PhD Trans Brasil: visibilizando pessoas trans e travestis com doutorado no Brasil, por Juh Círico
PhD Trans Brasil: visibilizando pessoas trans e travestis com doutorado no Brasil
Juh Círico juhcirico@gmail.com
O Brasil, há 16 anos consecutivos, é o país que mais assassina pessoas trans e travestis em todo o mundo — sobretudo mulheres trans e travestis negras —, devido aos sistemas de opressão interligados, como o machismo, o sexismo, o racismo e a transfobia. Essas são opressões estruturais no país e estão presentes no contexto familiar, nas escolas, nas universidades e nas empresas.
Estima-se que apenas 0,02% da população trans e travesti tenha acessado o ensino superior brasileiro por meio das universidades públicas. Quando acessamos a pós-graduação e a pesquisa científica, enfrentamos uma série de desafios relacionados aos estereótipos e às invisibilidades.
É comum observarmos um comportamento recorrente por parte de pesquisadores, homens e mulheres cisgêneros (ou seja, que não são trans), que nos enxergam apenas como objetos de estudo — participantes de entrevistas e respondentes de questionários — sobre nossos corpos, vivências e trajetórias, nos mais diversos espaços institucionais e organizacionais. Uma das narrativas utilizadas costuma ser: “Não existem pessoas trans e travestis na minha área, por isso pesquiso sobre elas”.
Diante dessa problemática, em um cenário de constantes apagamentos, exclusões, invisibilidades e silenciamentos, criei o Projeto PhD Trans Brasil. O PhD Trans Brasil tem como objetivo de visibilizar, registrar e divulgar as conquistas de mulheres trans, travestis, homens trans, transmasculinidades e pessoas não-binárias que possuem o título de doutorado no Brasil, demonstrando à sociedade cisgênera — especialmente àquelas pessoas cis que estão nas universidades — que nós existimos nos ambientes acadêmicos, na pesquisa científica, e que estamos produzindo e divulgando ciência de qualidade.
Perfil do Instagram do projeto “PhD Trans Brasil”
Trata-se de um projeto social que nasceu a partir de um mapeamento que eu mesma realizei, identificando pessoas trans com doutorado no Brasil. Já localizei mais de 90 pessoas trans e travestis doutoras, atuando nas mais diversas áreas do conhecimento. Analisei quais áreas concentram mais pessoas trans e quais possuem menos ou nenhuma. Identifiquei que as áreas de Negócios e Engenharias são as que menos contam com doutores e doutoras trans, enquanto há uma presença significativa nas áreas de Educação, Letras e cursos da Saúde. No momento, a equipe do projeto é formada apenas por mim, e não recebemos apoio financeiro para investir em ferramentas, estrutura tecnológica ou na oferta de bolsas de pesquisa e extensão. Tenho inscrito o PhD Trans Brasil em editais de órgãos de fomento com a intenção de expandir o projeto e aumentar seus impactos. Pretendo construir um website e uma base de dados transcentrada — ou seja, centrada em pesquisadores e pesquisadoras trans e travestis — com o objetivo de fortalecer a rede de colaboração científica entre pessoas trans e entre pessoas trans e cis. Quero mostrar que podemos ir além do papel de participantes de pesquisa: somos autores, autoras e pessoas coautoras; pessoas participantes de bancas; produtoras, produtores e pessoas que produzem conhecimento.
O projeto contribui para o rompimento de barreiras e estereótipos, criando novos imaginários sociais sobre corpos trans e visibilizando as potencialidades de cada pessoa doutora trans. Estamos presentes nas universidades e resistimos para permanecer nesses espaços. Por isso, defendo que as instituições de ensino superior transformem suas políticas e ações de equidade de gênero, incluindo, para além das mulheres cis, pessoas trans e travestis. É fundamental a adoção de cotas trans na graduação, mestrado, doutorado e em processos seletivos e concursos para a docência universitária.
Além disso, é imprescindível que as universidades ofereçam cursos e treinamentos voltados à formação continuada de docentes cisgêneros, para que possam compreender a diversidade de identidades de gênero. Só assim, estudantes, docentes e pesquisadores(as) trans e travestis poderão ser, de fato, incluídas(os) e respeitadas(os), dentro e fora da sala de aula.
Juh Círico é Mulher Trans-Travesti, PcD, neurodivergente e paranaense. Fundadora do Projeto Social PhD Trans Brasil.
Pós-doutora em Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo. Doutora em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestra em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação pela UNICENTRO. Bacharela em Ciências Contábeis pela UNICENTRO, com mobilidade internacional em Gestão na Universidade de Coimbra.
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