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v. 3, n. 2, fev. 2025
Cada um tem um planejamento, um sonho… ou apenas se deixa levar pelo fluxo da vida, por Naira Silveira

Cada um tem um planejamento, um sonho… ou apenas se deixa levar pelo fluxo da vida, por Naira Silveira

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Cada um tem um planejamento, um sonho… ou apenas se deixa levar pelo fluxo da vida

Naira Christofoletti Silveira
naira.silveira@unirio.br

Eu sempre quis ser professora. Com o passar do tempo, descobri que queria ser professora de adultos, mas meu universo era muito restrito, e eu nem sabia ao certo o que isso significava. Naquele momento, entendi que, para ser professora de adultos, deveria atuar em uma faculdade, ou seja, ser docente universitária. A partir daí, meu planejamento foi direcionado para realizar esse sonho.

Na minha época, o acesso ao ensino superior se dava por meio dos vestibulares. Primeiro, analisava-se qual curso era menos concorrido, verificava-se a relação entre o número de candidatos por vaga e, então, fazia-se a prova.

Aliado à equação de candidatos por vaga – e, dentre os cursos de Humanas menos concorridos, optei pela Biblioteconomia, esse foi meu primeiro critério para a seleção do curso –, havia um pano de fundo: eu fazia parte de um grupo de teatro e havia aprendido uma técnica de confecção de bonecos, adotada por uma bibliotecária para incentivar a leitura. O livro que me inspirou foi Teatro de Formas Animadas, de Ana Maria Amaral (1996). Assim, escolhi a Biblioteconomia tanto pela relação de candidatos por vaga quanto pelas ações culturais desenvolvidas nas bibliotecas.

Passei de primeira no vestibular? Não. Tentei novamente? Sim. Passei na UFSCar e na UNESP. Optei pela UFSCar.

Durante o curso, flertei tanto com ações culturais quanto com a área considerada o “núcleo duro” da Biblioteconomia: a Representação Descritiva. Talvez essa revelação lhe cause espanto, pois o perfil do catalogador é, geralmente, associado a alguém tímido, quieto, envergonhado – uma senhora que fica atrás dos livros, catalogando em uma mesa. Eu, no entanto, contava histórias para crianças, fantasiada de Emília (ou não), e também catalogava. Fui igualmente feliz nessas duas atividades, aparentemente tão opostas.

A escolha entre esses dois perfis foi muito difícil. Mas, naquele momento, o sonho de infância prevaleceu. Eu realmente queria ser professora de adultos e fiz uma escolha: aprofundar meus estudos em Representação Descritiva. Por quê? Porque seria mais fácil me tornar docente nessa área, que carecia de estudos, do que na de ações culturais em bibliotecas. Eu tinha pressa em realizar meu sonho: ser docente, ser professora de adultos. E consegui realizá-lo antes dos 30 anos, primeiro em uma universidade particular e, depois, em uma universidade pública.

Agora, entrando no título deste texto – Atividades acadêmicas não previstas –, dou um salto enorme nesta linha do tempo e me encontro exercendo atividades totalmente imprevistas, nunca sonhadas. Veja bem, a atividade acadêmica idealizada quando somos estudantes se expande exponencialmente quando passamos para o lado da docência. E isso é ruim? Não, é maravilhoso. Tem percalços? Sim, muitos.

Dentre as atividades acadêmicas não previstas – aquelas que ninguém nos conta –, as mais difíceis são as que enfrentamos sozinhos. Evoco aqui a solidão – e não a solitude, conceito que aprendi recentemente e que aprecio muito.

Vivenciei coisas inimagináveis no meio acadêmico. A maternidade na ciência evidencia a questão de gênero, e a sobrecarga materna na sociedade reverbera também na ciência. O machismo se faz presente, disfarçado em citações que omitem os prenomes femininos. Não vou desenvolver aqui a maternidade ou as questões de gênero, pois há referências mais apropriadas. No entanto, dentro do tema deste texto – atividades acadêmicas não previstas –, não posso deixar de pontuar a desigualdade de gênero, claramente exposta durante a pandemia. A gritante diferença na produção científica entre homens e mulheres nesse período revela uma realidade: as mulheres não produziram menos, mas se sobrecarregaram mais.

A pandemia também nos mostrou que os cargos administrativos exigem mais do que apenas a titulação.

Eu não estava preparada para perder uma aluna e, dias depois – menos de uma semana, para ser mais precisa –, receber um comunicado de revista com o aceite e a publicação de um artigo nosso (Silveira; Silva; Santos, 2023). Perder uma aluna antes que ela pudesse ver seu artigo publicado me doeu e ainda me dói. Um artigo tão esperado, tão desejado, teve um outro sabor ao ser publicado.

Eu também não estava preparada para ouvir relatos de abusos e assédio por parte de colegas de trabalho, orientadores e gestores na Universidade. O mundo que sonhei não era esse. O ambiente acadêmico que previ também não era esse. Mas, em meio a esse assunto tão delicado e espinhoso, surge um outro lado acadêmico também não previsto: o da ciência colaborativa, da Ciência Aberta, da Ciência Cidadã… das amizades e dos afetos. Do reconhecimento profissional. Do abraço carinhoso de mães, pais, filhas, filhos, companheiras e companheiros em formaturas, defesas de TCC, dissertações e teses.

A pesquisa iniciada há tempos, que se imaginava finalizada com um relatório ou um artigo publicado, na verdade, não se esgota ali. Hoje, entendo que são etapas, instâncias a serem alcançadas. Não há término de pesquisa enquanto a sociedade não se apropria de seus resultados. Isso não significa que a ciência teórica não tenha sentido – ela tem, e muito. Mas aquele papel de cientista isolado, alheio ao universo ao seu redor, já não me cabe, já não me satisfaz.

Meu fazer acadêmico vai além do que previ quando sonhei com a docência, e, a cada dia, novas atividades surgem nesse cenário acadêmico, desenhado por mim e por muitos idealizado.

Os desafios são muitos. As experiências, vastas.

Em diversos momentos da minha vida acadêmica, deixei-me levar pelo fluxo da vida, assumindo compromissos não previstos em meu planejamento ou em meu sonho. O leque de atividades acadêmicas que eu imaginava se resumia a estar em uma sala de aula. Mas a realidade superou a ficção, e, em pouco tempo, me vi envolvida em ações puramente administrativas, como verificar a documentação para a matrícula de um aluno. Também não estava previsto fazer parte do Conselho Universitário, estabelecendo políticas institucionais, tampouco assumir um cargo na Fundação Biblioteca Nacional.

Nunca imaginei ocupar um cargo administrativo na Biblioteca Nacional, uma das dez maiores Bibliotecas Nacionais do mundo. Esse é, até aqui, o maior desafio da minha carreira.

Por fim, aprendi que não podemos ensinar Biblioteconomia isolados em técnicas. Não podemos ensinar Representação Descritiva sem compreender a Cultura. Quero, cada vez mais, aderir aos ensinamentos de Paulo Freire, pois, quando a educação não é libertadora, “o sonho do oprimido é ser opressor” (Freire, 1996).

É preciso construir novas referências acadêmicas, e pretendo direcionar minha atuação para esse caminho.

Referências:

AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas. 3. ed. São Paulo: EDUSP, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

SILVEIRA, Naira; SILVA, Renata; SANTOS, Graziele G. Clube do livro: formando leitores e bibliotecários durante a pandemia. Extensão em Ação, v. 24, p. 8-15, 2023. Disponível em: http://periodicos.ufc.br/extensaoemacao/article/view/70875 . Acesso em: 16 jan. 2025. 

STENGERS, Isabelle. Uma outra ciência é possível: Manifesto por uma desaceleração das ciências. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2023.

Sobre a autora:

Naira Christofoletti Silveira

Coordenadora-Geral do Centro de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura. Professora Associada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, vinculada ao Departamento de Biblioteconomia, cedida para a Fundação Biblioteca Nacional. Professora permanente nos Programas de Pós-graduação em Saúde e Tecnologia no Espaço Hospitalar e no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, do acordo de cooperação com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo. Mestra em Ciência da Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Bacharela em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal de São Carlos.


Redação: Naira Christofoletti Silveira

Foto: Naira Christofoletti Silveira

Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner

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