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v. 2, n. 4, abr. 2024
Entrevista com Maria Aparecida Arruda sobre sua pesquisa que estabeleceu diretrizes para gestão e mediação cultural de saberes dos povos indígenas Sul-Mato-Grossense

Entrevista com Maria Aparecida Arruda sobre sua pesquisa que estabeleceu diretrizes para gestão e mediação cultural de saberes dos povos indígenas Sul-Mato-Grossense

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Entrevista com Maria Aparecida Arruda sobre sua pesquisa que estabeleceu diretrizes para gestão e mediação cultural de saberes dos povos indígenas Sul-Mato-Grossense

Maria Aparecida Jacques de Arruda

maria.arruda@ufms.br

Sobre a entrevistada

A bibliotecária Maria Aparecida Jacques de Arruda defendeu, em 2023, sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Rosangela Formentini Caldas.

Natural de Amambai, no Mato Grosso do Sul, Maria tem como hobbies assistir filmes, ler, visitar e apreciar a companhia de seus pais. Atualmente, é bibliotecária na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, do campus de Aquidauana. 

Sua tese, intitulada “Diretrizes para a criação de sistemas de gestão e mediação cultural no âmbito dos saberes indígenas” aborda a questão cultural de saberes/conhecimentos indígenas brasileiros, destacando os povos originários como sujeitos informacionais, usuários e produtores de informações e conhecimentos. Na pesquisa, é pontuado que as culturas e saberes indígenas são ativos valiosos para o desenvolvimento sustentável, o desenvolvimento da população indígena e a preservação do meio ambiente, e portanto, é de suma importância serem registradas, preservadas e mediadas por meio das tecnologias digitais informacionais. 

Convidamos Maria para nos relatar, na entrevista, como se deu o processo de doutoramento e os desdobramentos de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Maria Arruda (MA): Fazer o doutorado era minha intenção desde quando terminei o mestrado no ano 2000, porém, imprevistos aconteceram e me impediram de continuar os estudos logo em seguida. A partir de 2015, já trabalhando na BU da UFMS retomei a ideia, me inscrevendo e emitindo projetos de pesquisas para vários Programas de Pós, obtendo sucesso em 2018 no PPGCI/ UNESP. A escolha do tema foi devido a minha convivência com alunos indígenas no Campus de Aquidauana/UFMS, que oferece um curso de Licenciatura Indígena e também, oferta vagas para estudantes representantes dos povos originários nos demais cursos existentes no Campus.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

MA: Certeza da tese eu diria que foi na qualificação, quando a banca me parabenizou autorizando seguir com a temática, faltando um ano para finalizar.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

MA: A temática indígena atrelada com a Ciência da Informação foi a partir das leituras da tese e de artigos do Professor Rodrigo Piquet de Mello, conforme a referência abaixo: 

MELLO, Rodrigo Piquet Saboia de. Fenômeno informacional indígena na contemporaneidade. 2019. 312 f. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Comunicação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Rio de Janeiro: IBICT, 2019.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

MA: A tese defende a implantação de um sistema de gestão e mediação cultural de saberes de natureza indígena que contemple fissuras de acessos e posses de informações pelos povos indígenas Sul-Mato-Grossense, contribuirá para a inserção e capacitação dessa população, nos acessos tecnológicos de informação e comunicação; proporcionando a disseminação cultural e informacional a nível nacional e internacional, possibilitando assim que o mundo possa conhecer e entender esses saberes e/ou conhecimentos indígenas das etnias Sul-Mato-Grossense, por meio da rede de Internet. É uma proposta inédita.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

MA: As diretrizes e políticas públicas identificadas e apontadas servem não só para resgatar e armazenar conhecimento e/ou saberes indígenas, mas também para levar ao reconhecimento, inclusive à academia, como ativos imprescindíveis, de alto valor econômico, social, cultural, para o desenvolvimento das nações.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

MA: Os resultados apresentam diretrizes de políticas públicas informacionais capazes de serem efetivadas para contribuir com o desenvolvimento econômico, ambiental e social de comunidades indígenas brasileiras e demais povos que vivem às margens de acessos às informações tais como quilombolas, ribeirinhos, refugiados e em situação de rua. Considera-se fundamental acessar e apossar-se de informações para auxiliá-los na tomada de decisões inteligentes para melhoria de suas vidas, contribuir para a erradicação da pobreza e da desigualdade social; oferece e viabiliza novos meios de melhorias sustentáveis em seus ambientes naturais, pois informações promovem a saúde, proporcionam educação de qualidade, a cultura, a pesquisa, a inovação, entre outros benefícios.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

MA: Os caminhos metodológicos percorridos no desenvolvimento da tese foram demarcados por um conjunto de procedimentos intelectuais, reflexivos e técnicos. É uma pesquisa exploratória que procurou contemplar, de forma exaustiva, o âmbito estudado, utilizando-se de diferentes instrumentos para coleta de dados, tais como levantamento bibliográfico, levantamento de informações em instituições públicas, aplicação de questionário a um profissional pesquisador e, uma entrevista com liderança indígena. O método definido, foi o método denominado gestão baseada em evidências (GBE), o qual sustenta quatro fontes informacionais, para assegurar resultados confiáveis e atingir o propósito que se pretendia. É um método bastante relevante por demandar três ou mais fontes de evidências como garantia de resultados confiáveis e consistentes. O método GBE foi adaptado da Prática Baseada em Evidência (PBE), oriundo da medicina como prática médica chamada de Medicina Baseada em Evidência (MBE). A gestão baseada em evidências é uma nomenclatura adotada por profissionais da administração como um novo método e que pode ser definido, como tomada de decisão através do uso consciente, explícito e crítico de quatro ou mais fontes de informações (evidências).

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese? 

MA: Acredito que foi 30% de inspiração, demais em transpiração devido aos impasses da COVID-19 e também, devido à dedicação e esforços para pesquisar e estudar a temática indígena agregando com a Ciência da informação, foi muito desafiador e exaustivo, até porque, é uma temática ainda muito pouco estudada no Brasil.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

MA: Acredito que o tempo percorrido desde o término do mestrado até o início do doutorado foi muito longo, dificultando acompanhar as evoluções nas pesquisas científicas, principalmente da Biblioteconomia e Ciência da Informação. No início das aulas do doutorado, sentia-me alheia nas discussões. Tive que me atualizar em pouco tempo por meio de leituras diversas para cumprir os créditos e iniciar o desenvolvimento da pesquisa. Graças ao excelente corpo docente do PPGCI/UNESP e as orientações imprescindíveis de minha orientadora, Profa. Dra. Rosangela Formentini Caldas, apoio e colaboração do Grupo de Estudos Informação, Conhecimento e Inteligência Organizacional (ICIO) e demais colegas, que me orientaram, me ajudaram e me inspiraram no aprimoramento dos estudos, facilitando assim minha caminhada até o término da tese.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

MA: Foi bastante compreensivo, principalmente para meus pais e irmãos que entenderam, que eu já não poderia compartilhar de todos os encontros nos finais de semanas, conforme nossos hábitos. Para minha filha menor de idade, talvez seja mais difícil, pois eu não conseguia tempo para ajudar nas tarefas escolares, ou ir ao cinema, ou outros passeios com muita frequência, mas consegui contornar na medida do possível. 

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

MA: Acredito que fazer a pesquisa em si durante a pandemia da COVID, principalmente com a liderança indígena, o qual, considero sujeito principal da pesquisa, pois não estava conseguindo entrar nas comunidades; a segunda foi a demora em compreender e adequar a técnica da Análise de Conteúdos (AC) para validar meus resultados. Enfrentei bastante dificuldades com AC.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?

MA: Como apontei acima, a temática do conhecimento e cultura indígena discutida pela Ciência da Informação é muito recente e por isso, escassa no Brasil. Sugiro outros estudos com a temática, enfocando a gestão e mediação informacional e cultural indígena assim como, políticas públicas informacionais para os povos originários do Brasil.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

MA: No momento, ainda sem outras pretensões. Retomei meu posto de atuação bibliotecária da BU/UFMS e, talvez mais futuramente, eu venha desenvolver algum projeto prático com parte dos resultados da pesquisa. 

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

MA: Iniciaria o desenvolvimento da pesquisa já no primeiro ano, ou seja, no início das aulas e das orientações eu procuraria protocolar o projeto de pesquisa junto à Plataforma Brasil, agendaria as visitas nas Aldeias indígenas através da FUNAI, pois esses processos externos, burocráticos, demandam muito tempo até que se validam e, em seguida, iniciaria a escrita.  Iniciei fazendo as disciplinas propostas para cumprir os créditos, elaborando trabalhos para eventos e, só no ano seguinte iniciei a tese, adequando metodologias, elaborando perguntas  e se aprofundando na temática pesquisada/estudada, foi bastante corrido e cansativo.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

MA: Não produzi quase nada. Os artigos submetidos sempre voltavam para serem acrescentados e/ou melhorados alguns pontos, e na maioria das vezes, era dentro de um prazo os quais eu não consegui terminar/atualizar. Dentre os poucos trabalhos que apresentei em eventos, os principais foram no ENANCIB 2021, no Grupo de Trabalho GT-3 “Mediação, Circulação e Apropriação da Informação”,  intitulado: “Mediação cultural para o protagonismo social”. E no ENANCIB 2022, no Grupo de Trabalho GT-12 “Informação, Estudos Étnico-Raciais, Gênero e Diversidades”: “Proposta de gestão por meio de sistema de mediação cultural: saberes indígenas”. 

Livros/E-books

ARRUDA, Maria Aparecida Jacques; CALDAS, Rosangela Formentini. Sistemas de mediação cultural no âmbito dos saberes indígenas. In:  LIMA, Izabel França de; MOURA, Maria Aparecida (Org.). Informação, estudos étnico-raciais, gênero e diversidades.  Florianópolis, SC:  Rocha Gráfica e Editora Ltda, 2023, p. 59. E-book. 

ARRUDA, Maria Aparecida Jacques; CALDAS, Rosangela Formentini. Sistemas de mediação cultural para comunidades indígenas:  a eminência de ações socioculturais  para  as regiões “ditas” inteligentes. In: CALDAS, Rosangela Formentini (Org.). Cidades inteligentes e Ciência da informação. Marília, SP; Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2021, p. 139. E-book. Este também no formato físico.

DC: Exerceu alguma monitoria/estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

MA: Contribuí com análises de teses e dissertações do PPGCI da Unesp/Marília, um projeto de minha orientadora Profa Dra. Rosangela Formentini Caldas, denominado “Centro Referencial de Propriedade Intelectual e Inovação” (CERPII) que tem como missão avaliar as teses e dissertações produzidas no âmbito daquele Programa de Pós em Ciência da Informação, visando identificar soluções inovadoras oriundas das pesquisas para o bem da sociedade e também, o CERPII tem a pretensão de  registrar a propriedade intelectual junto ao INPI . Foi uma experiência muito importante para o meu desenvolvimento como pesquisadora, pois me oportunizou analisar várias metodologias, valiosos resultados intelectuais e de inovações, ali defendidas. 

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

MA: Acredito que as leituras e análises ali realizadas me ajudaram a entender melhor o desenvolvimento de uma pesquisa e também, identificar diversas metodologias e técnicas de resultados que cada autor/autora apresenta. Sem dúvida foi uma atividade com muitos aprendizados.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

MA: Que estude muito sobre a cultura indígena, procure entendê-los como pessoas autônomas, inteligentes, criativas e muito competentes. Povos que estão aqui muito antes de nós e que continuarão a estar depois. Seus saberes e culturas são insumos de alto valor para o desenvolvimento e inovações do país, precisam ser reconhecidos, organizados, recuperados, armazenados e disseminados. As propostas e pontos de vistas devem ser entendidos a partir da compreensão cosmológica indígena e não, de uma visão ocidentalista, não indígena.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

MA: De muita paciência, diálogos, reciprocidade e feedback constante.

DC: O que o Programa de Pós-Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

MA: Acredito que o PPGCI me ajudou no momento do aceite de meu projeto de pesquisa para ser desenvolvido na Linha “Gestão, Mediação e Uso da Informação”, me proporcionando o contato com um excelente corpo docente, composto por pessoas competentes, amigas e acolhedoras que souberam me orientar e conduzir em meus estudos. Acredito que de minha parte, foi minha pesquisa em si, como uma proposta inovadora para o desenvolvimento social e etnocultural da população indígena brasileira e demais sociedade. 

DC: Você por você: 

MA: Sou uma dentre 11 irmãos. Sou mãe solteira da Giovana, ainda menor de idade. Minha primeira graduação foi Pedagogia, depois Biblioteconomia e, como bibliotecária, consegui melhores salários e condições financeiras para meu auto sustento. É muito prazeroso exercer essa profissão. É certo que a Pedagogia abriu portas para eu lecionar em escolas e no ensino superior, antes de eu cursar Biblioteconomia e também, alicerçou-me como profissional que trabalha numa instituição pública de ensino e, ter essa base pedagógica é importante para somar com as atividades desenvolvidas no espaço da biblioteca junto aos usuários. Sempre acreditei na educação como dispositivo transformador da sociedade, que permite o desenvolvimento pessoal e coletivo. É por meio da educação que se concretiza as verdadeiras mudanças sociais, pois ela nos permite ver o mundo que nos cerca, de modo reflexivo e crítico. Carrego a bandeira de que é imprescindível que as pessoas, principalmente as menos favorecidas econômica e socialmente, acessem informações através de leituras, do aprendizado, da educação. É urgente a promoção de políticas públicas informacionais em todas as instâncias deste país.


Entrevistada: Maria Aparecida Jacques de Arruda

Entrevista concedida em: 4 fev. 2024 aos Editores

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Maria Aparecida Jacques de Arruda

Revisão e Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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