
Um caminhar da ciência – O tempo e a evolução das coisas, por Gleice Pereira

Um caminhar da ciência – O tempo e a evolução das coisas
Gleice Pereira
gleiceufes@gmail.com
A trajetória da minha carreira na área da Ciência da Informação (CI) teve início na década de 1980, no Setor de Microfilmagem da Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, época em que os recursos tecnológicos ainda eram escassos e a microfilmagem se apresentava como uma solução para setores administrativos, como o Setor de Recursos Humanos, onde o volume de documentos dos servidores abarrotava os armários.
Outra atividade que me chamava atenção na época era o serviço de comutação bibliográfica, em especial seu impacto para o Setor de Periódicos. Era um processo lento, que incluía a localização do material solicitado pelo usuário e a realização da fotocópia. Nesse período, já me questionava sobre a possibilidade de tornar esse processo mais ágil, de forma a atender às solicitações nacionais e internacionais. Somado ao processo de “digitalização” dos materiais requisitados, havia a preocupação com o acervo de periódicos.
Esse acervo era composto por periódicos nacionais e internacionais, adquiridos por assinatura e doações, sendo às vezes consultado com muita frequência, em outras, com pouca, e, em alguns casos, jamais consultado. Outros tempos, muitas inquietudes e desafios!
Nos anos 1980, fui transferida para o Programa de Pós-Graduação em Educação, onde iniciei minhas atividades como editora. O processo ainda acontecia no formato impresso: envio de artigos, revisões, aprovação e publicação. Assim, todo o fluxo editorial era feito manualmente. Pasmem, os artigos e as análises dos revisores eram enviados por correio, já que, nessa época, a internet ainda se encontrava em fase de implementação no Brasil. Em pleno 2025, escrevendo minhas memórias, sinto-me parte dos “colégios invisíveis”.
Enfim, chegamos à era da comunicação sem fronteiras! Os meios permitem a celeridade dos processos, e uma notícia de hoje torna-se obsoleta amanhã. Não poderia deixar de trazer o pensamento de Bauman (2001), segundo o qual vivemos a modernidade “líquida” e “veloz”. Vivemos o imediatismo!
Aliado a essa modernidade líquida, há os avanços da ciência, e com eles, novos rumos se descortinam. Atualmente, as pesquisas em CI estão focadas em diversas frentes, incluindo a gestão de dados, big data, a inteligência artificial (IA) aplicada à recuperação de informação, a preservação digital, a ética da informação e a desinformação. Além disso, as bibliotecas digitais, os repositórios institucionais e os modelos de acesso aberto à informação científica são temas centrais no debate acadêmico.
Sistemas inteligentes têm sido empregados para otimizar processos de indexação, classificação automática de documentos e recomendação de informações. No entanto, surgem desafios éticos relacionados à transparência dos algoritmos, ao viés nos sistemas de recuperação e à privacidade dos usuários. A utilização de IA generativa na produção e organização do conhecimento também levanta preocupações quanto à autenticidade e confiabilidade da informação.
A desinformação e a manipulação da informação na era digital representam desafios significativos para a CI. Estudos apontam a necessidade de desenvolver estratégias de alfabetização informacional para capacitar os cidadãos a avaliar criticamente as fontes e os conteúdos disponíveis online. Além disso, iniciativas de checagem de fatos e a colaboração entre bibliotecários, cientistas da informação e jornalistas são fundamentais para mitigar a disseminação de informações falsas.
A gestão de dados científicos tem sido uma preocupação crescente, especialmente no contexto da Ciência Aberta. O desenvolvimento de políticas para a curadoria, compartilhamento e reutilização de dados tem impulsionado pesquisas sobre metadados, interoperabilidade e padrões de descrição. Princípios como o FAIR (Findable, Accessible, Interoperable, Reusable) são amplamente discutidos para garantir a acessibilidade e a preservação da informação digital a longo prazo.
A preservação digital e a sustentabilidade da informação também são tópicos recorrentes nas pesquisas atuais. O crescimento exponencial de dados digitais exige soluções inovadoras para garantir que documentos eletrônicos permaneçam acessíveis e autênticos ao longo do tempo. Técnicas como a migração, a emulação e o armazenamento distribuído têm sido estudadas como alternativas viáveis para enfrentar os desafios da obsolescência tecnológica.
Por fim, o campo da CI também discute os impactos sociais e políticos da informação. Questões relacionadas à governança da internet, à privacidade, à vigilância e à regulação do fluxo informacional são cada vez mais relevantes diante do avanço das plataformas digitais e das novas dinâmicas de controle e acesso à informação. No entanto, os impactos sociais e políticos da informação não são discutidos com a mesma profundidade por parte dos governos.
Dessa forma, a pesquisa em CI continua evoluindo para enfrentar os desafios da sociedade líquida, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias que promovam a gestão eficaz da informação, a ética no uso dos dados e a democratização do conhecimento na sociedade digital. Afinal, “Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar.” (Bauman, 2001).
Referência
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2001.
Sobre a autora:
Professora do Departamento de Biblioteconomia e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Espírito Santo.
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestra em Tecnologia Educacional pela Universidad de Salamanca. Especialista em Documentação e Informação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Redação e Foto: Gleice Pereira
Diagramação: Larissa Alves