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v. 3, n. 7, jul. 2025
Liberdade de expressão, desinformação e censura, por Enrique Muriel-Torrado

Liberdade de expressão, desinformação e censura, por Enrique Muriel-Torrado

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Liberdade de expressão, desinformação e censura

Enrique Muriel-Torrado
enrique.muriel@ufsc.br

Podemos definir a liberdade de expressão de forma ampla como o direito que temos de expressar nossas ideias e opiniões sem travas. 

Esse direito humano, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos e garantido como direito fundamental na Constituição brasileira, não deve ser confundido com uma falsa liberdade, reivindicada por alguns grupos para espalhar discursos de ódio, desinformação ou mentiras.

A censura ocorre quando o acesso a ideias, informações ou expressões é proibido, removido ou limitado, seja antes ou depois de sua veiculação pública. As bibliotecas, museus, arquivos e espaços culturais têm a responsabilidade de defender a primeira e evitar a segunda. Para isso, é fundamental que essas instituições atendam às necessidades informacionais e culturais da comunidade em que estão inseridas, promovendo o diálogo e explicando, sempre que necessário, as razões pelas quais determinadas ações, curadorias ou aquisições são realizadas – tudo com base em critérios técnicos, éticos e profissionais.

As mídias sociais, em 2025, assumem uma grande responsabilidade no exercício da liberdade de expressão e da censura, em uma sociedade de alto consumo de informação, na qual os discursos são enviados com a precisão de um franco-atirador aos indivíduos mais propensos a interagir com esses conteúdos e a permanecer mais tempo nas plataformas — isto é, para obter o máximo de lucro.

O enorme poder acumulado por empresas tecnológicas, principalmente dos EUA, que evitam ser chamadas de “editoras” de conteúdo ao mesmo tempo que decidem o que pode ou não ser compartilhado — para quais usuários (com ou sem algum tipo de vulnerabilidade), quando, como, etc. — é motivo de grande preocupação.

Essas mesmas empresas que facilitam a liberdade de expressão em seus próprios termos, sem debate público e guiadas exclusivamente por interesses comerciais, silenciam mensagens e restringem seu alcance, amparando-se no algoritmo: um ente sem consciência, quase mágico quando convém, mas sempre ultraotimizado para obter mais e mais lucro a todo custo.

Nesse contexto digital, bibliotecas, museus, arquivos e espaços culturais em geral sofrem tentativas de censura e ameaças por diversas vias, com pressões que comprometem sua autonomia e seus princípios. São instituições responsáveis por manter e promover a educação, a cultura e as artes, com base em sólidos valores democráticos, liberdade de pensamento e de expressão.

Seguindo os princípios do Código de Ética Profissional do Bibliotecário, as bibliotecas devem ser espaços de promoção ativa das liberdades, do acesso à informação e do pensamento crítico. Ao mesmo tempo, devem combater a desinformação e resistir à censura, sempre que os conteúdos não configurem incitação ao ódio, à violência ou à discriminação.

Isso significa contextualizar obras controversas, garantir a pluralidade de pontos de vista e promover a mediação crítica, em vez de ceder à pressão por remoções arbitrárias. A liberdade de expressão nas bibliotecas não é irrestrita, mas deve estar sempre aliada ao compromisso com os direitos humanos, com a diversidade de ideias e com as necessidades da comunidade atendida, explicando com clareza as decisões tomadas frente a situações polêmicas.

Existem grupos organizados e políticos especializados em polêmicas, que buscam notoriedade e promoção pessoal, procurando obras para censurar em nome de uma falsa proteção às crianças, aos costumes ou à moral.

O Brasil sofre com um movimento reacionário que às vezes tem por objetivo viralizar nas mídias sociais — redes que potencializam esse tipo de conteúdo controverso, com alta carga emocional, despertando raiva, indignação ou surpresa, e estimulando que outros usuários imitem o formato viral em busca de seu momento de glória na internet — às vezes, até de um cargo político.

Por enquanto, bibliotecas, museus, arquivos e centros culturais, com orçamentos quase sempre muito limitados, não dispõem de recursos — e muitas vezes nem de apoio institucional — para enfrentar os ataques contra a liberdade de pensamento e as tentativas de censura.

A desinformação, as mentiras e a censura caminham juntas nas mídias sociais. Juízes todo-poderosos e ultrarrápidos decidem o que vamos ou não ver nas nossas telas, sem intervenção humana, sem escuta pública, sem que a sociedade possa participar das decisões sobre o que pode ou não ser compartilhado e ter alcance nas redes.

Grandes corporações tecnológicas, que outrora se promoveram como defensoras das liberdades, atuam hoje como juízas não eleitas da informação (falsa ou não) que chega aos celulares da população — fingindo neutralidade ao se esconderem atrás de algoritmos que elas mesmas controlam e aprimoram constantemente.

Não o fazem com fins sociais, nem em favor das liberdades. Ajustam seus dispositivos de controle da informação em benefício próprio e, quando necessário, também do governo.

Desde as bibliotecas, museus e arquivos, precisamos defender e agir em conjunto. Se em algum momento esquecemos que as instituições democráticas precisam ser protegidas, agora é a hora de retomar a ação.

A ideologia ou crença de uma pessoa não está acima dos direitos de todas. Se alguém não gosta de uma determinada exposição, livro infantil etc., tem o direito de não assistir ou de não ler — mas não tem o direito de impedir o acesso das demais pessoas.

Não existe solução simples para um problema complexo. Mas podemos seguir um conjunto de pautas iniciais:

– União entre colegas profissionais da informação;

– Trabalho conjunto com os CRBs, entidades profissionais ou associações e a FEBAB, para efetivar uma necessária influência política em sua área de atuação;

– Formação de usuários (como alfabetização informacional e crítica);

– Exigência de regulamentação e fiscalização das mídias sociais e de seus algoritmos opacos, que influenciam tanto o nosso mundo digital quanto o físico;

– E, por fim, buscar o apoio da comunidade onde está inserida cada biblioteca, museu, arquivo ou centro cultural — explicando com empatia, abertura e escuta ativa por que fazemos o que fazemos, e como nossas decisões, fundamentadas em critérios técnicos e compromissos éticos, têm como objetivo o bem coletivo e o atendimento às necessidades reais da comunidade que servimos.

Enrique Muriel-Torrado

Professor do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina.

É doutor e mestre em Informação Científica pela Universidad de Granada. Mestre em Documentação Digital pela Universitat Pompeu Fabra. Licenciado em Documentação e bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela Universidad de Extremadura. Realizou estágio pós-doutoral na Universidade Federal de Santa Catarina.


Redação: Enrique Muriel-Torrado

Foto: Enrique Muriel-Torrado

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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