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v. 3, n. 2, fev. 2025
Entrevista com Andreza Gonçalves Barbosa sobre sua pesquisa que discute políticas públicas de ressocialização do sistema prisional

Entrevista com Andreza Gonçalves Barbosa sobre sua pesquisa que discute políticas públicas de ressocialização do sistema prisional

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Entrevista com Andreza Gonçalves Barbosa sobre sua pesquisa que discute políticas públicas de ressocialização do sistema prisional

Andreza Gonçalves Barbosa
goncalvesandreza@hotmail.com

Sobre a entrevistada

A bibliotecária Andreza Gonçalves Barbosa defendeu, em 2023, sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, sob a orientação do Prof. Dr. Fabrício José Nascimento da Silveira.

Natural de Minas Gerais, Andreza tem como hobbies dormir, assistir filmes, escutar música e ler notícias. No âmbito profissional, atua como bibliotecária na Prefeitura de Belo Horizonte e docente na Universidade do Estado de Minas Gerais.

Sua tese, intitulada “Políticas públicas de ressocialização no cárcere com enfoque na informação, na educação, na leitura e no trabalho: estudo com egressos do sistema prisional brasileiro“, investigou o impacto das atividades de ressocialização implementadas no sistema prisional brasileiro. A pesquisa buscou compreender a história de vida de sujeitos egressos do sistema prisional, analisando como as políticas voltadas ao acesso à informação, educação, leitura e trabalho contribuíram para sua reinserção social.

Andreza nos conta, nesta entrevista, sobre sua trajetória acadêmica, sua experiência no doutorado e seus projetos futuros.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Andreza Gonçalves Barbosa (AB): Bom, sempre fui uma pessoa curiosa, principalmente em relação assuntos que podem causar certa estranheza, o cárcere é um deles. Outra questão, questões de cunho social sempre me chamaram a atenção, as mazelas do mundo, as mazelas sociais que circundam a sociedade. Durante a graduação em biblioteconomia, cursamos uma disciplina disciplina chamada Usuários da Informação, o trabalho final dela era investigar as necessidades de alguns grupos sociais, o trabalho foi realizado em grupo.

Escolhemos  pesquisar um albergue para moradores de rua, situado em um bairro de Belo Horizonte- Minas Gerais, no local tivemos contato com vários sujeitos que nos concederam entrevistas a respeito de suas vidas, dos variados motivos que o fizeram chegar àquela situação, nos deparamos com  tantas situações tristes e inesperadas que no dia saímos do local pensativos e ao mesmo tempo revoltados, pois ali, presenciamos de perto histórias de pessoas que muitas das vezes são invisíveis aos nossos olhares julgadores. Esta disciplina aliada a outras que mencionavam questões sociais e necessidades de informação variadas  começou a aguçar minha vontade de não parar somente na graduação, foi quando decidi  tentar o processo de mestrado.

No mestrado  pesquisei práticas informacionais de mulheres grávidas do Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade de Vespasiano- MG, uma Região Metropolitana de Minas Gerais. Os resultados apontaram que as mulheres presas grávidas e recém mães  para além de se preocuparem com  o tempo de pena e outras questões relativas ao cárcere, elas se preocupavam mais com  o futuro dos filhos nascidos no local. Durante a pesquisa, pesquisa  constatei que muitas eram leitoras ávidas antes de adentrarem o cárcere e que dentro da prisão , frequentavam o pequeno espaço lá existente destinado à biblioteca cujo nome era ” Vovó Zona”.

Após defender o mestrado, ficou um gosto de quero mais, de querer saber a respeito da vida dos egressos do sistema prisional, de suas necessidades, das políticas de ressocialização, a respeito de uma possível mudança de vida pós cárcere e se as políticas de ressocialização na opinião de quem passou pelo sistema são realmente eficazes.  Diferentemente do mestrado em que investiguei apenas o público feminino, no doutorado, o público seria misto.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e  conclusões alcançados?

AB: Quando comecei a encontrar muitos materiais e recomendações relativas ao sistema prisional no que tange a essas políticas, quando aprofundei no assunto com pessoas que já estudavam a área há mais tempo como, por exemplo, a bibliotecária Cátia Lindemann, inspiração para mim desde a época de mestrado, e quando comecei a entrar em contato com os(as) possíveis entrevistados(as), obtendo retornos positivos de suas participações.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

AB: Conforme citado na resposta anterior, uma das minhas grandes inspirações foi a bibliotecária e ativista das bibliotecas prisionais Cátia Lindemann, ela possui trabalhos publicados na área e foi Presidente da Comissão Brasileira de Bibliotecas Prisionais da Febab, comissão a qual  também fui membro  por mais de dois anos.  Outra inspiração foi quando Cursei uma disciplina intitulada “Sociologia do Crime” na UFMG, a qual me ampliou o olhar a respeito do sistema prisional, pois para além da excelente disciplina,  os colegas da sala eram das áreas de sociologia, antropologia dentre outras, e  alguns trabalhavam no sistema prisional.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

AB: O fato de apresentar à sociedade o fato de  muitos dos  entrevistados atribuírem a eles mesmos o esforço relativo à mudança de vida e não creditarem tais fatos somente  às políticas de ressocialização em si. Outra questão diz respeito ao fato de buscar conhecer a história de vida anterior  desses sujeitos e dar a eles a liberdade de se expressarem da maneira que mais achavam  confortáveis para expor seus relatos.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

AB: No que tange aos relatos dos próprios entrevistados(as), quando mencionam a importância da educação, do estudo, e pode parecer clichê, mas, o fato de todos frisarem que o crime não compensa, que a família e poder dormir com a consciência tranquila sempre serão os bens mais importantes  para uma pessoa. A leitura e os livros também apareceram como grandes aliados para alcançarem a mudança de vida. Em um país em que poucos leem, a leitura da seção “leitura no cárcere”, pode ser uma grande incentivadora para leitores / pesquisadores  interessados  no tema, o que pode ampliar as pesquisas voltadas à temática. 

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

AB: Mostrar para a sociedade que para além de um ambiente inóspito como se apresentam as cadeias, nelas estão inseridos sujeitos com diversas histórias anteriores aos crimes cometidos, sujeitos que adentraram o sistema prisional  não alfabetizados, sujeitos que saíram do sistema iniciando cursos acadêmicos, sujeitos que dentro de suas possibilidades se mostram aptos a retornarem ao convívio social e a contribuírem para melhoria da sociedade, como por exemplo o caso de um dos entrevistados que se descobriu um escritor, e que hoje já tem alguns livros publicados que contam a respeito de sua trajetória no cárcere e que percorre vários espaços explicando o motivo de não valer a pena ser preso.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

AB: Em conjunto com meu orientador procuramos uma metodologia que abarcasse o máximo de possibilidades  que levasse à compreensão da temática pesquisada, um métodos que conseguisse aliar sempre uma dimensão ética e compreensiva.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

AB: Digo que durante a pandemia, a transpiração ocupou grande parte da pesquisa, pois tive que realizar várias mudanças, uma delas, tinha a intenção de adentrar o cárcere, algo proibido devido a Covid.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

AB: No meio do caminho surgiram alguns problemas pessoais, de saúde que afetaram meu rendimento, o que me fez atrasar o cumprimento do prazo. 

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

AB: Tentei manter o melhor possível, embora em alguns momentos, me encontrava em estado de grande irritabilidade e ansiedade.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

AB: Ter que repensá-la, pois o intuito inicial era o  de estudar as políticas de ressocialização intra e extra cárcere, o que foi impossível diante do momento pandêmico, achei que não daria conta.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

AB: Pesquisar “o outro lado”, o do sistema prisional tendo em vista apreender a concepção, manutenção e gestão das políticas públicas elencadas nesta pesquisa pelos olhos e relatos dos próprios gestores.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

AB: Tentar concurso para professor e criar disciplinas relacionadas às políticas sociais e ao acesso à informação. Além disso, também considero prestar concurso para atuar em áreas voltadas à promoção de melhorias sociais.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

AB: Teria sido mais crítica a tudo que passei na vida profissional e pessoal.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

AB: Participei de debates, entrevistas, grupos de pesquisas ligados  à temática, publiquei apenas um artigo relativo à tese na revista da UFG, devido aos 2  trabalhos, o tempo para pesquisa e escrita ficaram escassos.

DC: Exerceu alguma monitoria / estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

AB: Rrealizei estágio docência na Escola de Ciência de Informação da UFMG. Foi uma experiência rica, iniciada com muito medo, inseguranças e incertezas, mas no final deu muito certo.

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

AB: Sim,  ministrei a disciplina Estudos de Usuários e Informação e Cidadania, disciplina criada por mim, os conteúdos me ajudaram na construção da tese.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

AB: Que tenham paciência,  algumas vezes  se sentirão sozinhos, perdidos, às vezes o desânimo aparece, às vezes a vontade de desistir também é grande, mas pensar que para chegar ao doutorado outras barreiras foram quebradas anteriormente nos faz permanecer no propósito. Se optarem por entrevistas assim como fiz, é preciso  procurar os sujeitos  que farão parte da pesquisa  com uma certa antecedência, nunca deixem de levar o projeto ao Conselho de ética, não se esqueçam, pesquisas realizadas com humanos precisam passar por este processo. Sempre faço questão de frisar a importância da ética e integridade na pesquisa. Escrevam o texto de um modo leve, de fácil entendimento a todas as pessoas, chega de textos altamente rebuscados na academia.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

AB:  Deve ser uma relação de confiança, diálogo e respeito.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

AB: até o momento não, assim que tiver um tempo mais livre, pretendo retornar aos grupos de pesquisa.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

AB: Me proporcionou chegar até aqui, fui contemplada com bolsa, tive acesso a bons professores e conteúdos. Acredito que contribuí  apresentando ao  programa e  à Ciência da Informação um tema não muito explorado na área.

DC: Você por você: 

AB:  Essa questão me lembrou o programa da Marília Gabriela.Hoje me considero uma vencedora, passei por muitos percalços na vida. Sou advinda de uma família humilde, criada por mãe solteira com a ajuda de uma tia, pessoas as quais sempre lutaram para me proporcionarem dentro de suas possibilidades valores éticos. Fui aluna do ensino público, e isso me fez crescer como gente, aproveitando cada  oportunidade que aparecia.

Nunca me imaginei uma Doutora, quiçá bibliotecária e  professora universitária.

Uma moça que trabalhou 14 anos em um fastfood, que ia para a aula junto com outros colegas cheirando a gordura, cansada, com sono e que ainda não sabia muito bem que a UFMG era uma universidade pública e uma das melhores do mundo, realmente, isso é algo muito maravilhoso.

Ainda hoje, acho  estranho quando preciso dizer  meu grau de estudo,   tenho medo de algumas pessoas acharem soberba.  Sempre digo, um título é apenas um título, a pessoa vem antes dessas proclamas.

Torço para que outras pessoas com histórias parecidas a minha ou não possam ter acesso a uma universidade pública e de qualidade, e o primeiro passo para isso é investir na educação de base, é acabar com a fome, pois com fome ninguém aprende, é dar acesso a informação confiável a todas as pessoas, para que elas saibam de seus deveres e de seus direitos e assim lutarem por um país mais justo e  democrático


Entrevistado: Andreza Gonçalves Barbosa

Entrevista concedida em: 06 de dezembro de 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Pedro Ivo Silveira Andretta

Fotografia: Andreza Gonçalves Barbosa

Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner

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