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v. 3, n. 3, mar. 2025
Explorando a Arquitetura de Dados na Ciência da Informação – Entrevista com Emanuelle Torino

Explorando a Arquitetura de Dados na Ciência da Informação – Entrevista com Emanuelle Torino

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Explorando a Arquitetura de Dados na Ciência da Informação – Entrevista com Emanuelle Torino

Emanuelle Torino

etorino@gmail.com

Sobre a entrevistada

A bibliotecária Emanuelle Torino defendeu, em 2022, sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), sob a orientação da Profa. Dra. Silvana Aparecida Borsetti Gregorio Vidotti.

Natural do Paraná, Emanuelle tem 45 anos e atua como bibliotecária na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Seu hobby é viajar, aproveitando suas experiências para ampliar sua visão sobre diferentes culturas e contextos informacionais.

Sua tese, intitulada “Arquitetura de Dados no contexto da Ciência da Informação“, parte de questionamentos sobre a relação entre Arquitetura da Informação e Arquitetura de Dados, investigando como a segunda se relaciona com a primeira em abordagens bottom-up. Entre seus principais resultados, destacam-se a formulação de um conceito de Arquitetura de Dados no contexto da Ciência da Informação, os elementos da Arquitetura de Dados, a proposição da Tríade da Arquitetura de Dados, do Fluxo de Dados na Arquitetura de Dados, os entregáveis da Arquitetura de Dados, o perfil do Arquiteto de Dados e os conceitos operatórios como Dado e Ecologia Complexa de Dados.

Emanuelle compartilha, nesta entrevista, sua experiência na pós-graduação e o desenvolvimento de sua tese de doutorado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Emanuelle Torino (EM): Houve um dia específico em que decidi fazer o doutorado, eu estava viajando para palestrar no Fórum Brasileiro de Repositórios Digitais, na UFRN, e foi quando resolvi me preparar e fazer o processo seletivo – isso envolveu, inclusive a necessidade de publicar, pra melhorar meu currículo. 

Minha proposta inicial de tese consistia na proposição de uma infraestrutura de dados acionáveis por máquina para otimizar o processo de gestão da pesquisa em instituições como universidades e agências de fomento. Uma alteração de cenário brasileiro me levou a desenvolver outra ideia de tese, sobretudo por compreender que, para os dados disponíveis em sistemas de informação serem compreensíveis, acionáveis e processáveis, seja por humanos ou máquinas, eles precisam de estrutura, de padronização.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e  conclusões alcançados?

EM: Isso é muito complicado, realmente. Até o último minuto antes de entregar a versão final da tese para a apreciação da banca examinadora eu tinha a sensação de que ela não estava pronta, de que faltava algo. Depois da defesa percebi que isso é próprio do pesquisador, entender que algo não está finalizado, que estamos contribuindo apenas com uma parte do desenvolvimento de uma temática. Afinal, a própria tese sugere trabalhos futuros, rs!

Mas compreendo também que o trabalho que desenvolvi é realmente uma tese. É um estudo que possui uma contribuição original e relevante para o desenvolvimento da Ciência da Informação, ao apresentar um conceito para a área e fazer uma aproximação com outras áreas, como a de Sistemas de Informação.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

EM: Meu processo de definição do tema de pesquisa partiu da vivência profissional, da experiência com integração de dados entre sistemas e do potencial que a integração e a interoperabilidade de dados possuem. O que eu queria era falar sobre isso e trazer as bases teórico-práticas da Ciência da Informação para a estrutura da camada de dados dos sistemas de informação e ambientes informacionais digitais.

Comecei minha pesquisa lendo todas as edições do clássico livro “Information Architecture” – mais conhecido como “Urso Polar”, de Roselferd, Morville e, mais tarde, Arango -, para me certificar de que a Arquitetura da Informação não é suficiente para o tratamento da camada de dados dos sistemas de informação e ambientes informacionais digitais.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

EM:  A Arquitetura de Dados é um termo utilizado em áreas como a Administração e Sistemas de Informação, mas não havia consenso quanto a um conceito. Assim, utilizei a Teoria do Conceito de Dahlberg para alicerçar um conceito consistente, utilizando as bases da Ciência da Informação.

A tese utiliza um processo teórico-metodológico que culmina na construção de um conceito e, além dele, estrutura toda a Arquitetura de Dados na Ciência da Informação, ao apresentar seus elementos, tríade, fluxo, entregáveis e uma proposição de perfil profissional, além de antever como a Arquitetura de Dados pode se relacionar com a Arquitetura da Informação e como a Arquitetura de Dados pode constituir Ecologias Complexas de Dados.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

EM: A tese possui potencial de contribuição e impacto social, educacional, tecnológico e econômico, dada a criação de um conceito de Arquitetura de Dados no contexto da Ciência da Informação. 

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

EM: No aspecto educacional, a Arquitetura de Dados é apresentada como um novo campo de pesquisa para a área de Ciência da Informação. No tecnológico, há aportes para a estruturação da camada de dados de sistemas de informação e ambientes informacionais digitais – considerando aspectos éticos, legais e técnicos – para que possam ser facilmente localizados, acessados, processados e (re)utilizados em diferentes contextos, incluindo a constituição de infraestruturas de dados acionáveis e que possam ser úteis para processos diários e para a tomada de decisão. Fato este que pode trazer impactos econômicos, oriundos, por exemplo, do reuso de recursos existentes e da tomada de decisão quanto a investimentos, políticas públicas, indicadores e ações que contribuam com o desenvolvimento socioeconômico. 

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

EM: O desenvolvimento de um trabalho da envergadura de uma tese, cujo aprofundamento do pesquisador requer desenvolver trilhas de investigação, me levou a buscar ampliar a compreensão sobre o Método Quadripolar, proposto por De Bruyne, Herman e De Schoutheete em 1977. Inicialmente busquei compreender o Método Quadripolar sob a ótica de outros pesquisadores que o empregaram em suas teses na Ciência da Informação. Posteriormente, me dediquei à leitura da obra original, o que me levou a uma compreensão expandida da proposição dos autores e, me possibilitou, inclusive, na tese, a apresentar o Método Quadripolar não como um método, mas como um delineamento de pesquisa, por isso, o designo Delineamento Quadripolar. O  Delineamento Quadripolar permite que o pesquisador defina seus caminhos de pesquisa de forma não linear, alimentando os quatro polos que o sustentam (epistemológico, teórico, técnico e morfológico) e, possibilita que, no polo técnico, sejam utilizados os métodos de pesquisa necessários para o seu desenvolvimento.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

EM: Me parece difícil em um processo de pesquisa que haja inspiração sem transpiração. Desenvolver uma pesquisa requer dedicação, leitura, compreensão, amadurecimento, vivência de mundo, experimentação. Isso se faz com transpiração e gera inspiração. É um processo cíclico para o qual não sou capaz de determinar uma medida.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

EM: Certamente foi um caminho que valeu a pena!

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

EM: Parte do meu doutorado aconteceu no período da pandemia, quando decidi retornar para a cidade em que mora minha família e passar aquele momento com eles. Isso trouxe oportunidades e desafios, para além daqueles advindos do período pandêmico. 

Vivi essa parte do doutorado na casa da minha irmã, com meu sobrinho, num momento de apoio mútuo entre todas as pessoas do nosso núcleo familiar – vó, tia, pai, mãe, irmãos e sobrinhos. Parte da minha tese foi desenvolvida na casa onde hoje moram minha mãe e minha tia, tendo além delas a companhia do Zico, o membro canino da família. Foram momentos de vivência intensos e importantes. 

Somos uma família pequena, unida à nossa forma e, para mim eles são motivação para todos os desafios que me proponho a fazer. 

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

EM: Durante o doutorado minha família vivenciou dois lutos, com causas naturais, que certamente influenciaram na minha capacidade de entrega e me levaram, inclusive, à necessidade de prorrogar o prazo de defesa. 

Esse certamente foi meu maior desafio. Entender que meu pai e minha vó não estariam lá, buscar apoiar minha família e me entender diante de um momento de caos.

Isso me levou a meses improdutivos e à necessidade de compreender que a vida não para por estarmos dedicados a algo, mesmo que tenha a importância de um doutorado.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

EM: Puxa… aqui poderíamos falar muito! Mas, vou apenas reforçar o que já explicitei na própria tese: a) aprofundar estudos relacionados aos Princípios Éticos, Legais e Técnicos aplicados aos Dados; b) estudar o relacionamento entre a Arquitetura de Dados e a Arquitetura de Sistemas de Informação; c) investigar se e como a Arquitetura de Dados e a Ecologia Complexa de Dados se relacionam à Data Mesh; d) averiguar a viabilidade da aplicação de técnicas como Inteligência Artificial a sistemas de informação e/ou ambientes informacionais digitais projetados pela Arquitetura de Dados; e) projetar a Arquitetura da Informação de um ambiente informacional digital e/ou Ecologia Informacional Complexa que utilize a Arquitetura de Dados na camada de dados; f) projetar a Arquitetura da Informação de um ambiente informacional digital e/ou Ecologia Informacional Complexa utilizando Ecologia Complexa de Dados. 

Considero que são boas propostas para mestrados e até doutorados.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

EM: No doutorado me entendi pesquisadora, isso trouxe uma outra possibilidade de olhar para mim mesma e para a minha inserção na Biblioteconomia, minha área de atuação.

Pretendo continuar na pesquisa, se possível me credenciar como docente em um Programa de Pós-Graduação. 

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

EM: Entendo que os processos são necessários, então, se eu soubesse antes o que sei agora, não estaria fazendo o que estou fazendo agora. Cada momento é importante, cada decisão. Sou grata pela minha trajetória profissional e espero poder de alguma forma contribuir com outros profissionais e com a área.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

EM: Durante o doutorado eu busquei todo o aproveitamento possível – todos os trabalhos elaborados para disciplinas foram publicados. Isso me ajudou a melhorar meu currículo, a ter parceria de coautoria com pesquisadores de renome na área de Ciência da Informação e, a levar nossas contribuições para um público maior.

Durante o doutorado participei de grupos de pesquisa, de reuniões de estudo e discussões, cursei mais disciplinas do que precisava. Fiz publicações em periódicos, Anais de eventos, ministrei cursos e palestras, organizei eventos, ministrei uma disciplina na graduação. Enfim, aproveitei todas as oportunidades e topei todos os desafios.

Ainda não me dediquei a escrever sobre os resultados da tese. Mas sei a importância de fazê-lo, quem sabe consiga em 2025.

DC: Exerceu alguma monitoria / estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

EM: Sim! Tive duas excelentes experiências.

Fiz estágio de docência na disciplina Mediação Tecnológica e Ensino Docente no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), cujo docente responsável era Professor Nestor Cortez Saavedra Filho.

E, fui docente da disciplina Ciência Aberta e Gestão de Dados de Pesquisa no curso de Biblioteconomia, do Departamento de Ciência da Informação da Unesp, pelo Programa Institucional de Aperfeiçoamento e Apoio à Docência no Ensino Superior (PAADES). Essa foi uma proposta da minha orientadora, Professora Silvana Aparecida Borsetti Gregorio Vidotti. 

O PAADES foi excelente, pois me proporcionou ser a docente responsável pela disciplina, tendo a Professora Silvana como apoio. Foi a oportunidade de “ter uma turma”, fazer plano de aula, preparar os conteúdos, conduzir o processo com os alunos, pensar em atividades avaliativas. Todas as responsabilidades de um docente, com o apoio de uma supervisora experiente.

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

EM: Vejo essas experiências como vivência de mundo e, claro, contribuíram muito para a tese e, além disso, para a minha formação acadêmica e pessoal.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

EM: Eu fico muito honrada em pensar que meu trabalho pode ser utilizado como ponto de partida para uma outra  pesquisa. Independente disso, o que recomendo é que o pesquisador encontre “seu espaço” de investigação, um tema que o desafie e motive a se sentar, dia após dia, para pesquisar, fazer conexões e experimentos, até desvendar o problema que ele se propôs a solucionar.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

EM: É muito importante que seja uma relação de confiança e de respeito. Desenvolver a tese é desafiador e, em alguns momentos traz insegurança. O papel do orientador nesse processo é fundamental, para auxiliar no direcionamento e apontar caminhos possíveis para a investigação. Entendo fundamental que haja abertura ao diálogo e facilidade de contato.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

EM: Estamos desenvolvendo, em uma equipe, um projeto junto à Diretoria de Avaliação da CAPES, a DAV, que poderá mostrar na prática as contribuições da tese. Trata-se do desenvolvimento de uma Arquitetura de Dados para o processo de Avaliação da Pós-Graduação brasileira no contexto da CAPES.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

EM: O PPGCI-Unesp me proporcionou a interação com grandes nomes da Ciência da Informação brasileira. Digo interação, pois a relação professor – aluno sempre foi muito próxima e extra sala de aula. Todas as disciplinas que participei foram concentradas, então, naqueles dias, estávamos todos focados em temas específicos e, tão focados, que as aulas sempre contavam com café e algo para”beliscar”, em todas as disciplinas saíamos para almoçar em grupo. Enfim, o PPGCI-Unesp me oportunizou vivências.

Quanto a mim, ofereci minha melhor versão discente ao PPGCI-Unesp. Me dediquei às atividades e procurei contribuir com o que podia. Conquistei a Menção Honrosa no Prêmio Capes de Tese 2023. E, depois de concluído o doutorado, tive a oportunidade de voltar ao PPGCI-Unesp duas vezes, como docente de disciplinas tópicos especiais, uma delas com a temática de Arquitetura de Dados sob a ótica da Ciência da Informação. 

DC: Você por você: 

EM: Na minha família, a minha geração foi a primeira a concluir a graduação, da mesma forma o mestrado e tenho orgulho de ser a primeira doutora. Acredito e vivencio que a educação pode transformar vidas e, sem esse processo de educação formal eu não estaria onde estou hoje. Sou grata às gerações anteriores, meus pais e avós, que abriram caminho para nós com as suas mãos e as utilizaram para nos apresentar um caminho melhor, possível e que hoje posso tatear. Da mesma maneira, espero poder ser apoio a outras pessoas, que como eu, queiram desvendar as trilhas do aprendizado e do desenvolvimento.

Sou uma profissional dedicada, que busca trazer melhorias e avanços para os espaços de atuação. Vejo a profissão bibliotecária para além das fronteiras que às vezes nós mesmos nos impomos. Entendo que o bibliotecário pode apresentar contribuições para muitas esferas e áreas. 

Sou filha, sobrinha, irmã, tia e sei que a família é porto seguro e para onde sempre iremos durante ou ao final de uma jornada.

Sou grata à Deus, à família, aos amigos, aos professores e a todas as pessoas que cruzam meu caminho e que me transformam a cada interação.


Entrevistado: Emanuelle Torino

Entrevista concedida em: 21 de fevereiro de 2025 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Marcos Leandro Freitas Hübner

Fotografia: Emanuelle Torino

Diagramação: Naiara Raissa da Silva Passos

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