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v. 3, n. 1, jan. 2025
Impactos da manipulação da Informação na Memória Coletiva

Impactos da manipulação da Informação na Memória Coletiva

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Impactos da manipulação da Informação na Memória Coletiva

Pesquisa utiliza obra “1984” de George Orwell para explorar como a distorção da verdade afeta a identidade social e histórica

Um estudo da Universidade de Brasília analisou o “Regime de Informação” na obra 1984, de George Orwell, explorando como a manipulação da memória, da história e da informação foi utilizada para alterar o passado. A pesquisa contextualizou a Ciência da Informação com a vida e a obra de Orwell, aproximando conceitos da ficção ao campo da Ciência da Informação.

“A escolha do livro 1984, escrito por George Orwell e publicado em 1949, ocorreu em razão da situação apresentada na obra. Os temas da memória e do Regime de Informação foram abordados de forma central durante todo o texto de Orwell. Como se sabe, todas essas temáticas fazem parte do escopo da Ciência da Informação e da rotina daqueles/as que se propõem a atuar de forma prática ou teórica nesse campo”, destacou Jamenson Araujo De Freitas, egresso do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília e autor do estudo.

A pesquisa examinou como a relação entre o passado, a memória e a história foi mediada pela informação. Arquivos, bibliotecas e museus desempenharam um papel crucial na preservação da informação, mas a seleção foi inevitável, já que não é possível guardar tudo. Essa seleção implica que parte da memória foi perdida, apesar do trabalho dos bibliotecários, arquivistas e museólogos.

“Além da nossa incapacidade de preservar tudo, há uma necessidade de esquecer. É por meio do ato de esquecer que nossa memória se conforma. Essa relação, bem como grande parte daquilo que pensamos atualmente, já era observada na Grécia antiga. Para os gregos, a memória era um dom concedido pela deusa Mnemosine aos poetas, chamados de aedos. Ela permitia que o aedo tivesse acesso aos tempos anteriores, da criação. Mas, para alcançar a plena lembrança, o poeta precisava esquecer o tempo presente. Já existia ali uma articulação intrínseca entre lembrar e esquecer”, explicou Jamenson.

O esquecimento abordado em 1984 foi intencional e abrangeu todos os aspectos da sociedade, diferentemente do esquecimento natural, que permite a formação da memória. A memória e a história foram manipuladas para alterar o passado, fenômeno crucial para entender nossa identidade individual e coletiva.

O estudo citou o conceito de “pós-verdade” como exemplo, destacando como fatos objetivos se tornaram menos influentes na formação da opinião pública do que apelos emocionais ou crenças pessoais. Esse termo ganhou destaque em 2016, durante a eleição de Donald Trump e o Brexit, ambos marcados pela disseminação de notícias falsas. A descentralização da informação, facilitada pelas redes sociais, permitiu que qualquer pessoa compartilhasse suas visões de mundo, muitas vezes sem verificação, contribuindo para o abandono da verdade.

Entrevista com George Orwell na BBC em 1940 – Foto BBC / Wikimedia Commons

“Dentro do que foi possível observar, no tempo de preparação e escrita deste trabalho, o livro de Orwell assumiu a posição de ponto de partida para debates sobre a informação e sua participação na construção da representação do passado. Nosso Regime de Informação mudou com uma velocidade que impede sua total compreensão, fato que carece de atenção, tanto por quem se interessa e se debruça sobre esses temas quanto por governantes, que precisam acompanhar e legislar sobre essas redes, especialmente no que diz respeito à vigilância, uso de dados e privacidade”, afirmou o pesquisador.

O livro 1984 de George Orwell foi publicado em 1949 pela Secker & Warburg e tornou-se um best seller – Foto: Companhia das Letras

Após a conclusão do estudo, surgiram reflexões sobre temas não abordados, como o impacto do Regime de Informação no cotidiano. Na segunda parte de 1984, de Orwell, o regime afetou profundamente a rotina de Winston e Júlia, mostrando como a vida cotidiana foi moldada por forças além do controle humano. Amadurecer envolveu adquirir habilidades essenciais para a vida, e um adulto era aquele capaz de viver autonomamente dentro desse sistema.

Outro tema interessante foi a questão dos meios técnicos. O Regime de Informação de Orwell foi fundamentado nas tecnologias da época, como documentos, jornais e a teletela. Hoje, a mudança nos meios informacionais, com o uso crescente de tecnologias eletrônicas para atividades cotidianas, representa uma transformação mais revolucionária que a prensa de tipos móveis de Gutenberg.

O estudo destacou a importância dos meios técnicos no Regime de Informação apresentado em 1984, de George Orwell. A obra foi fundamentada nos recursos e ferramentas técnicas da época, como documentos, jornais e a teletela. Em contraste, o regime atual é marcado pelo uso crescente de meios eletrônicos, o que representa uma mudança revolucionária comparada à prensa de Gutenberg.

A pesquisa também abordou a rápida obsolescência dos meios técnicos, criando um paradoxo relacionado ao esquecimento necessário para a formação da memória. Enquanto Orwell mostrou uma ausência de informação, nossa era enfrenta buracos na memória devido à rápida obsolescência.

Walter Benjamin foi citado para comparar a pobreza de informação à ausência de experiência. Em 1984, a falta de memória e documentos resultou em pessoas sem experiência. O estudo utilizou o conceito de Regime de Informação, desenvolvido por Bernd Frohmann e expandido por Maria Nélida González de Gómez no Brasil, para analisar 1984.

Apesar das várias formas de entender a obra de Orwell, o conceito de Regime de Informação foi escolhido por sua relevância. A ficção de Orwell continua atual, refletindo questões do mundo contemporâneo e fomentando discussões ricas sobre nossa realidade.

“A partir da ficção, foi possível entender um pouco mais da realidade, uma vez que ela carrega traços das intenções e interesses de quem escreve sobre si mesmo e sobre sua realidade. Encerrei o processo de escrita com mais dúvidas que respostas sobre as várias temáticas apresentadas e debatidas ao longo do texto e com a certeza de que, quanto mais se estuda, menos se sabe, já que as dúvidas, além de serem infinitas, surgem no ato da leitura e da escrita”, finalizou Jamenson.

Acesse a dissertação em:

FREITAS, Jamenson Araujo de. Ficção e regime de informação: análise do livro 1984, de George Orwell. 2022. 85 f., il. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) — Faculdade em Ciência da Informação, Universidade de Brasília, Brasília. 2022. Disponível em: http://icts.unb.br/jspui/handle/10482/45752 . Acesso em: 08 de janeiro de 2025.


Redação: Vanessa Forte

Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta

Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner

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