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v. 3, n. 1, jan. 2025
Entrevista com Éverton Camilo sobre sua pesquisa que abordou as políticas públicas do livro e da leitura e a Agenda 2030

Entrevista com Éverton Camilo sobre sua pesquisa que abordou as políticas públicas do livro e da leitura e a Agenda 2030

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Entrevista com Éverton Camilo sobre sua pesquisa que abordou as políticas públicas do livro e da leitura e a Agenda 2030

Éverton da Silva Camilo

everton.camillo@unesp.br

Sobre o entrevistado

Em 2022, Éverton da Silva Camilo concluiu seu doutorado em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), sob a orientação do Prof. Dr. Claudio Marcondes de Castro Filho.

Éverton é natural de Sertãozinho, município do estado de São Paulo, e tem como hobby a fotografia. Atualmente, trabalha como bibliotecário na Prefeitura Municipal de Cravinhos, também localizada no interior paulista.

Sua tese, intitulada “Políticas públicas do livro e leitura: dimensões, critérios e ações para efetivar a Agenda 2030 e promoção sustentável da leitura“, analisou 15 documentos de políticas públicas do livro e leitura de países latino-americanos para verificar em que medida seus objetivos estavam relacionados à Agenda 2030, mais especificamente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de Educação de Qualidade. Em sua pesquisa, constatou-se que mais de 80% dos documentos analisados não se alinham à educação de qualidade, conforme os parâmetros estabelecidos pela Agenda 2030.

Éverton nos conta, nesta entrevista, como desenvolveu sua pesquisa e relata a experiência vivida durante o programa de doutorado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Everton Camillo (EC): Por volta do meu terceiro ano no curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação, percebi que chegar ao doutorado era um objetivo possível. O meu tema de pesquisa foi apresentado pelo meu orientador, o Professor Cláudio Marcondes de Castro Filho. Como já havia trabalhado com o tema das políticas públicas do livro, leitura e bibliotecas durante o mestrado, propus um projeto de pesquisa de doutorado que me permitisse continuar no mesmo tema, explorando outras dimensões dele.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e  conclusões alcançados?

EC: No momento da qualificação da minha pesquisa. Os comentários feitos pelos membros da banca, as suas devolutivas, sugestões e propostas de ajustes me tranquilizaram muito. Acho que foi a partir desse momento que ganhei confiança com o meu tema de pesquisa.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

EC: Na verdade, eu diria que as conversas que eu mantinha com o Professor Cláudio foram muito decisivas para a ideia da minha tese. Sabe quando falamos dos colégios invisíveis? Então, me sentia um pouco assim.

Ainda que não registrássemos nada do nosso bate-papo, sempre estávamos ali, o Professor Claudio e eu, comentando sobre bibliotecas escolares, políticas públicas, a questão da leitura no Brasil, o uso do livro, das bibliotecas, da literatura.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

EC: Minha tese traz um elemento muito importante pra atualidade, que está constantemente nos meios de comunicação, que é o desenvolvimento sustentável. Acredito que o ineditismo está justamente em posicionar a necessidade de haver políticas públicas do livro, leitura, literatura e bibliotecas numa sociedade cada vez mais necessitada de práticas sustentáveis.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

EC: Minha tese contribui com a sociedade no sentido de propormos uma discussão mais ampla, que envolva diversos atores e instituições da sociedade civil organizada, para revermos as políticas públicas brasileiras do livro, leitura, literatura e bibliotecas. Digo rever no sentido de revisar, pois uma vez que estamos falando de um contexto em que convocamos a sustentabilidade à realidade do dia a dia, entendo que as leis e decretos que objetivam a promoção da leitura, da escrita, da literatura, do livro e das bibliotecas no país devem incorporar o pensamento da sustentabilidade para que tais instrumentos jurídicos se adequem aos desafios contemporâneos.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

EC: A grande contribuição da pesquisa foi apresentar uma aferição do quão as políticas públicas do livro, leitura, literatura e bibliotecas de países latino-americanos têm relação ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de educação de qualidade da Agenda 2030. Mais de 80% dos documentos analisados não se alinham ao ODS 4, que é o de educação de qualidade. Isso nos coloca como questionadores da realidade em que vivemos em termos de políticas públicas de informação e sustentabilidade.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

EC: Minha experiência com o método Análise de Conteúdo ao longo do mestrado fez com que eu o considerasse para a tese, já que eu analisaria o conteúdo de documentos. Além disso, eu quis trazer outros elementos para inovar metodologicamente e fugir um pouco da pesquisa unicamente qualitativa. Então apliquei testes de qui-quadrado às minhas hipóteses e realizei uma análise de correlação de dados para me certificar em que medida os dados corroboravam o que eu supunha.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese? 

EC: Inspiração, uns 40%. Confesso que como eu já havia escrito a minha dissertação no mesmo tema, minha inspiração não decolou. Me mantive com os pés no chão. Nada era tão novidade assim pra mim. No entanto, em termos de transpiração, eu diria que 60%. Mapear o conteúdo de 15 documentos, aprender a resolver o qui-quadro e ainda compreender a análise de correlação de dados não foi nada fácil.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

EC: Um desabafo. Quando olho para trás e vejo a minha trajetória, me orgulho dela. Abri mão ou me distanciei de muitas coisas, hábitos, pessoas e hobbies para me dedicar apenas à pesquisa. Mas é claro que aprendi muito ao longo do percurso. Estive próximo de pessoas muito competentes, professores queridos e exímios pesquisadores. Contudo, vejo que investi muito esforço numa trajetória que até este momento trouxe, talvez, nenhum retorno financeiro e ascensão profissional importante em minha vida. Fica um sentimento um pouco estranho, é verdade. Desejo sorte a quem passa por esse caminho estreito.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

EC: Minha família sempre me apoiou muito ao longo de todo o processo desde muito antes, ainda na graduação. Para eles, era um orgulho ver o filho chegar ao doutorado, publicar pesquisas e livros e ser convidado para participar de palestras e frequentar eventos acadêmicos. Sempre obtive uma participação indireta dos meus pais em todo o processo.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

EC: Certamente foi executar os testes de qui-quadrado. Brinco que sou uma pessoa no mínimo das humanidades e no máximo das sociais aplicadas. Os testes de qui-quadrado são ferramentas muito interessantes para testar hipóteses, contudo são parte da realidade de pesquisas quantitativas, ligadas mais à área da Estatística e da Matemática como um todo. Antes de aplicar o qui-quadrado à tese, eu precisava compreender como ele funcionava. Eu não tinha a quem recorrer dentre os professores do Programa. Então assisti a inúmeros vídeos de teste de qui-quadrado no YouTube, li seções de livros de estatística em que continha conteúdo sobre tipos de testes de hipóteses, li explicações em páginas da Internet, fiz tudo o que pude. Aparentemente deu certo.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

EC: Seria bacana que pudesse haver uma retomada do conceito de políticas públicas do livro e leitura que proponho em um dos capítulos da tese. Hoje, observo que a noção que desenvolvi poderia ser ampliada para englobar no próprio conceito os termos literatura e bibliotecas, já que eles também dizem respeito à promoção da leitura. Então, questionar o conceito proposto a fim de ampliá-lo me parece um problema de pesquisa oportuno. Também acho que desenvolver uma pesquisa aplicada para tentar compreender em que medida as proposições da tese são exequíveis localmente seria outro ponto de partida interessante para uma dissertação.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

EC: Apesar de ter o desejo de me tornar professor/pesquisador, mantenho os pés no chão ante ao cenário que temos visto na pesquisa brasileira e no país como um todo. Por isso, tenho estudado a fim de prestar concursos públicos para atuar como bibliotecário-documentalista em universidades federais. Com o título de doutor em mãos posso obter um retorno financeiro mais justo comparado aos esforços que fiz em anos, além do que posso atuar como bibliotecário num contexto profissional mais estruturado. Também desejo muito realizar um estágio pós-doutoral assim que eu atingir alguns objetivos pessoais nesta nova fase.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

EC: Eu seguiria um pouco mais as minhas intuições sem recorrer ao orientador. Quero dizer que, de modo geral, todos erram, todos acertam, independentemente da experiência no campo. Digo isso porque entendo que tive momentos de ter certeza do que eu queria e do que fazia muito sentido a mim, à minha pesquisa, mas me deixei levar ou influenciar por outras coisas.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

EC: Produzi muito ao longo da pós-graduação e ainda escrevo. Sempre havia uma ideia, uma inspiração, algo que eu queria comunicar. Considero que minha produção científica é muito profícua. O artigo mais relevante e oriundo da tese, eu diria, se chama “Políticas públicas do livro e leitura: um conceito em aberto”. É um recorte de um capítulo da minha tese e o considero um destaque porque ele apresenta um conceito para as políticas públicas do livro e leitura. Não falo de um conceito fixo, mas de uma proposta conceitual que possa ajudar os pesquisadores a se posicionarem quando tratarem de políticas públicas do livro e leitura em seus estudos.

DC: Exerceu alguma monitoria/estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

EC: Realizei um estágio docência com o Professor Cláudio na disciplina de Gestão de Coleções do curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação na USP de Ribeirão Preto. Foi uma experiência muito interessante. Mas isso ocorreu durante a pandemia por Covid-19, então as aulas estavam acontecendo remotamente. Isso me gerou um certo cansaço mental. Tenho certeza que se a experiência tivesse acontecido presencialmente, eu teria aproveitado muito mais a oportunidade. Uma pena!

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

EC: Não. Não consigo fazer, neste momento, uma ligação direta entre a minha tese e o estágio docência.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

EC: Sinto que há pouca literatura na Ciência da Informação sobre políticas públicas do livro, leitura, literatura e bibliotecas quando a comparamos a outros temas de pesquisa na área. A área da Educação, por exemplo, acaba por contribuir mais nesse sentido tratando das políticas educacionais. A Ciência da Informação pode se engajar nesse debate. Assim, eu diria que minha tese pode ser um ponto de partida para explorarmos o tema das políticas públicas de informação num enredo mais contemporâneo de Biblioteconomia e Ciência da Informação. Podemos vinculá-las aos estudos decoloniais, à sustentabilidade, à diversidade, aos multiletramentos.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

EC: Uma relação ética, de confiança, de liberdade intelectual e que estimule a cooperação. O orientador, em minha opinião, é um parceiro que te ajuda a pisar no campo e, ao longo do processo, respeita a particularidade do seu olhar científico, seus anseios e motivações de pesquisa. Orienta e ensina ao passo que também aprende.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

EC: Não. Posso dizer que o meu tema de pesquisa me cansou um bocado. Porém, tenho escrito pesquisas novas ligadas mais à área de fundamentos, relacionadas às bibliotecas escolares, públicas e comunitárias.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

EC: O PPGCI da UNESP sempre estimulou que produzíssemos, financiou idas a eventos, incentivou a internacionalização, o intercâmbio, enfim, criou um ambiente propício para que nós, discentes, pudéssemos nos desenvolver como pesquisadores. Acredito que a contrapartida foi me envolver intensamente com esse modo de produção, com os grupos de pesquisa e em atividades de trocas de experiências, sendo que tudo isso ajudava o Programa a manter o seu prestígio.

DC: Você por você: 

EC: Mim por mim? Determinação. Sou uma pessoa que veio de um contexto social desafiante: escola pública, poucos recursos financeiros. Após o ensino médio, me formei como técnico em enfermagem e atuei na área da saúde por seis anos. Mas eu queria mais que isso. Então comecei a estudar para o vestibular da FUVEST com conteúdo baixado da Internet na época. Eu nem sabia o que era Biblioteconomia ou Documentação ou Ciência da Informação, mas eu sabia que, primeiro, não era um curso concorrido e, depois, independentemente do que fosse esse curso, eu sabia que a universidade pública poderia abrir as portas que eu tanto queria, que era a do crescimento pessoal e profissional. Bom, eu me encontrei na Biblioteconomia posteriormente e me apaixonei por bibliotecas escolares. Já formado, fui trabalhar em uma biblioteca escolar na Prefeitura Municipal de Vila Velha no Espírito Santo. Tomei um susto. Confesso que me decepcionei demais com a prática, pois eu era um idealizador, escrevia pesquisas, propunha ideias, debatia teoricamente com outros pesquisadores sobre bibliotecas escolares, mas nunca a tinha enfrentado no cotidiano. Colocar os pés no mundo prático nunca foi tão difícil pra mim. Teorizar era menos complicado, confesso.

Hoje vivencio os mesmos dilemas na biblioteca pública. A prática é muito “doida”, dolorida, um pouco sem propósito. Imagine um bibliotecário-doutor não conseguir realizar suas expectativas profissionais em um contexto desafiante e precário? Difícil, né? Não dá pra romantizar precariedade na cultura. Fico me perguntando a quem interessa tanta precariedade nos serviços públicos municipais no setor cultural. 

Enfim, como ainda não tenho as respostas pra isso, sigo determinado em questionar e propor a mim mudanças. Foi por isso que respondi que, de mim por mim, determinação. Apesar dos altos e baixos ao longo desses anos, hoje me sinto uma pessoa mais bem preparada para o que vier de melhor na vida prática como bibliotecário ou, quem sabe, na vida acadêmica como professor/pesquisador. Mantenho alguns sonhos, abri mão de outros, estabeleci novos objetivos e reconfigurei minha rota. Por isso, penso que a determinação sempre esteve comigo.


Entrevistado: Éverton da Silva Camilo

Entrevista concedida em: 09 de dezembro de 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Ana Júlia Souza

Fotografia: Éverton da Silva Camilo

Diagramação: Ana Júlia Souza

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