
A produção científica brasileira sobre a temática LGBTQIAPN+ na Arquivologia, por Eliezer Lopes e Evelin Mintegui

A produção científica brasileira sobre a temática LGBTQIAPN+ na Arquivologia
Eliezer Mendes Lopes | Evelin Melo Mintegui
eliezerbiblio@gmail.com | eminteguimail@gmail.com
O artigo “A temática LGBTQIAP+, Arquivologia e Arquivos em bases científicas brasileiras: levantamento bibliográfico e análise temática”, publicado na RICI – Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, é fruto de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado e aprovado no Curso de Arquivologia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, em 2023.
O respectivo artigo teve como pontos norteadores duas principais premissas: verificar a existência de possíveis publicações envolvendo Arquivos, Arquivologia e a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Transgêneros, Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e Pansexuais (LGBTQIAP+), e compreender as temáticas envolvidas nos trabalhos.
Mas por que desenvolver uma pesquisa que aproxime as temáticas da Arquivologia às discussões de gêneros e sexualidades? Pode-se, em um primeiro momento, responder com base no entendimento do Conselho Internacional de Arquivos, que, em sua Declaração Universal sobre os Arquivos, aprovada em 2010, reafirma o caráter singular dos arquivos, interpelados pelas atividades sociais, administrativas, culturais, educacionais e políticas envolvidas.

Mas é possível ir além: refletir sobre os Arquivos e a forma como a produção documental, o ensino de Arquivologia, as políticas arquivísticas e a difusão dos acervos influenciam e são influenciadas pelas mais complexas imbricações sociais, as quais estão envolvidas, direta e indiretamente, através de teorias, perspectivas, métodos e definições por diferentes atores, em diferentes tempos e lugares.
Nas discussões contemporâneas, cada vez mais se analisam os espaços dos Arquivos de forma integrada, derivando daí a compreensão de que as práticas humanas com os documentos arquivísticos são frutos históricos de disputas de poder, muitas vezes servindo a interesses pré-estabelecidos e podendo direcionar o que lembrar e o que esquecer. Nesse sentido, destaca-se a importância de conhecer as relações intrínsecas e extrínsecas na produção, utilização e destinação documental, principalmente pelo uso dos documentos arquivísticos enquanto fonte primária em pesquisas (Baucom, 2018).
A produção documental por parte de grupos socialmente marginalizados existe, mesmo que fora dos padrões clássicos da Arquivologia – administrativo, probatório e legal. Todavia, os sentidos registrados nos documentos possibilitam refletir acerca das memórias individuais e coletivas de comunidades que, historicamente, encontram-se preservadas, através dos documentos, sob o prisma de múltiplos sujeitos que não necessariamente fazem parte dos respectivos grupos que descrevem.
Por consequência, um dos reflexos é a produção de sentidos que podem estabelecer pré-julgamentos que não contemplem as reais vivências dos grupos marginalizados. É o caso da comunidade LGBTQIAP+, cuja representação na documentação costuma ser calcada, majoritariamente, no tripé doença-pecado-crime (Nascimento; Lima; Martínez-Ávila, 2020).
Desde as primeiras leituras dos textos que comporiam o referencial teórico do trabalho, foi possível identificar uma profunda carência de produções que abordassem Arquivologia e LGBTQIAP+. Tal constatação ia ao encontro do entendimento empírico debatido nos encontros dos pesquisadores e confirmado, posteriormente, com o número de resultados recuperados dentro do escopo da pesquisa.
Foram utilizadas três bases de dados científicas nacionais – Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI), Base de Dados em Arquivologia (BDA) e a Base de Dados Pesquisas Arquivísticas Brasileiras (PAB) –, com três estratégias de busca distintas para contemplar o máximo de trabalhos possível. Após a limpeza dos dados (remoção daqueles fora do escopo, bem como de repetições), chegou-se ao resultado de apenas 17 trabalhos que se encaixavam nos objetivos da pesquisa, o que vai ao encontro das análises realizadas por Cabral (2019) acerca da não representação e da representatividade LGBTQIAP+ na área.
Através da Análise Temática (AT) dos textos, foi possível aprofundar não somente na quantificação destes, mas também no conteúdo específico de cada trabalho. Com a categorização dos textos, constatou-se que tais carências decorriam de prerrogativas estruturais, ou seja, não somente há poucas pesquisas científicas sendo publicadas, mas também poucos espaços que abordem o ensino, a pesquisa e a extensão em conjunto com a temática de gêneros e sexualidades na graduação em Arquivologia.

Apenas 5 dos 17 trabalhos discutiam explicitamente Arquivos, Arquivologia e LGBTQIAP+ de forma questionadora e reflexiva nas teorias e práticas empregadas. Os demais abordavam prerrogativas da Arquivologia, como gestão arquivística, estudos de usuário e difusão arquivística como mote basilar dos estudos, ou apenas a utilização dos Arquivos enquanto fonte de pesquisa, principalmente sobre Ditadura Militar e censura.
Diante dos resultados, é possível inferir que, mesmo tímidas, as iniciativas que propiciam a produção e a correta destinação dos documentos oriundos de grupos postos à margem são de suma importância para que eles possam ser protagonistas na criação da memória individual e coletiva de seus grupos, assim como reinterpretar e ampliar fontes anteriormente produzidas. Para Ketelaar (2018), é por isso que os Arquivos nunca se fecham, pois diferentes gerações podem se utilizar dos documentos arquivísticos, agregando diferentes olhares a eventos do passado.
Do mesmo modo, é imprescindível a adaptação, o desenvolvimento e a promoção de métodos e técnicas que contemplem não somente a comunidade LGBTQIAP+, mas os grupos socialmente marginalizados, para que os Arquivos e os Arquivistas consigam gerar ferramentas para “[…] cumprir o seu papel característico na sociedade, o de assegurar arquivos do povo, pelo povo e para o povo” (Jimerson, 2008, p. 41).
Referências
BAUCOM, E. An exploration into archival descriptions of LGBTQ materials. The American Archivist, v. 81, n. 1, p. 65-83, 2018. Disponível em: https://www.doi.org/10.17723/0360-9081-81.1.65 . Acesso em: 1 maio de 2025.
CABRAL, J. R. Desarquivando preconceitos, revelando resistências: representações e representatividades LGBTQIA+ nos arquivos e na arquivologia. In: Romeiro, N. L.; Martins, C. W. Santos, B. A. (org.). Do invisível ao visível: saberes e fazeres das questões LGBTQIA+ na Ciência da Informação. Florianópolis, SC: Rocha Gráfica e Editora, 2019. p. 155-185
CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS. Declaração universal sobre os arquivos. Oslo, Noruega, 2010. Disponível em: https://www.arquivoestado.sp.gov.br/uploads/eventos/convite/Panfleto_Dia_Arquivo.pdf . Acesso em: 1 maio de 2025.
JIMERSON, R. C. Arquivos para todos: a importância dos arquivos na sociedade. Arquivo & Administração, v. 7, n. 2, p. 27-43, 2008. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/51333 . Acesso em: 1 maio de 2025..
NASCIMENTO, F. A.; LIMA, L. M.; MARTÍNEZ-ÁVILA, D. Homossexualidade masculina nos prontuários do Sanatório Pinel, 1920-1940: um estudo de compreensão dos dispositivos de controle social. Informação & Sociedade: Estudos, v. 30, n. 1, p. 1-20, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ies/article/view/45108 . Acesso em: 1 maio de 2025.
Artigo disponível em:
LOPES, Eliezer Mendes; MINTEGUI, Evelin Melo. A temática LGBTQIAP+, Arquivologia e Arquivos em bases científicas brasileiras: levantamento bibliográfico e análise temática. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 17, n. 3, p. 549–569, 2024. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/RICI/article/view/53722 . Acesso em: 14 jun. 2025.
Sobre o autor:
Mestre em Educação em Ciências – Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande. Bacharel em Arquivologia e Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande.
Professora do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Participa dos grupos de pesquisa Arquivologia e Memória: Documentos e Identidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Políticas e Gestão de Documentos e Arquivos da Universidade Federal de Minas Gerais e Honório – Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas Arquivísticas da Universidade Federal de Santa Maria.
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestra em Ciências Sociais, especialista em Gestão de Arquivos, bacharela em Arquivologia e em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisa políticas públicas de informação, regimes de informação, arquivologia contemporânea e relações entre arquivos, bibliotecas e cultura.
Redação e Fotografia: Eliezer Mendes Lopes e Evelin Melo Mintegui
Diagramação e Revisão: Marco Leandro Freitas Hübner