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v. 1, n. 9, nov. 2023
Entrevista com Clarice Campos sobre sua pesquisa que resgatou a atualidade e legado da escritora negra Carolina Maria de Jesus

Entrevista com Clarice Campos sobre sua pesquisa que resgatou a atualidade e legado da escritora negra Carolina Maria de Jesus

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Entrevista com Clarice Campos sobre sua pesquisa que resgatou a atualidade e legado da escritora negra Carolina Maria de Jesus

Clarice Maria Silva Campos
profclara2004@gmail.com

Sobre a entrevistada

Clarice Maria Silva Campos, defendeu sua dissertação de mestrado em 2022, pelo Programa de Pós-Graduação em Memória e Acervos, da Fundação Casa de Rui Barbosa, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Herculano Lopes.

A professora tem como hobbies ler, ir ao cinema, ao teatro, praticar natação, corrida de rua e capoeira. Natural do Rio de Janeiro, Clarice é professora convidada em programas de pós-graduação e ministra as disciplinas de Literatura e Representatividades Negras, Literatura Digital e Carolina Maria de Jesus: literatura e memória.

Sua dissertação, intitulada “Carolina Maria de Jesus: a preservação da memória e o impacto na contemporaneidade da literatura produzida pela mulher negra brasileira” buscou evidenciar a importância na atualidade do resgate da vida e obra literária da escritora negra Carolina Maria de Jesus (1914-1977). Nessa pesquisa, a autora apresenta a trajetória da escritora e tematiza as questões vividas por mulheres negras e faveladas, e como Carolina de Jesus  apresenta uma narrativa contra-hegemônica, capaz de visibilizar e inspirar mulheres negras brasileiras ainda na atualidade, após mais de 60 anos da publicação do seu livro mais famoso.

Clarice nos relata, nesta entrevista, como foi o desenvolvimento de sua pesquisa e a sua experiência no programa de mestrado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Clarice Campos (CC): O desejo de desenvolver uma pesquisa de mestrado envolvendo a literatura já me acompanhava desde a graduação, porém depois de aposentada eu tive uma disponibilidade maior de tempo para me dedicar à leitura e à escrita de textos acadêmicos. Desde a infância eu sempre gostei muito de ler e, embora o meu repertório de leitura fosse amplo, a autoria e as personagens das histórias que eu lia, em geral, apresentavam padrões físicos e sociais recorrentes e distantes dos meus. A minha trajetória se parece em alguns pontos com a história de Carolina Maria de Jesus e com as histórias de muitas mulheres brasileiras. A escritora me deu o testemunho de que certos silêncios precisam ser rompidos e que para isto, a escrita pode ser um instrumento eficaz. Assim, minha pesquisa relaciona-se com o discurso da mulher negra no âmbito da literatura, tendo como ponto de partida a obra de Carolina Maria de Jesus. 

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

CC: A recuperação de textos, personagens e narrativas de Carolina Maria de Jesus podem contribuir para aproximar leitores e preencher lacunas em histórias de experiências e conquistas de outras pessoas, sobretudo, homens e mulheres negras.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

CC: Evidenciar a importância do resgate da vida e obra literária da escritora negra Carolina Maria de Jesus num momento de discussões sobre interseccionalidade e, em que mulheres reivindicam seu espaço e sua voz na sociedade. A partir dos elementos materiais e simbólicos presentes na literatura produzida por Carolina, outras memórias podem ser enriquecidas, além disso é possível pensar no feito literário de uma escritora, cuja escrita é um marco de alguém que rompeu muitas barreiras.

Quando Carolina apareceu no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, estava posicionada na margem da margem e ainda assim, foi capaz de expressar com sensibilidade e talento, uma reflexão sobre a própria situação dentro da sociedade, produzindo uma obra tão vasta e tão rica

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

CC: A obra e os impactos produzidos pela escrita de Carolina Maria de Jesus suscitam reflexões sobre questões como rasura no cânone literário, literatura e poder, silenciamento de mulheres, representatividade de pessoas negras e direito à escrita como forma de expressão. Enfim, faz-se necessário pensar a própria formação e a estrutura da sociedade brasileira a partir dos marcadores identitários gênero, raça e classe. Conforme nos aponta Lélia Gonzales: “a nossa sociedade possui um sistema político de dominação da classe dominante rigoroso, conferindo à população negra, uma posição extremamente desvantajosa.” (Gonzales, 2020, p. 94.)

Ao descrever a realidade da comunidade de onde fala, como moradora da favela do Canindé, Carolina, em alguma medida, descreve também a situação das favelas brasileiras, que surgem no cenário pós-fim da escravidão no Brasil. A escritora escreve com o olhar de dentro da favela, confrontando a marginalidade, a negligência política e uma herança de preconceitos contra as mulheres.

Além de apresentar a trajetória literária e de vida de Carolina Maria de Jesus, com o  objetivo de mostrar com maior clareza as relações internas e externas, os componentes histórico-culturais, os desdobramentos temáticos e as características peculiares nas obras de mulheres negras na atualidade, no capítulo III da pesquisa, 7 (sete)  escritoras negras contemporâneas foram entrevistadas.

Desse modo, as cinco perguntas aqui listadas fizeram parte do roteiro das entrevistas, as quais as escritoras responderam livremente:  

1. Como foi sua relação inicial com a Literatura? 

2. Como a senhora vê a participação atual de escritoras negras no mercado editorial brasileiro? 

3. Como a senhora analisa o movimento negro brasileiro e como a senhora percebe o engajamento da sociedade civil em relação ao movimento? 

4. Qual a importância na Literatura, das trajetórias individuais de mulheres negras que vêm se destacando em diversos setores da sociedade? e por último, 

5. existem características que marcam especificamente as narrativas escritas por mulheres negras?

As respostas foram comentadas e analisadas com ênfase na relação com a memória, com identidades e representatividades, revelando uma geração de escritoras negras. As escritoras apontaram o que significa ser hoje uma mulher e negra dentro do mercado editorial e o papel da literatura que vai além do valor de resistência ideológica. Na análise das respostas podemos evidenciar congruências, percursos literários e de vida com algumas semelhanças e diferenças nas escolhas de caminhos para produção escrita.

Dessa forma, o trabalho foi desenvolvido na linha de pesquisa 2: Práticas Críticas em acervos: Difusão, acesso, Uso e apropriação do Patrimônio Material e Imaterial.

Considerando questões como o preconceito e as constantes lutas por conquista de espaço contra o racismo e o sexismo, a pesquisa buscou evidenciar as ações desenvolvidas pelas mulheres negras em prol de seu reconhecimento social, com destaque para a literatura.

A relevância científica se traduz na colaboração com os estudos a respeito da literatura como ferramenta de resistência e preservação da memória social de um grupo, tendo como objeto a literatura produzida pela mulher negra brasileira.     

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

CC: Com a contribuição da obra A integração do negro na sociedade de classes de Florestan Fernandes, publicada pela primeira vez em 1964, refletimos sobre os mecanismos de controle sociais exercidos pelas classes burguesas, a marginalização do negro na sociedade, a desconsideração de suas histórias e suas culturas. Utilizamos também os estudos de Lélia Gonzáles para pensar a nossa sociedade marcada pelo  racismo e o sexismo,  onde mecanismos sustentam uma ideologia de dominação sobre negros e mulheres. “Fortes sustentáculos da ideologia de dominação, fazem dos negros e das mulheres cidadãos de segunda classe, não é difícil visualizar a terrível carga de discriminação a que está sujeita a mulher negra (Gonzales, 2020, p. 109). 

É necessário, então, refletir sobre as questões relacionadas à classe, raça e ao gênero e como esses marcadores se apresentam e se relacionam na trajetória intelectual e na subjetividade da produção literária de mulheres negras. Kimberlé Crenshaw, teórica feminista e professora estadunidense, utiliza a metáfora da interseção para explicar as consequências da interação entre dois ou mais eixos de poder (raça, etnia, gênero, classe etc.). São eixos complexos e constituem avenidas por onde sistemas distintos e excludentes como o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe se sobrepõem e se entrecruzam criando interseções. Mulheres racializadas e pessoas pertencentes a outros grupos minoritários, por exemplo, estão posicionadas nessas interseções onde 2, 3 ou 4 eixos se cruzam, e portanto, dentro de um contexto onde são colididas por um fluxo que vem simultaneamente de várias direções resultando em colisões simultâneas (Crenshaw, 2002). Carolina está posicionada na interseccionalidade, na condição de pobre, negra e mulher. O local de onde Carolina fala é o da base da pirâmide socioeconômica, portanto, o local de subalterna. Some-se a essa, outras implicações, condicionando-a permanecer ideologicamente nos espaços periféricos, como por exemplo, o fato de ser do interior, ser mãe solteira e ter pouca escolaridade.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

CC: A pesquisa teve caráter investigativo e foi desenvolvida a partir de fontes bibliográficas, artigos científicos e materiais videofonográficos. As fontes principais foram os livros de autoria de Carolina e os textos de cunho biográfico sobre a escritora.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

CC: Nenhuma entrevista realizada com as escritoras contemporâneas foi realizada presencialmente.  A opção pelo uso das tecnologias se deu, sobretudo em consequência do período da pandemia da COVID-19. A pandemia também dificultou o acesso aos locais de guarda do acervo literário de Carolina. 

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?

CC: 50% inspiração. A recuperação de textos, personagens e narrativas de Carolina Maria de Jesus contribuíram para preencher lacunas da minha própria história como mulher e negra. 50% de transpiração, sobretudo pela escrita num momento de distanciamento e tristeza coletiva no cenário de uma pandemia. 

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

CC: Pelo motivo já citado do distanciamento imposto pela pandemia da COVID 19, as aulas foram quase que exclusivamente online. Evidentemente que a interação pessoal teria outro sentido, porém de alguma maneira pela fragilidade do momento nos mantivemos muito unidos.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

CC: Nós estávamos isolados da família e dos amigos por conta da pandemia. Eu ficava bastante sozinha para as leituras e escrita de textos. 

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

CC: Creio que há ainda muitos estudos a serem realizados contemplando identidades distintas, incluindo gênero e raça nos temas. A partir daí outras pesquisas podem ser feitas trazendo à luz outros aspectos da biografia e da produção escrita de Carolina Maria de Jesus e de narrativas de outras escritoras negras. 

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

CC: Concomitantemente ao mestrado cursei uma pós-graduação (Lato-sensu) em literatura Brasileira de autoria feminina pela Universidade Cândido Mendes. Participei de seminários e eventos acadêmicos entre os quais:

i. Processo formativo Flup Pensa – Narrativas Curtas “UMA REVOLUÇÃO CHAMADA CAROLINA”, iniciativa da Flup – Festa Literária das Periferias, de 12 de maio a 19 de agosto de 2020;

ii. II Jornada Fluminense de pós-graduandos em Acervos, Preservação e Memória, realizada nos dias 04,05 e 06 de outubro 2022. FIOCRUZ Simpósio Temático ST45. Indígenas e africanos: vivências, narrativas e identidades no Brasil durante o 3ºEncontro Internacional História & Parcerias e 7º Seminário Fluminense de Pós-Graduandos em História, realizado a partir da cidade do Rio de Janeiro entre 18 e 22 de outubro de 2021;

iv. Comunicação no II Webinário Literaturas de Autoria Feminina, organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura, da Faculdade de Letras da UFRJ, e realizado de 08 a 10 e novembro de 2021; 

v. Comunicação na III Jornada Feminismos Decoloniais em Questão realizada de 7 a 11 de novembro de 2022 Universidade Federal do Maranhão, com o trabalho: Carolina Maria de Jesus: a preservação da memória e o impacto na contemporaneidade da literatura produzida pela mulher negra brasileira

Recentemente publiquei a matéria: “O Universo Individual e Coletivo de Carolina Maria de Jesus”, junto a revista Úrsula.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

CC: Estou atuando como professora convidada na Pós-graduação em Literatura Brasileira de Autoria Feminina da EDUCAMAIS ministrando a disciplina Carolina Maria de Jesus: Literatura e Memória e me apresentando para palestras como por exemplo a mediação e visita guiada na mostra “ De Úrsula a Ponciá Vicêncio: 200 anos de Independência do Brasil e de escrevivências de mulheres negras Referente ao edital de seleção Retomada Cultural RJ, criado pela Secretaria de estado e Economia Criativa do Rio de Janeiro. 

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

CC: Pretendo pesquisar o impacto, as semelhanças e diferenças nas narrativas produzidas por escritoras negras que apareceram antes de Carolina Maria de Jesus e as que vieram depois. 

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

CC: Fiz muitas leituras. Faria novamente, porém fazendo resumos e fichamentos desde o início. 

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

CC: O programa me deu um corpo docente que é um luxo e um orientador erudito e sensível que esteve ao meu lado durante a caminhada. 

DC: Você por você:

CC: Sou a mãe da Vitória Ariel. Uma professora apaixonada por livros e histórias. Durante mais de 40 anos atuei em escolas públicas de classes populares do Rio de Janeiro. Também gosto muito de esportes: nado, corro e sou capoeirista. Escrevo por prazer e espero publicar meu livro solo. Já participei de algumas antologias entre elas a celebrada “Carolinas – A nova geração de escritoras negras brasileiras”, da editora Bazar do Tempo, resultado do processo formativo da FLUP (Festa Literária das Periferias), que no ano de 2020 homenageou Carolina Maria de Jesus. Atualmente sou professora aposentada da Secretaria Municipal de Educação do Município do Rio de Janeiro e sou professora convidada em  cursos de pós-graduação em Literatura Infantil e Juvenil e em Literatura Brasileira de Autoria Feminina.  


Entrevistada: Clarice Maria Silva Campos

Entrevista concedida em: 15 maio 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Clarice Maria Silva Campos

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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