• contato@labci.online
  • revista.divulgaci@gmail.com
  • Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
v. 2, n. 7, jul. 2024
Entrevista com Stefanie Freire sobre sua pesquisa que a investigou a formação e o desenvolvimento da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1838 e 1938

Entrevista com Stefanie Freire sobre sua pesquisa que a investigou a formação e o desenvolvimento da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1838 e 1938

Abrir versão para impressão

Entrevista com Stefanie Freire sobre sua pesquisa que a investigou a formação e o desenvolvimento da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1838 e 1938

Stefanie Cavalcanti Freire

stefanie.freire@unirio.br

Sobre a entrevistada

Em 2023, a professora Stefanie Cavalcanti Freire defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob orientação da Profa. Dra. Lucia Maria Paschoal Guimarães.

Natural de Paraíba, Stefanie mora no Rio de Janeiro e tem como hobby praticar caminhada. No âmbito profissional, atua como professora universitária da UNIRIO e ministra as disciplinas de História do Livro e das Bibliotecas e Políticas de Preservação em Acervos Bibliográficos.

Sua tese, intitulada “Biografia de uma biblioteca: o caso do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1938)”, buscou apreender e analisar a formação e o desenvolvimento da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, entre 1838 e 1938. A partir das atas e relatórios do Instituto, publicados na Revista da agremiação, observou-se que a biblioteca foi um elemento fundamental para a consecução da missão social do IHGB. Foram analisadas a dinâmica relativa ao financiamento das atividades da associação, principalmente, às concernentes à biblioteca.

Convidamos Stefanie para nos relatar, nesta entrevista, sobre sua experiência no programa de doutorado e os desdobramentos de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Stefanie Freire (SF): Durante os primeiros anos de docência na UNIRIO, constatei que muitas bibliotecas do período oitocentista, sobretudo, no Rio de Janeiro, tinham sido objetos de pesquisa, com exceção da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Para corroborar minha inquietação sobre a biblioteca do IHGB, escrevi para a Profa. Lucia Guimarães. Ela rapidamente me respondeu e confirmou que a biblioteca do Instituto ainda não tinha sido alvo de investigação e me encorajou a fazer o doutorado.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

SF: Antes de tentar o concurso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Quando tive a resposta da profa. Lucia Guimarães. A profa. Lucia é uma referência sobre a história e memória do IHGB.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

SF: São dois livros, ambos escritos pela professora Lucia Guimarães: “Da Escola Palatina ao Silogeu: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1889-1938). Rio de Janeiro: Museu da República, 2006” e Debaixo da imediata proteção imperial: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838-1889). 2 ed. São Paulo: Annablume, 2011. 

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

SF: A tese buscou analisar a formação de um dos mais importantes acervos sobre História e Geografia do Brasil. Ao longo da pesquisa, eu e minhas orientadoras observamos que a formação dessa formidável biblioteca é fruto dos esforços empreendidos por um grupo de intelectuais e políticos engajados em construir uma história da nação. Para alcançar esse objetivo, era imprescindível reunir, ordenar e guardar os documentos que pudessem subsidiar os pesquisadores na construção de suas narrativas. Os sócios do IHGB, em especial D. Pedro II, contribuíram sobremaneira na medida em que doaram impressos, manuscritos e peças museológicas. O Imperador foi, sem dúvida, o maior doador do Instituto. A pesquisa desvelou os nomes de pessoas que contribuíram para enriquecer a biblioteca do IHGB. A pesquisa mostrou quem foram os bibliotecários e funcionários da biblioteca. O legado dessas pessoas foi analisado e descrito na minha pesquisa. 

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

SF: A tese visa contribuir para o universo das práticas culturais em torno do livro, das bibliotecas e dos bibliotecários. A biblioteca do IHGB pode ser vista como guardiã e promotora da cultura nacional, portanto, resgatar parte de sua trajetória histórica é contribuir não apenas para a memória institucional de sua mantenedora, mas pode inspirar que outros trabalhos sejam desenvolvidos. Falar da biblioteca do IHGB é dar voz aos esquecidos que tanto contribuíram para sociedade brasileira.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

SF: A biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro constitui um monumento da cultura brasileira que busca preservar, conservar e disseminar um dos mais importantes acervos históricos do país. A tese analisa estratégias desenvolvidas por uma instituição para selecionar e adquirir documentos que guardassem imediata relação com sua missão institucional. Os sócios do IHGB, em especial D. Pedro II, aparelharam a biblioteca com mesa de estudos, estantes, armários e caixas para acondicionar documentos. A biblioteca do IHGB cresceu em razão das inúmeras doações de seus associados. O “ato de doar” não deve ser percebido apenas como um gesto de benevolência ou reciprocidade, mas também uma forma de eternizar o sujeito na História, sobretudo, no IHGB, cujo protetor perpétuo era D. Pedro II. A tese chama atenção para a importância dos estudos sobre os catálogos produzidos pela instituição, tendo em vista que essas fontes refletem não apenas os valores institucionais, mas a própria evolução da biblioteca em relação ao inventário, idade e idioma do acervo e a temática das coleções. Os catálogos constituem importante ferramenta para traçar o perfil da biblioteca e de seus leitores. Sem dúvida, a tese contribui para valorizar a memória dos secretários e bibliotecários que tanto fizeram pelo IHGB. 

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

SF: Eu segui os passos da minha orientadora. Como dito acima, a profa. Lucia Guimarães publicou duas obras que foram fundamentais para o desenvolvimento teórico e metodológico da tese. Lucia utilizou como fontes de pesquisa as atas de sessões ordinárias e relatórios apresentados pelos secretários anualmente. Seguindo os mesmos caminhos da profa. Lucia, consegui me debruçar na mesma documentação. A profa. Tânia Bessone também me ajudou muitíssimo, pois tem toda expertise relacionada a estudar a biblioteca como espaço que pode estreitar práticas e interações sociais. Mas, a leitura das fontes ditou meus caminhos.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese? 

SF: Acredito que 50% da minha inspiração veio no momento em que a leitura das fontes avançava, principalmente, quando lia os relatórios dos bibliotecários e secretários da biblioteca. Eu trabalhei com 100 anos de história, sendo assim, tive que ler muito. A exposição diária em frente a tela do computador causou ressecamento nos olhos, visão turva, dor de cabeça. Lembro de um dia em que fui parar na emergência, com dor de ouvido, inflamação na mandíbula e, como consequência, dificuldade para deglutir e ouvir, já que tinha zumbido no meu ouvido. A médica passou fisioterapia, mas não achei brecha na agenda para seguir com o tratamento. Eu estava estressada com o tanto de fontes que tinha para ler e analisar. Posso dizer que os outros 50% advieram da consulta aos materiais físicos, cartas e catálogos. A leitura das cartas me deixava especialmente animada, já que revelavam aspectos mais íntimos de pessoas e instituições. Com os catálogos me sentia grata. Ficava imaginando o trabalho do profissional em entregar o “objeto ausente aos olhos do leitor”. A beleza da descrição documental elaborada pelo bibliotecário ou bibliotecária me emocionava, principalmente porque sabia que muitos dos materiais arrolados não existiam mais. Não posso deixar de mencionar meu esposo, ele foi minha maior inspiração e transpiração. Ele me ajudou demais na medida em que discutia comigo uma tese que estava longe de ser algo de seu domínio. Não é à toa que lhe dediquei a pesquisa.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

SF: A caminhada não foi fácil, principalmente depois do dia 11 de março de 2020. A Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou a COVID-19 como uma pandemia. As bibliotecas e arquivos fecharam e os muitos documentos importantes para desenvolvimento da tese ficaram inacessíveis. Necessário dizer que só tive acesso aos documentos físicos em abril de 2023, quando a biblioteca do IHGB abriu. Por um lado, conseguiu agregar importantes fontes e informações à pesquisa; por outro constatei que muito poderia ser incorporado, o que não o foi pela limitação temporal imposta para a conclusão do trabalho (Defendi a tese no dia 22 de agosto). Tais “achados” e informações, certamente, serão aproveitados nas futuras publicações oriundas da tese de doutorado. 

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

SF: O trabalho acadêmico, principalmente, o processo de escrita, é solitário. Me isolei, não conseguia pensar em nada além da tese, das fontes que tinha lido e o que faltava ainda. Eu tinha tudo organizado e sistematizado em uma planilha Excel. O foco era concluir a investigação antes que meu afastamento de um ano da UNIRIO acabasse. Deu certo, o afastamento encerrou dia 30 de agosto e a tese foi defendida no dia 22 do mesmo mês. 

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

SF: Escrever a tese sabendo que poderia perder meu pai. Além de morar em outro Estado, ele foi diagnosticado com a doença de Parkinson. A doença evoluiu rapidamente e ele faleceu, em 17 de setembro de 2023. Jamais esquecerei o dia que lhe contei que era doutora. Ele estava deitado no leito de hospital e se emocionou. Naquele momento o sentimento de “dever cumprido” tomou conta de mim sem precedente. O esforço para entregar foi compensado pela alegria de meu pai. Sim! Foi uma dificuldade, mas também um motivo a mais para concluir a pesquisa. 

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

SF: Bibliotecários e suas práticas biblioteconômicas em instituições históricas; catálogos como fontes de pesquisa histórica; marcas de proveniência bibliográfica como método para resgatar a memória dos acervos e dos seus respectivos doadores; a biblioteca como lugar de sociabilidades; a biblioteca particular privada como reflexo da memória institucional e da memória de homens públicos que se projetaram por intermédios de suas bibliotecas particulares privadas. 

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

SF: Pretendo me inserir no Programa de Pós-Graduação. 

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

SF: Sem dúvida teria organizado melhor a leitura das minhas fontes com objetivo de estender o recorte cronológico da pesquisa para estudar a trajetória de outras bibliotecárias no IHGB. 

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

Durante o doutorado publiquei um artigo na Revista PontodeAcesso: Revista do Instituto de Ciência da Informação da UFBA, intitulado “Dedicatórias manuscritas: marcada de proveniência fonte e objeto de pesquisa”. Colaborei com o artigo “O Silêncio dos Livros Censurados pela Ditadura Militar: uma abordagem a partir da perspectiva do Patrimônio Bibliográfico”. Fui coautora dos artigo “Batendo Perna por aí… nas bibliotecas cariocas: relato de experiência de um projeto de extensão em educação patrimonial” e “Gestão de riscos em acervos bibliográficos: análise de riscos na Biblioteca Francisca Keller”. Participei de muitos eventos na área de Biblioteconomia, dei várias palestras. Ainda não publiquei nenhum artigo sobre a tese, mas já estou preparando o material para divulgar ainda este ano. 

DC: Exerceu alguma monitoria/estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

SF: Fui isenta dos estágios, pois já integrava o corpo docente do Departamento de Biblioteconomia da UNIRIO.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

SF: Sugiro que tome a tese não apenas pela temática desenvolvida, mas, principalmente pela metodologia aplicada para avaliar a evolução e a trajetória da instituição e de sua biblioteca. Não é possível estudar uma biblioteca sem levar em conta a agremiação que custodia as coleções. O IHGB não é apenas uma instituição, mas um centro de memória com biblioteca, museu e arquivo.  

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

SF: A mais transparente possível. Não escondi os medos, dificuldades e alegrias da pesquisa. Costumava informá-las de tudo, até das viagens que fazia para Paraíba, afinal trabalhamos com prazos e metas. 

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

SF: Pretendo desenvolver vários projetos em razão da tese, como: ampliar o recorte temporal da pesquisa a fim de resgatar a memória de outros profissionais que contribuíram não apenas para a biblioteca do IHGB, mas para Biblioteconomia brasileira; estudar a atuação da biblioteca, a evolução do acervo entre 1964-1985. Gostaria de compreender como a biblioteca lidou com esse período delicado da história.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

SF: Todas as disciplinas que cursei no programa de Pós-Graduação me ajudaram a pensar no objeto de pesquisa. Aprendi que o pesquisador deve se atentar para o lugar e o meio social de quem já tratou sobre a temática similar a sua pesquisa. Aprendi que uma tese não precisa ser necessariamente original, mas a abordagem que damos sim. O programa de pós-graduação reforçou que a revisão historiográfica nos ajuda a ter segurança na pesquisa e nos ajuda a elucidar os caminhos da pesquisa. Aprendi que a história não se repete já que o tempo não se repete. Certa que contribuo para o programa na medida que divulgo a tese. 

DC: Você por você: 

SF: Nunca imaginei que pudesse me tornar doutora. Saí de uma cidade muito pequena no interior da Paraíba para trabalhar como doméstica. Por sorte, uma família me acolheu e inoculou o desejo de conquistar um espaço através do conhecimento. Sim! Conhecimento ocupa espaço. Na tentativa de melhorar de vida e ajudar minha família, fiz a graduação em Biblioteconomia. Durante o curso, descobri o amor pela pesquisa e decidi seguir com o mestrado. No final da pós-graduação, passei para a Universidade que me formou. Pela força do ofício e na expectativa de contribuir para ampliar os estudos no campo da História do Livro e das Bibliotecas, decidi estudar a Biblioteca do IHGB. Fiz o que pude, abdiquei de muita coisa para conquistar o espaço que me inseri. Padeço de saudade da minha família, mas aos poucos aprendi que saudade não enche barriga. 


Entrevistada: Stefanie Cavalcanti Freire

Entrevista concedida em: 29 fev. 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Stefanie Cavalcanti Freire

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »
Pular para o conteúdo