um ser humano incrível e um excelente pesquisador, e também à minha coorientadora, Profa. Dra. Silvana Vidotti, que me acompanha desde a graduação.
DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?
JB: A tese resultou na criação de um modelo procedimental de ecologia informacional complexa em museus. A intenção é que esse modelo seja aplicado em outros contextos museológicos.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?
JB: Sou muito grato ao Programa de Pós-Graduação da Unesp. O PPGCI me concedeu verbas para apresentações de trabalhos durante o processo doutoral e também durante a coleta de dados na cidade de São Paulo. Durante a minha formação, tive a oportunidade de organizar eventos coordenados pelo PPGCI.
DC: Você por você:
JB: Sou Jean Brito, doutor, pesquisador e professor. Filho de Elias Brito e Florisnal de Fátima, sou paulista, amante das políticas públicas e defensor dos direitos humanos. Acredito na educação e no poder transformador da universidade pública para mudar a vida das pessoas. Muito me identifico com a mensagem de esperança expressa na música “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento e Wagner Tiso Veiga:
“Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Para que a vida nos dê
Flor, flor e fruto”
Entrevistada: Jean Brito
Entrevista concedida em: 25 fev. 2024 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Jean Brito
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro