
Editorial: É preciso mais mulheres na Ciência: por quê?, por Claudia Linhares Sales

É preciso mais mulheres na Ciência: por quê?
Cláudia Linhares Sales
linhares@dc.ufc.br
Dia 11 de fevereiro é o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. Essa efeméride, muito bem vinda, foi aprovada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em dezembro de 2015. Afinal, trazer visibilidade à participação das mulheres na ciência é um passo na conscientização coletiva da importância vital de uma participação equitativa dos gêneros na ciência e na academia brasileira, em todos os níveis.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) instituiu em 2019 o Prêmio Carolina Bori para reconhecer os talentos de mulheres e meninas na ciência, e ao mesmo tempo render homenagem à sua primeira presidenta, a professora, psicóloga e cientista Carolina Bori (1924-2012). A cerimônia de premiação é sempre realizada no Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. As premiadas se alternam: em um ano a SBPC premia mulheres cientistas reconhecidas e, no outro, as meninas cientistas talentosas. Para esta 6a Edição do Prêmio, dedicado a meninas na ciência, tivemos 765 inscrições válidas, vindas de todo o Brasil, representando um aumento de 71,5% em relação à edição anterior nesta categoria, realizada em 2023. Em 2024, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criou o prêmio Mulheres e Ciência, que será outorgado pela primeira vez em 2025. Além do Prêmio Carolina Bori, a SBPC mantém, desde de 2017, o portal Ciência e Mulher com objetivo de dar visibilidade à produção acadêmica, tecnológica e científica das mulheres. Não nos falta material.

E qual a razão de festejarmos essa efeméride, termos essas premiações, esse portal e tantas outras iniciativas importantes dirigidas ao reconhecimento, à indução e à valorização da participação da mulher na ciência? Para responder, em tom bem jocoso, usarei uma expressão que vem sendo repetida recentemente em redes sociais, de origem norte-americana, pretendendo tudo explicar ou reduzir: “É a economia, estúpido!”.
O percurso das mulheres na educação básica, superior e na pós-graduação mostra a razão pela qual desperdiçar a força de trabalho, a capacidade e o talento das mulheres é no mínimo uma afronta à razoabilidade quanto ao aproveitamento dos investimentos feitos pelo país na formação de pessoas. Vamos aos dados. De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação. Segundo a CAPES, em 2024, dos 407 mil alunos de mestrado e doutorado no Brasil, 224 mil são mulheres, totalizando 55% dos matriculados em cursos de pós-graduação stricto sensu.

Esses dados mostram predominância feminina significativa no ensino superior e na pós-graduação. Entretanto, em postos de trabalho, mesmo dentro da academia, estranhamente a participação feminina é significativamente inferior. Ainda segundo o Censo do Ensino Superior do INEP de 2016, na docência, os homens são maioria. Dos 384.094 docentes da Educação Superior em exercício, apenas 45,5% são mulheres. Ainda que essa diferença seja atribuída à falta de renovação no quadro docente do ensino superior, como justificar, segundo o movimento “Parent in Science”, que, dos 20,9 mil bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq em 2022, 65% sejam homens e apenas 35% mulheres? Diferença que se aprofunda ao considerar a distribuição em níveis. No topo da classificação dos pesquisadores feita pelo CNPq, 73% são homens e 27% são mulheres. Segundo o levantamento divulgado no estudo “Gender and the Scissors Graph of Brazilian Science: From Equality to Invisibility” de Silva R., et al., publicado em 2024 na Revista Brasileira de Pós-Graduação, enquanto que as mulheres são 43% dos docentes da pós-graduação, elas são apenas 28% dos coordenadores de área dos cursos de pós-graduação reconhecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O percentual de mulheres em cargos de decisão dentro do nosso sistema de educação, ciência e tecnologia é também um indicativo do desperdício de talentos e capacidades. Jamais o CNPq foi presidido por uma mulher, jamais tivemos uma mulher nomeada Ministra da Educação. Apenas recentemente, tivemos a primeira mulher nomeada Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, e a primeira mulher eleita Presidenta da Academia Brasileira de Ciências, a Professora Helena Nader, que anteriormente, e isso nos orgulha, foi a terceira presidenta da SBPC.
Esses números não são de todo inexplicáveis, mas revelam estupidez. Embora já se perceba uma mudança na divisão de tarefas e responsabilidades na parentalidade, o maior ônus em ter filhos continua, geralmente, a recair sobre as mulheres e no caso das mulheres cientistas, comprovadamente, há uma queda significativa de suas produtividades, e consequente penalização de suas carreiras. Por outro lado, é vital para o desenvolvimento e sustentabilidade econômica do país que as mulheres continuem a desejar ser mães. Um dos maiores problemas atuais em alguns países ricos é a baixíssima taxa de natalidade. E no Brasil, a taxa de natalidade tem caído muito mais rapidamente do que o esperado, levando a uma distribuição demográfica economicamente inquietante. Logo, é urgente que as políticas públicas valorizem a maternidade. No nosso caso, deveriam prover mecanismos de proteção às carreiras e emprego das mães cientistas, a fim de que o Brasil construa uma trajetória de crescimento sustentável. Uma outra explicação para a predominância masculina em cargos melhores remunerados, em cargos de decisão ou liderança na academia, e fora dela, pode ser, mais uma vez jocosamente falando, “a força do hábito”. A nossa estrutura social continua a imprimir ao gênero feminino certas incapacidades e ao gênero masculino certas virtudes, ambos sem qualquer base científica. Esse “hábito” inconfesso nos atrasa a todos, pois ao pratica-lo, abre-se mão de profissionais brilhantes e extremamente capacitadas para a produção de conhecimentos e novas tecnologias. No ano de 2024, junto com a ABC, a SBPC comemorou o centenário de nascimento de cientistas fantásticas tais como Carolina Bori, Berta Ribeiro e Johana Döbereiner. Foi a cientista Johana Döbereiner, a quem dedicamos uma exposição no principal corredor do Congresso Nacional em agosto de 2024, que desenvolveu técnicas de fixação biológica de nitrogênio em culturas de soja, tornando dispensável o uso de fertilizantes químicos, revolucionando desta forma a qualidade e a escala da produção da soja no Brasil, com consequente impacto econômico da ordem de bilhões de reais para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Quantas “Johannas” estamos desperdiçando?
São as comemorações e efemérides tais como o 11 de fevereiro que nos ajudarão não apenas a quebrar “hábitos” prejudiciais à nossa sociedade, mas também motivar meninas e mulheres a seguir a carreira científica com justo reconhecimento e valorização. O Brasil precisa.
Sobre a autora:
Pós-doutora pelo Centre de Recherche Inria Sophia Antipolis – Méditerranée (França) e Simon Fraser University (Canadá). Doutora em Informatique – Recherche Operationnelle pela Université de Grenoble I (França). Mestra em Engenharia de Sistemas e Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tecnóloga em Processamento de Dados pela Universidade Federal do Ceará.
Professora do Departamento de Computação e do Programa de Pós-Graduação em Computação da Universidade Federal do Ceará. Membra do Conselhos de Estudos Avançados da Universidade Federal do Ceará. Secretária Geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Redação: Cláudia Linhares Sales
Diagramação: Ana Júlia Souza
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