
A reconstrução da trajetória de Maria Beatriz, Mãe Beata, no contexto sociocultural e religioso da Paraíba – Entrevista com Karina Ceci

A reconstrução da trajetória de Maria Beatriz, Mãe Beata, no contexto sociocultural e religioso da Paraíba – Entrevista com Karina Ceci
Karina Ceci de Sousa Holmes
karinaholmes.holmes@gmail.com
Sobre a entrevistada
Em 2023, Karina Ceci de Sousa Holmes concluiu seu mestrado em Ciência da Informação na Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação da Profa. Dra. Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira.
Natural de João Pessoa (PB), Karina Ceci é casada e mãe de um filho de 22 anos, que também é seu colega de curso em Arquivologia e um dos seus maiores incentivadores, junto ao marido Hilton Holmes. Entre seus hobbies, destaca-se o gosto por ouvir músicas.
Na dissertação, intitulada: “Maria [Beatriz] Barbosa de Souza: na gira da vida de Mãe Beata”, Karina buscou dar visibilidade à trajetória de Mãe Beata, uma importante liderança religiosa das décadas de 1960, 1970 e 1980, que permaneceu por muito tempo invisibilizada. A pesquisa revelou não apenas sua história, mas também a de outros religiosos que lutaram pelo direito de praticar e preservar os cultos afro-indígenas no Brasil. Por meio de sua escrita, Karina trouxe à tona fatos e acontecimentos fundamentais para a história das religiões de matrizes africanas e a conquista da Lei n.º 3.443 de 06 de novembro de 1966, que assegura o livre exercício dos cultos africanos em todo o Estado da Paraíba.
Karina compartilha, nesta entrevista, sua experiência na pós-graduação, os desafios de sua pesquisa e suas perspectivas.
DC: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?
Karina Ceci (KC): O olhar cuidadoso de quem acredita no potencial do ser humano. A professora Bernardina Freire foi, assim como meu filho, Mácio Vinícius, que me provocaram e, ao mesmo tempo, me inspiraram. A decisão de seguir para o mestrado se deu logo após a escuta do ser humano incrível que é Bernardina Freire, que me ouviu e acreditou que seria possível pelo menos tentar já que eu possuía uma graduação. Além disso, fui impulsionada também pelo desejo de cumprir a promessa feita a mim mesma aos 12 anos de idade.
DC: Quem será o principal beneficiado pelos resultados alçados?
KC: A memória das religiões de matriz africanas e indígenas na Paraíba.
DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?
KC: Mostrar que ressignificar a memória é também fazer ciência, permitindo que não só a trajetória de Mãe Beata, uma mulher negra, sertaneja e praticante da Umbanda, da Jurema e do Candomblé Angola, possa afirmar que a nossa própria história, o nosso escreviver, também é importante.
DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?
KC: “Informação, Memória, Sociedade”, porque nos propicia tornar a memória objeto de estudo, transformando nossos apontamentos e registros em território fértil.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação?
KC: A tese de Bernardina Freire, intitulada: José Simeão Leal: escritos de uma trajetória, desenvolvida na Universidade Federal da Paraíba e meu trabalho de conclusão de curso, intitulado: Entre a memória da inspiradora trajetória pessoal, acadêmica e profissional de Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira: vivências e interações.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
KC: A experiência e a parceria com minha orientadora, Bernardina Freire, foram fundamentais desde o momento em que compartilhei minhas ideias sobre o tema que desejava desenvolver. De imediato, ela me apresentou à escrevivência de Conceição Evaristo.
DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?
KC: Acreditem: zero dificuldade, a não ser a dúvida se eu conseguiria.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?
100% de inspirações possíveis, pois plantaram em mim a semente do “eu posso” e do “eu vou conseguir”. E tirei bons proveitos pois em cada elogio, uma satisfação; para cada crítica, força. Foi um momento em que abracei o mestrado como um emprego, o que também me fortaleceu para lutar ao lado da minha mãe contra um câncer. Ela veio ficar comigo assim que ingressei no mestrado, e as aulas me ajudaram bastante, pois as transformei em terapia.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?
KC: Que foi um prazer imenso realizar a escrita do livro da minha vida e que faria tudo exatamente do mesmo jeitinho. Tive a liberdade de expor minhas ideias e vontades, além de me sentir percebida e acolhida através de minhas decisões, dicas e opiniões, que são tão importantes e fundamentais para mim. E isso eu devo à minha orientadora que caminhou sempre ao meu lado e não largou em momento algum minhas mãos. E suas atitudes estimularam ainda mais a vontade dessa escrita.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?
KC: De força. Todos no apoio. Até porque o mestrado jamais foi imaginado e muito menos desejado; quanto mais ingressar no momento desesperador do mundo, estávamos na pandemia e pessoas que amo doentes. E disso só tirei lições positivas e aprendi que quando o nosso Criador quer seja ele chamado de Deus, Javé, Tupã, Oxalá entre tantas outras denominações, quando Ele quer nada é impossível até você se desafiar pelo menos tentando.
DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
KC: O prazer em seu objeto/sujeito de pesquisa sem o prazer e o amor para essa realização não trarão bons resultados, apenas um escrito. Ame cada etapa, cada desafio e acreditem em si e no quão são capazes. Apenas se entreguem e aproveitem cada segundo.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
KC: Como um caminho para o conhecimento, para descobertas e desafios. Participei de eventos como seminários, palestras, levando minha caminhada acadêmica como forma de incentivar e motivar outras Karina’s / João’s a se sentirem pertencentes a um lugar desejado por muitos e desvalorizado por vários. Estamos a publicar alguns artigos da Dissertação que estão ainda em construção, mas indico leitura de alguns escritos nosso: Encantos dos cantos: o papel das turimbas/toadas no terreiro de umbanda na cidade de João Pessoa/PB; As paramentas dos orixás como evocadoras da memória e da tradição religiosa; Arquivo pessoal como extensor da memória individual e coletiva … Indico esses para que possamos perceber que podemos sim registrar o que está ao nosso redor.
DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?
KC: Pretendo continuar nos estudos, pois, aos meus 4.4 (idade), tenho encontrado um imenso prazer na realização acadêmica e me surpreendido em cada etapa. Agora, planejo dar continuidade com o doutorado, e assim deixar mais um registro significativo para a tradição religiosa da qual faço parte desde o ventre da minha mãe. Além disso, desejo contribuir para que possa ser aberto mais espaços, para que possamos furar a bolha permitindo que outras mulheres, meninas, mães, homens, meninos e pais sejam elas/es negras/os ou não, de escolas públicas ou não, umbandistas ou não possam escrever suas, minhas, nossas histórias.
DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?
KC: Sim. A satisfação e o prazer da realização do mestrado estão me fazendo dar continuidade na Ciência da Informação, para que outras pessoas conheçam a beleza das religiões afro-indígenas brasileiras e por quem antes de nós se fizeram presentes.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
KC: Aproveitaria mais e mais cada momento vivido no mestrado.
DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?
KC: O programa me deu apoio e me ajudou bastante, especialmente nos esclarecimentos de dúvidas quando surgiam. Além disso, proporcionou oportunidades importantes, como a participação em eventos de grande relevância, como o Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB).
DC: Você por você:
KC: Sou uma mulher/menina que sempre estudou para não decepcionar os pais. Sempre tive um pai ausente, mas que valorizava os estudos. Minha “pãe”, por sua vez, precisava trabalhar para sustentar a casa e suas três filhas. Ela expressava felicidade no olhar sempre que ‘passávamos de série’ (expressão usada por minha mainha), pois, para ela, era uma conquista. Mesmo minha mainha sem compreender completamente a importância do incentivo e dos estudos, nunca permitiu que abandonássemos a escola. Pelo contrário, apesar de não ter concluído os estudos mínimos, nos fazia entender que esse era o melhor caminho. Eu, Karina Ceci, acreditava que a universidade pública não era um lugar para mim, pois pensava que era um espaço reservado apenas para pessoas mais estudiosas. Não acreditava que conseguiria passar. Em 1999 ano que conclui o ensino médio, fiz o vestibular e não obtive êxito. No entanto, fiz uma graduação em uma universidade particular, mas o desejo de estudar em uma universidade pública para pagar a promessa era imenso. E com o incentivo do meu filho, após 17 anos do vestibular, fiz o ENEM no dia 4 de dezembro de 2016 dia de Iansã para nós, umbandistas. O tema da redação foi Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil, o que para mim foi um sinal, dada a coincidência entre a data e o tema. Consegui ficar na lista de espera, só que nessa espera descobri que era possível também entrar com ingresso de graduado (informação pouco conhecida por nós que não tem tanta proximidade com o espaço acadêmico) e assim, não quis esperar, tentei e ingressei na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no curso de Biblioteconomia, para cumprir a promessa feita há mais de 30 anos e pensando na divulgação do meu TCC nas bibliotecas. O causador dessa promessa e escolher a Biblioteconomia foi o livro intitulado: “Cartilha Paraibana” quando recebi para realização de um trabalho em sala de aula e me deparei com o registro de meus bisavós Mãe Beata e Pai João em celebração ao dia 08 de dezembro, dia dedicado a Rainha do Mar (Iemanjá). Parei nesse momento e senti a importância de nossa tradição religiosa. Esse ingresso foi além do que eu poderia imaginar, proporcionando inúmeras descobertas, como o gosto pelo curso, novas oportunidades, surpresas e questionamentos sobre minha capacidade. Foi nesse percurso acadêmico que o destino me permitiu conhecer a professora Bernardina Freire, que me ouviu e me fez participar de projetos pelos quais aceitei de imediato. Inicialmente, atuei como aluna PIVIC (voluntária) e, posteriormente, como PIBIC (bolsista), o que me inseriu no universo da pesquisa e da produção acadêmica. Tive ainda a oportunidade de participar de eventos que me fizeram sair do meu estado e conhecer outras cidades, como Curitiba e Salvador. Quem poderia imaginar que eu viajaria para lugares assim e de avião? E nessa caminhada aprendi que nossas histórias são importantes e como é valioso encontrar anjos que nos incentivam e valorizam. Não sei qual será meu destino ou que resultados terei no futuro, mas sei que tudo o que conquistei até agora tem me feito muito feliz.
E quem diria que nossa dissertação conquistaria o 2º lugar de melhor dissertação em nível nacional pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação (ANCIB) – Prêmio ANCIB de Teses e Dissertações.
E poder dizer: Mãe Beata, presente! é, sem dúvida, uma grande vitória.
Entrevistado: Karina Ceci de Sousa Holmes
Entrevista concedida em: 30 dezembro de 2024
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Alex Sandro Lourenço da Silva
Fotografia: Karina Ceci de Sousa Holmes
Diagramação: Alex Sandro Lourenço da Silva