Ações educativas do Museu Nacional, da fundação ao início do século XX, por Paulo Sily
Ações educativas do Museu Nacional, da fundação ao início do século XX
Paulo Rogério Marques Sily
prmsily@gmail.com
Quando na noite de domingo (2/9/2018) um grande incêndio tomou o Palácio de São Cristóvão, localizado na Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro, além do prédio histórico, antiga residência da família real e imperial no Brasil e, posteriormente, sede do Museu Nacional, perdia-se grande parte do seu acervo. Milhões de itens das diversas coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, etnologia, arqueologia, entre outros, resultado de dois séculos de pesquisas desenvolvidas, até então, viraram cinzas. Ainda mais, foi queimada grande parte da memória institucional do primeiro museu de História Natural do Brasil, criado por D. João VI no ano de 1818. Fontes que se encontravam sob a custódia da Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional (SEMEAR), institucionalizado em 2002, com cerca de 500 metros de documentos textuais e, aproximadamente, 15.000 iconográficos, localizado no terceiro piso do prédio. Com base em parte dessa documentação disponível na SEMEAR e ao acervo da Biblioteca Central do Museu Nacional (esta não atingida pelo fogo) foi possível realizar pesquisas durante curso de Doutorado em História da Educação, na Faculdade de Educação da Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ) que resultaram na tese intitulada Casa de Ciência, Casa de Educação: ações educativas do Museu Nacional (1818–1935). Defendida em 2012, foi publicada em 2022, sob forma de E-book, pela editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
No estudo realizado foi possível identificar o Museu Nacional, desde sua criação, como instituição dedicada à pesquisa, interessada na divulgação de conhecimentos por ela produzidos, por meio de um conjunto de ações educativas promovidas de forma contínua, sob a forma de cursos, palestras e conferências abertas ao público interessado. Além dessas práticas, nas seções de mineralogia, zoologia, botânica e antropologia foram produzidos materiais de História Natural para uso em escolas de diferentes níveis de ensino: coleções didáticas e quadros murais, utilizados para compor museus escolares ou pedagógicos ou para serem utilizados em sala de aula por professores/as e alunos/as.
A curiosidade acerca dessas coleções e objetos e dos contextos nos quais foram produzidos e utilizados instigou lançar um olhar de estranhamento, a fim de saber mais e melhor a respeito da produção e objetivos que levaram a serem confeccionados, suas utilidades, significados, usos, as demandas que buscaram atender, assim como as práticas educativas a partir deles viabilizadas.
Os cursos e conferências realizadas pelo Museu Nacional a partir de meados da década de 1870, podemos dizer, foram divulgadores de um saber científico, servindo no Brasil para a afirmação dos estudos em história natural apoiados na teoria evolucionista, criada pelo naturalista, geólogo e biólogo britânico, Charles Darwin (1809-1882), em contraste com a teoria criacionista até então predominante no pensamento e na educação brasileira. Ademais, contribuíram para ampliar o conhecimento sobre o Brasil e as potencialidades de seu território, suas riquezas, suas gentes e culturas.
Com a intenção de elevar o Museu Nacional à condição de verdadeiro órgão científico, como estabelecimento de ensino superior do Império, e de obter o reconhecimento internacional de sua produção científica, a fim de conquistar um lugar para o Brasil no rol dos países ditos civilizados, a partir de 1876 foi publicada e distribuída no Brasil e em países da Europa, Ásia e América a revista Archivos do Museu Nacional. Dirigido à comunidade científica e a interessados pelo conhecimento em ciências, particularmente os relativos à história natural, esse periódico serviu como suporte para a divulgação do que se produzia no Brasil, particularmente as investigações e os trabalhos realizados no Museu Nacional, tanto em nível nacional quanto no exterior.
Nas exposições nacionais e universais realizadas na segunda metade do século XIX e início do XX, o Museu Nacional teve participação efetiva, muitas vezes como representante oficial do governo brasileiro, comparecendo com coleções de objetos pertencentes ao seu acervo, reunindo espécimes naturais dos reinos animal, vegetal e mineral e exibindo artefatos produzidos por povos indígenas brasileiros. Buscava-se construir uma imagem do Brasil como uma nação em construção e em progresso e ampliar possibilidades de investimentos comerciais.
A partir de 1890, medidas de governo adotadas para a Instrução Pública levaram as seções do Museu Nacional a organizar, classificar cientificamente e distribuir para estabelecimentos de ensino coleções didáticas de história natural compostas com espécimes dos reinos animal, vegetal e mineral existentes no próprio museu ou enviadas pelas escolas para esses fins. A partir de 1919, foram confeccionados quadros murais didáticos sobre esses mesmos temas, devendo reproduzir nesses materiais espécimes nacionais. Iniciativa que objetivou instruir e ampliar os conhecimentos sobre o Brasil, valorizando suas riquezas naturais e estimulando no público, principalmente o escolar, o caráter prático do ensino e um sentimento de pertencimento, de identidade nacional de uma nação em construção.
Durante a gestão de Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) na direção do Museu Nacional entre 1926 e 1935, ações pedagógicas se tornaram prioridade, dirigidas a um público mais amplo e diversificado, voltadas principalmente para atender aos estabelecimentos de ensino de todos os níveis. Ao conceber os museus como instituições fundamentais de apoio ao sistema educacional, o médico/professor/antropólogo/etnólogo, além de manter as ações educativas já em desenvolvimento, criou em 1927 o Serviço de Assistência ao Ensino de História Natural do Museu Nacional (SAE), setor dedicado exclusivamente à educação, em funcionamento até hoje.
Desde sua criação, o SAE tem procurado contribuir efetivamente, para consolidar o Museu Nacional como uma instituição pública que tem na função educativa uma de suas prioridades. Para tanto, ofereceu cursos e conferências sobre história natural, deu acesso às suas dependências e, até os dias de hoje, disponibiliza, por meio de empréstimos, objetos e coleções para serem utilizados como material didático em escolas.
Assim, desde sua criação, no decorrer de mais de dois séculos de existência, o Museu Nacional tem atuado como instituto de pesquisa sobre a natureza e o homem, exercendo importante função educativa na sociedade brasileira, através de políticas de divulgação do conhecimento produzido no campo das ciências naturais e humanas, para atender a um de seus objetivos: a divulgação científica.
Podemos afirmar que por meio de ações educativas o Museu Nacional, ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, contribuiu para estabelecer uma rede de comunicação e de intercâmbio científico com instituições nacionais e de diferentes partes do mundo, adquirindo importante reconhecimento pela sua produção científica e colaborando para inserir o Brasil no cenário científico internacional.
Além disso, como instituição que se aproximou das teorias do evolucionismo como princípio orientador de suas pesquisas e trabalhos, e que promoveu a disseminação de ideias científicas, o Museu Nacional contribuiu para afirmar o pensamento iluminista, racional e científico como a forma mais acabada de explicação dos fenômenos naturais e sociais.
Apesar do grande golpe sofrido em 2018, o Museu Nacional/UFRJ vem dando continuidade à pesquisa e à divulgação do conhecimento científico graças ao trabalho e dedicação de seus funcionários,as – professores,as/pesquisadores,as e técnicos/as –, de voluntários,as e de parcerias institucionais atuantes no projeto de sua reconstrução.
Com 206 anos de existência, o Museu Nacional vive!
Livro disponível em:
SILY, Paulo Rogério Marques. Casa de ciência, casa de educação: ações educativas do Museu Nacional (1818-1935). Rio de Janeiro: UFRJ, 2022. Disponível em: https://editora.ufrj.br/produto/casa-de-ciencia-casa-de-educacao-acoes-educativas-do-museu-nacional-1818-1935/. Acesso em: 27 de jul. 2024.
Sobre o autor:
Membro do Grupo de Pesquisa em História da Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (NEPHE/UERJ). Atuou como Professor Substituto na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor de História aposentado pelo Colégio Pedro II (RJ).
Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense.
Redação: Paulo Rogério Marques Sily
Fotos: Seção de Memória e Arquivo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (SEMEAR/MN/UFRJ), Museu Nacional, Internet Archive e Internet Archive, Museu Nacional
Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta
Diagramação: Ana Júlia Pereira