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v. 3, n. 2, fev. 2025
Entrevista com Ana Patrícia Moura sobre a mediação da informação sobre mulher, gênero e feminismo na pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil

Entrevista com Ana Patrícia Moura sobre a mediação da informação sobre mulher, gênero e feminismo na pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil

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Entrevista com Ana Patrícia Moura sobre a mediação da informação sobre mulher, gênero e feminismo na pós-graduação em Ciência da Informação no Brasil

Ana Patrícia Silva Moura
ana.moura@ufrn.br

Sobre a entrevistada

Em 2022, Ana Patrícia Silva Moura concluiu seu mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação da Profa. Dra. Gisele Rocha Côrtes. 

Natural de João Pessoa (PB), Ana Patrícia é professora substituta do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Nas horas vagas, ela gosta de ler, cozinhar e socializar.

Sua dissertação, intitulada: “A mediação da informação sobre mulher, gênero e feminismo nos Programas de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Brasil”, investiga como os temas relacionados à mulher, gênero e feminismo são abordados em pesquisas acadêmicas na área de Ciência da Informação no Brasil, entre 2010 e 2020.

O estudo destaca que, ao pesquisarem esses temas, as mulheres têm um papel fundamental na produção e divulgação de conhecimento sobre direitos, cidadania e na luta contra as desigualdades de gênero.

Nesta entrevista, Ana Patrícia compartilha detalhes sobre sua pesquisa, os desafios do período de mestrado e sua perspectiva na carreira docente e doutoranda.

DC: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Ana Patrícia Silva Moura (AM):  As discussões sobre gênero e mulheres despertaram em mim algumas inquietações desde a graduação em Biblioteconomia, quando tive meu primeiro contato com a temática, por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Durante o PIBIC, investigamos os canais de informação pelos quais as mulheres vítimas de violência buscavam atendimento no centro de referência localizado em Campina Grande, na Paraíba. O meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi fruto dessa pesquisa. Pesquisar sobre mulheres sempre representou estar engajada em uma causa, em uma posição de enfrentamento e resistência. Desde aquela época, meus objetivos profissionais sempre foram voltados para a docência. No mestrado, a temática foi abordada de forma científica, analisando qualitativamente como os trabalhos de mestrado e doutorado discutem gênero e mulheres articulados ao conceito de mediação da informação. Essa fase foi uma forma de me aproximar de um sonho que, aos poucos, vem se concretizando.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

AM: As mulheres cientistas e a comunidade acadêmica da área da Ciência da Informação

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?

AM: A dissertação, cujos resultados apresentam informações sobre a disseminação de trabalhos e estudos sobre mulheres, contribui para a promoção da autonomia e emancipação das mulheres. Além disso, as investigações científicas, incluindo as pesquisas de mestrado e doutorado sobre o tema, desempenham um papel importante na promoção da equidade entre mulheres e homens. Essa ação, além de ser uma intervenção social que questiona as estruturas institucionalizadas na sociedade, está intrinsecamente relacionada, na área da Ciência da Informação, à mediação da informação, que é o objeto de estudo da pesquisa. Na mediação da informação, a ação posiciona a informação como um instrumento que favorece o desenvolvimento do protagonismo social, conforme aponta a pesquisadora Henriette Gomes (2019).

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

AM: Na época, a linha de pesquisa era a “Organização, uso e acesso à informação”. Sua ementa enfocava as teorias, metodologias e tecnologias voltadas à produção, representação, organização, apropriação, democratização, usos e impactos da informação. Assim, a mediação da informação na produção científica sobre mulheres se relaciona tanto com a produção de informações quanto com a apropriação da informação, considerada seu produto final. Após a reformulação das linhas de pesquisa, acredito que minha dissertação se encaixaria na linha, intitulada “Memória, mediação e apropriação da informação”, justamente por ter a mediação como um de seus principais objetos de análise.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

AM: Não é possível citar apenas um trabalho que tenha contribuído para essa tomada de decisão. Diversos artigos influenciaram minha escolha, como o de Oswaldo Almeida Júnior (2015), que discute a mediação da informação, o de Henriette Gomes (2019), sobre protagonismo social, o de Joan Scott (1995), sobre gênero, o de Gilda Olinto (2011), sobre mulheres na carreira científica, o de Kimberlé Crenshaw (2002), sobre interseccionalidade, e as dissertações de Maria Cristiana Félix Luciano (2021) e Aurekelly Rodrigues da Silva (2020).

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

AM: Comecei identificando os 17 PPGCIs na Plataforma Sucupira. Em seguida, busquei as dissertações e teses nos repositórios de cada instituição, utilizando os descritores “mulher”, “gênero” e “feminismo” nos campos de busca. Após a coleta, criei uma base de dados contendo informações sobre a quantidade de pesquisas realizadas, o ano de defesa, o PPGCI ao qual os trabalhos estavam vinculados, as linhas de pesquisa relacionadas, e o gênero das autorias e dos orientadores. Também foram extraídos do Currículo Lattes dos pesquisadores dados sobre a vinculação institucional, a atuação profissional e acadêmica, e a titulação.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

AM: Tive dificuldade na coleta dos dados nos repositórios institucionais. O processo de recuperação das dissertações e teses foi dificultado pelo grande volume de documentos indexados. Inicialmente, não consegui aplicar filtros específicos para selecionar apenas os documentos dos departamentos ou centros de pesquisa, pois essa funcionalidade era nova e desconhecida. Além disso, os repositórios da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal Fluminense (UFF) estavam em manutenção, o que impediu o acesso a esses sistemas. Posteriormente, consegui recuperar os documentos utilizando atalhos mais visíveis nas bases de pesquisa. Encontrei dificuldades, especialmente no repositório da USP, onde não era possível selecionar departamentos ou centros específicos para refinar a busca. Após inserir os termos ‘mulher’, ‘gênero’ e ‘feminismo’ no campo de busca, a pesquisa foi direcionada para outra página, permitindo filtrar pela sigla do Centro de Documentação e Biblioteconomia (CDB), onde o PPGCI da USP está localizado. Em várias buscas, os resultados obtidos não correspondiam ao foco da pesquisa, pois muitos documentos tratavam de temas diferentes. Diante dessas dificuldades relacionadas às dinâmicas de busca, selecionei os dados a partir da leitura dos resumos das dissertações e teses.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?

AM: Foi preciso um pouco de inspiração e bastante esforço. Iniciei o mestrado durante a pandemia, passei por um processo de luto e fiquei um ano sem bolsa. Todos esses fatores dificultaram minha trajetória e me levaram a solicitar a prorrogação de 6 meses para o prazo de defesa.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

AM: Infelizmente, em 2020, no início do mestrado, houve um corte orçamentário nas bolsas de vários programas de pós-graduação, conforme estabelecido pela Portaria 34/2020 da Capes. Esse corte, aliado à pandemia, gerou grandes dificuldades financeiras e afetou profundamente minha dignidade. Naquela época, precisei me dedicar a trabalhos informais, conhecidos como “bicos” ou freelancer, que não ofereciam estabilidade. Passei a maior parte do tempo trabalhando como pesquisadora eleitoral telefônica, sem direito a descanso aos domingos e feriados. Durante o dia, assistia às aulas do mestrado e, à tarde, reservava um tempo para o trabalho freelancer. O corte de bolsas também me obrigou a abrir mão de um apartamento que eu tinha alugado para cursar o mestrado, na cidade de João Pessoa, na Paraíba. Sem bolsa, não havia como custear uma moradia de forma digna.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

AM: Como estávamos em plena pandemia, os nervos de todas as pessoas estavam à flor da pele. Mas, no geral, a convivência foi harmoniosa, apesar de tantos percalços. Minha mãe era uma grande incentivadora dos meus estudos, desde a minha infância, então desde sempre a minha educação era uma prioridade para ela. No final de 2020, devido ao seu adoecimento, a nossa relação foi mais fortalecida ainda, o que me aproximou ainda mais dos meus outros familiares.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

AM: Eu recomendaria paciência durante todo o processo, desde a seleção até a defesa da dissertação. Essa paciência deve se refletir na construção de hábitos que servirão como alicerce para a elaboração de uma pesquisa consistente e rica em informações científicas. Embora seja importante pensar no futuro, é essencial não esquecer que as ações no presente são fundamentais para alcançar essas metas posteriormente.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

AM: Durante o mestrado não consegui publicar tanto quanto gostaria, mas o único texto que publiquei no XXII ENANCIB foi premiado no GT Especial. Esse prêmio foi extremamente importante, pois resultou em um estudo mais aprofundado. Além disso, as reuniões remotas do Grupo de Estudos e Pesquisas em Mediação e Representação da Informação e os Marcadores Sociais da Diferença (Geminas) promoveram uma rica troca de afetos, experiências e teorias, o que me impulsionou a expandir minha visão sobre a pesquisa científica. Em relação à dissertação, seis novos estudos foram publicados, ampliando a compreensão sobre pontos específicos que geraram muitas inquietações. Outros textos ainda estão em processo de publicação, aguardando os pareceres das revistas. Dentre os seis, o mais significativo é o intitulado Mediação da Informação, Gênero e Mulheres: uma análise das dissertações e teses nos PPGCIs brasileiros (2010-2020), publicado na revista Em Questão. Esse texto aborda o escopo principal da minha dissertação. Vale ressaltar também que os dados sobre a produção científica acerca das mulheres nos PPGCIs já foram atualizados no meu banco de dados, o que abre possibilidades para futuras reflexões e a construção de teorias em projetos que estão em andamento.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

AM: No final do mestrado, tive a experiência profissional como auxiliar de bibliotecas e bibliotecária na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Posteriormente, participei de dois processos seletivos para o cargo de professora substituta, e aqui estou. O primeiro processo seletivo foi na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e o segundo, onde atualmente exerço a função de professora substituta, foi na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Essas três experiências me permitiram adentrar na área da Biblioteconomia e Ciência da Informação de maneiras bastante distintas. Como auxiliar de bibliotecas, pude conhecer a logística e o funcionamento de uma biblioteca universitária, abrangendo desde a organização e o tratamento das informações nos processos técnicos até o atendimento aos usuários. Já como bibliotecária, assumi a responsabilidade de gerir o setor de circulação da biblioteca central, considerado o “coração” da biblioteca. Fiquei positivamente surpresa com os resultados da minha gestão, tanto no que diz respeito ao trabalho com a equipe quanto à administração do acervo, especialmente por ser essa minha primeira experiência como gestora. Atualmente, como professora substituta na UFRN, tenho lecionado as disciplinas de Classificação Bibliográfica I, Recursos e Serviços Colaborativos, Catalogação e Metodologia. A experiência docente, tanto no ensino quanto na orientação de TCCs, tem sido extremamente enriquecedora. Tenho aprendido a ser professora na prática, e meu objetivo é continuar nesse caminho até conquistar a estabilidade em alguma instituição de ensino superior.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

AM: Iniciei o doutorado na mesma área em 2023, na UFPE.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

AM: Teria mais paciência com a minha trajetória, olhando com mais atenção para a minha história de vida. Tenho aprendido que essas ações me fazem fugir um pouco da autossabotagem no que me proponho a fazer.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

AM: O programa me concedeu uma bolsa em junho de 2021, o que me permitiu concluir o mestrado com mais tranquilidade. Também posso destacar os eventos on-line promovidos pelo PPGCI/UFPB, que proporcionaram um ambiente de intensa construção científica. Como retorno ao programa, tive diversas publicações, incluindo a premiada no XXII ENANCIB, além dos desdobramentos e recortes da minha dissertação.

DC: Você por você:

AM: Não consigo falar sobre mim e minha vida profissional sem antes mencionar minha maior incentivadora: Maria das Graças da Silva (in memoriam), minha mãe. Levarei seu nome e sua saudade por onde eu for. Desde criança, ela sempre me estimulou a estudar. Ela também era professora, e quando a via ministrando suas aulas, me imaginava em seu lugar. A escolha pelo curso de Biblioteconomia foi algo que ela percebeu, levando em consideração meu jeito de ser e minhas habilidades, além de ela sempre mencionar as inúmeras oportunidades profissionais na área. Percebo que, por trás disso tudo, há uma grande história de superação e protagonismo, tanto da parte dela — como minha principal influenciadora — quanto da minha, pois me vejo superando desafios e criando oportunidades profissionais. Acredito que somos nós que fazemos as oportunidades, e que não existe um “tempo certo” para isso. O que realmente me move é mergulhar de cabeça nos meus sonhos.


Entrevistado: Ana Patrícia Silva Moura

Entrevista concedida em: 29 dezembro de 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Marcos Leandro Freitas Hübner

Fotografia: Ana Patrícia Silva Moura

Diagramação: Jônatas Silva dos Santos e Pedro Ivo Silveira Andretta

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