
O desenvolvimento de coleções especiais em Bibliotecas Públicas e a preservação da memória regional – Entrevista com Mariana Greenhalgh

O desenvolvimento de coleções especiais em Bibliotecas Públicas e a preservação da memória regional – Entrevista com Mariana Greenhalgh
Mariana Giubertti Guedes Greenhalgh
mariana.greenhalgh@cultura.df.gov.br
Sobre a entrevistada
Em 2022, Mariana Giubertti Guedes Greenhalgh defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília, sob orientação da Profa. Dra. Lillian Maria Araújo de Rezende Alvares.
Natural de Brasília, Mariana tem como hobbies ler, assistir a filmes, viajar, tocar piano, violão e fotografar. No âmbito profissional, atua como bibliotecária na Biblioteca Nacional de Brasília.
Sua tese, intitulada “Desenvolvimento de coleções especiais em bibliotecas públicas: seu papel na salvaguarda da memória regional”, estudou a formação de coleções especiais em bibliotecas públicas brasileiras. Essas coleções são separadas da geral devido à sua natureza, tema ou importância para a memória. Um exemplo são as coleções regionais, que reúnem obras sobre determinada região, publicadas por autores locais ou editadas na localidade. O estudo mostrou que as bibliotecas públicas, além de oferecerem à comunidade informação, estudo e lazer, também preservam a memória regional, reunindo, conservando e disseminando obras da região.
Convidamos Mariana para contar como foi sua experiência no doutorado e suas perspectivas futuras.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Mariana Greenhalgh (MG): O que mais me inspirou a pesquisar o tema foi a falta de estudos sobre bibliotecas públicas. Existe um preconceito muito grande com as bibliotecas públicas, como “lugar cheio de livro velho”. Sendo uma bibliotecária que trabalha em biblioteca pública, especificamente com as coleções especiais, eu quis pesquisar a forma que as bibliotecas públicas brasileiras formam seus acervos e se teriam coleções especiais.
DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?
MG: Depois que mudei o projeto de pesquisa pela terceira vez, o que aconteceu após a qualificação. Com a experiência profissional em bibliotecas públicas e na formação de coleções especiais, me senti mais segura em estudar a temática, percebendo os caminhos possíveis para alcançar os resultados.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
MG: O diálogo com outros pesquisadores foi decisivo, tanto para realizar a pesquisa quanto para definir o tema. No início do doutorado fiz uma disciplina chamada “Pesquisa orientada”, em que a minha orientadora reuniu todos os orientandos para discutir os projetos. Essa ação ajudou muito na construção da metodologia e no meu crescimento como pesquisadora. Outra ação que fez a diferença no doutorado foi o diálogo constante com o meu esposo Raphael, que é bibliotecário da Biblioteca Central (BCE) da Universidade de Brasília (UnB), no Setor de Obras Raras, e doutor em CI no tema de roubo e furto de livros raros. As conversas que tivemos e seu olhar para a CI me ajudaram muito na definição do tema, na metodologia e nas revisões do trabalho. Como não pude me afastar do trabalho para me dedicar totalmente ao doutorado, a ajuda dele foi crucial para dar conta de tudo.
DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?
MG: A abrangência e aprofundamento do estudo de formação e desenvolvimento de coleções especiais em bibliotecas públicas, inclusive comprovando um novo papel para a biblioteca pública no que diz respeito à preservação da memória.
DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?
MG: Dar maior visibilidade às bibliotecas públicas e mostrar realidades fora do senso comum. A biblioteca pública é um dos espaços mais democráticos da sociedade, desta forma, conhecer mais o seu papel ajuda os profissionais a pensarem nas possibilidades de desenvolver o acervo e os serviços oferecidos à sociedade.
DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?
MG: Mostrar a importância das coleções de memória regional, em que a comunidade se vê representada nas bibliotecas públicas, em espaços de destaque, além de valorizar os autores locais. Ainda é possível conhecer mais da história e da cultura da região a partir da reunião das memórias registradas em publicações bibliográficas sem distinção. Com a tese, também é possível ter um novo olhar para as bibliotecas públicas e para o seu potencial na preservação e valorização da memória. Das 260 bibliotecas públicas pesquisadas, 153 possuíam coleções de memória, e essa realidade foi identificada a partir da tese.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
MG: Primeiro, entender como as bibliotecas públicas criavam suas coleções; segundo, entender como foi a formação de coleções especiais nessas bibliotecas; terceiro, analisar a documentação que trata da formação de coleções de memória regional e, por último, a visão dos bibliotecários gestores sobre a preservação da memória regional nas bibliotecas públicas.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?
MG: A inspiração esteve presente em todo o processo! A transpiração também fez parte. Fazer pesquisa é sempre um desafio constante, porque você lida com imprevistos o tempo todo. Esses imprevistos acontecem principalmente na obtenção dos dados. Eu analisei dados de 260 bibliotecas públicas e o trabalho de juntar esses dados, classificar e analisar foi muito difícil.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?
MG: É importante entender que não existe pesquisa perfeita. Então, por mais que o pesquisador exija muito de si, é muito importante entender que é um processo e que tudo é aprendizado. Precisamos acreditar mais em nós mesmos.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?
MG: Foi tranquilo. Em casa éramos só eu, meu esposo e dois cachorros. Sempre tive todo o suporte dele ao longo do doutorado. Apesar de ser um período de grande dedicação ao estudo, tanto minha mãe, quanto meu esposo são doutores, então conheciam a minha realidade e não me senti cobrada em momento nenhum por mais atenção. Ao contrário, sempre tive muito apoio.
DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?
MG: O auge da minha pesquisa foi no período da pandemia de COVID-19. Este período já foi bem estressante por si só. A preocupação com a própria vida, com a vida dos entes queridos, a perda de familiares próximos e vivendo as políticas de saúde, ou melhor, a falta delas no governo Bolsonaro foi um momento de grande desgaste mental. Tanto que tive que adiar a defesa por um ano. Além de toda a questão de saúde, outra grande dificuldade que tive na pesquisa foi o recebimento das respostas do questionário, já que muitas bibliotecas públicas estavam fechadas no período.
DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?
MG: O meu estudo foi bem amplo, então nas pesquisas de mestrado é possível fazer várias combinações de estudo, por exemplo, estudar as políticas de desenvolvimento de coleções em bibliotecas públicas ou em outros tipos de bibliotecas, a formação de coleções especiais ou coleções de memória regional em bibliotecas pontuais, por exemplo. A própria área de desenvolvimento de coleções, tantas vezes deixada de lado, pode ser mais explorada nas pesquisas e não só no ponto de vista dos acervos digitais.
DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?
MG: O doutorado para mim foi a oportunidade de aprender mais sobre a minha área de atuação e me dedicar à pesquisa. O que eu busco profissionalmente agora é utilizar todo esse conhecimento, tanto na minha instituição, quanto para ajudar outras que precisem.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
MG: Eu não aceitaria tantas responsabilidades no trabalho enquanto fazia o doutorado. Na época, eu era gerente e não pude me afastar para me dedicar somente ao doutorado. Isso me custou tempo de dedicação e qualidade na escrita da tese.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
MG: A minha produção foi razoável, durante esse período publiquei quatro artigos em colaboração. Os dois mais relevantes foram: “Coleções especiais: uma análise da formação dos acervos nas bibliotecas brasileiras” e “As quatro funções da biblioteca pública nas mídias sociais”. Após o doutorado publiquei um artigo, que traz conteúdo da tese, intitulado “Depósito legal regional: uma análise das legislações brasileiras vigentes”. Mas ainda quero publicar outros artigos sobre a tese, além de ter a ideia de montar uma publicação sobre coleções especiais, voltada para os profissionais de bibliotecas públicas.
DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
MG: Vale a pena pesquisar bibliotecas públicas ou coleções de memória, pois são pesquisas riquíssimas, mesmo que pouco valorizadas. Além de recomendar o estudo no tema, aproveito para recomendar também aproveitar ao máximo os acertos e os erros do meu e de outros trabalhos. Durante a pesquisa temos de tomar decisões e ter acesso a outras pesquisas nos ajudam bastante, pois é possível se inspirar no que deu certo e procurar outros caminhos para o que deu errado.
DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?
MG: Em primeiro lugar deve ser uma relação de respeito, em que cada um entenda que o outro tem suas vivências e percepções, além de reconhecer a importância da orientação e do papel de cada um. Em segundo lugar, uma relação com muito diálogo, que é essencial para que a pesquisa se realize. Devo acrescentar que a minha orientadora, Profa Lillian, foi fundamental para que eu conseguisse finalizar meu doutorado. Sempre foi muito compreensiva e incentivadora, ela me ensinou muito! Não poderia ter uma orientadora melhor!
DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?
MG: Logo após o doutorado eu iniciei o pós-doutorado pela Universidade Federal Fluminense, me aprofundando na pesquisa sobre coleções de memória regional, só que dessa vez em coleções sobre Brasília. Alguns artigos já foram publicados com resultados dessa pesquisa, e outros estão para ser publicados. Parte dessa pesquisa também inspirou a criação da exposição “Brasília Rara”, realizada na Biblioteca Nacional de Brasília, em julho de 2024. Acredito que a pesquisa estará sempre na minha vida, me acompanhando no trajeto profissional. É algo que amo fazer.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?
MG: O Programa de Pós Graduação da FCI/UnB fez muito por mim, do mestrado ao doutorado. No período do doutorado tive todo o suporte e compreensão, inclusive no período da pandemia. Espero ter contribuído ao programa por meio do meu trabalho e dedicação.
DC: Você por você:
MG: Eu sou vivências e influências, sempre aprendendo com o mundo, com as pessoas e com os livros. O livro e a leitura sempre foram minhas paixões. A minha vida foi construída ao redor dessas duas coisas. Desde pequena acompanhava minha mãe na biblioteca da BCE/UnB e achava a coisa mais maravilhosa do mundo! Hoje trabalho com livros, atuo com fomento à leitura e me cerco de informação e conhecimento. Ser pesquisadora me mostrou como a ciência é importante e como podemos desenvolver novos olhares por meio dela. Tudo o que eu sou foi graças aos livros, a maior e melhor invenção do ser humano.
Entrevistada: Mariana Giubertti Guedes Greenhalgh
Entrevista concedida em: 17 de fevereiro de 2025 aos Editores.
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro
Fotografia: Mariana Giubertti Guedes Greenhalgh
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro