
Editorial: Como erradicar os crimes homotransfóbicos no Brasil, por Luiz Mott

Como erradicar os crimes homotransfóbicos no Brasil
Luiz Mott
luizmott@yahoo.com.br
No que toca à população LGBT+, o Brasil contemporâneo revela preocupante contradição: em seu lado cor-de-rosa, ostenta as maiores paradas do orgulho LGBTQIA+ do mundo, possui as mais articuladas associações de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros da América Latina, é um dos países do mundo com mais direitos obtidos para essa população, da criminalização da homotransfobia ao casamento e garantia da mudança de nome e adaptação da documentação pessoal para transgêneros.
Ostentamos, contudo, um terrível lado cor-de-sangue: há décadas nosso país é o campeão mundial de mortes violentas de homossexuais e trans, de mais de duzentas a quatrocentas vítimas todo ano, sobretudo travestis e gays que são barbaramente assassinados vítimas da homotransfobia estrutural. 257 mortes violentas em 2023, uma LGBT+ morta a cada 34 horas!
Após quatro décadas coletando, sistematizando e divulgando o relatório anual destes cruéis homicídios, muitos praticados com requintes de crueldade, o Grupo Gay da Bahia (GGB) considera ser necessário a conjugação de pelo menos três estratégias fundamentais – e inadiáveis! – com vistas a erradicar os crimes homotransfóbicos em nosso país:
A mudança de mentalidade da sociedade em geral, sobretudo das novas gerações, a fim de que, através da educação sexual científica e em todos os níveis escolares, as brasileiras e brasileiros aprendam a conviver e respeitar a diversidade sexual e de gênero, desenvolvendo sentimentos de tolerância e respeito face aos grupos sexualmente diferenciados;
O empenho do Governo Federal, Estadual e Municipal em aprovar leis e fazer cumprir as já existentes, promovendo ações afirmativas que garantam a cidadania plena das minorias sexuais e de gênero, investigando e analisando cientificamente as causas e como superar a homotransfobia cultural e estrutural dominantes em nosso país, punindo exemplarmente os autores de discriminações e crimes LGBTfóbicos;
A mobilização das próprias lésbicas, travestis, transexuais, gays, bissexuais e de toda a população LGBTQIAPN+ assumindo-se fora do armário e afirmando orgulhosamente sua identidade, evitando situações de risco e denunciando qualquer tipo de discriminação, ameaça ou violência de que forem vítimas.
Nesse sentido, com vistas a mobilizar de forma mais eficiente os diferentes subgrupos que compõem nossa comunidade de cada cidade – somos mais de 20 milhões de brasileiros! – consideramos da maior relevância a realização de campanhas nacionais, financiadas pelos Ministérios e Secretarias governamentais, com a produção e distribuição massiva multidisciplinar e planejada de materiais específicos que transmitam informações práticas e eficazes dirigidas à esse grupo alvo, de como evitar, reagir e escapar ileso à violência lgbtfóbica.
Nesta campanha contra a homotransfobia é fundamental a participação das lideranças dos grupos LGBTQIAPN+ organizados, das associações nacionais, dos órgãos governamentais locais, regionais e nacionais, pois só com tal mobilização intensiva e extensiva, conseguiremos superar violações tão graves e constantes dos nossos direitos humanos fundamentais.
Outra solução crucial para erradicar os crimes homotransfóbicos é realizar regional e nacionalmente, grupos de discussão, seminários, palestras e debates tendo como tema a segurança individual e a evitação de violência anti-lgbt+.
Urge que seja discutida e produzida nas Universidades uma tentativa de teoria explicativa da homofobia no Brasil: suas causas, principais tendências, perfil das vítimas e dos agressores, estratégias de superação.
Assim também, material informativo e educativo, como cartazes e folhetos, vídeos e filmetes devem ser distribuídos nas diversas áreas da cena LGBT+, indicando quais os locais de pegação e engate oferecem maior risco de violência, e como evitar ser a próxima vítima.
Fotos de conhecidos e contumazes agressores ou exploradores de travestis e gays, assim como dos assassinos foragidos, devem igualmente ser distribuídas e afixadas nos locais de maior circulação de eventuais vítimas, como forma de evitar futuras agressões, sempre com o telefone e endereço dos grupos LGBT+ e de direitos humanos onde denunciar novos casos de agressão, extorsão ou violência homotransfóbica, assim como locais de apoio e acolhimento.
Este material educativo e instrucional deve visar não só a autodefesa e reforço da cidadania das travestis, lésbicas, gays, etc., mas também sensibilizar a sociedade global a fim de apoiar os direitos humanos e cidadania plena das minorias sexuais, inclusive solidarizando-se e socorrendo os vitimados.
Os donos e gerentes de bares, boites e sobretudo de pensões e motéis mais frequentados por trans e casais do mesmo sexo, devem igualmente ser advertidos para precaver-se a fim de que seus estabelecimentos comerciais não sejam palco de agressões, golpes do tipo “boa noite Cinderela” e assassinatos, estimulando-os a exigir, no caso dos motéis, documentação dos freqüentadores, dirigindo-se ao quarto no caso de se ouvir algum grito ou conduta suspeita, chamando a polícia quando houver agressões ou qualquer violência.
Através dos relatórios anuais do GGB e outras fontes de pesquisa sobre crimes de ódio contra travestis, lésbicas, gays, etc, já conhecemos algumas tendências – como as categorias mais expostas a crimes homofóbicos e o modus operandi mais praticado pelos delinquentes.
Com base em tais dados, as entidades e agentes que trabalham na defesa da cidadania GLTB+ devem concentrar sua preocupação especialmente em alertar e transmitir a essas categorias mais vulneráveis, como evitar situações de risco e sobreviver face a esta epidemia do ódio que já dizimou centenas de cabeleireiras, profissionais do sexo, professores – os três grupos mais vitimizados no Brasil pelos crimes homotransfóbicos.
Ainda com o intuito de dar maior visibilidade pública à gravidade da homofobia e sensibilizar a população em geral para que desenvolva sentimentos de solidariedade e empatia para nossa tribo, uma outra medida pode oferecer bons resultados na luta por nossa cidadania: a realização de atos públicos e manifestações em frente ao Fórum ou às Delegacias de Polícia por ocasião de tais homicídios e prisão ou julgamento de assassinos de gays, travestis e lésbicas.
Uma dezena de pessoas segurando uma ou duas faixas e cartazes com palavras de ordem clamando por justiça, denunciando a violência homotransfóbica, revelando números desta matança, já são suficientes para chamar a atenção das autoridades e fornecer boas fotos para os jornais e televisões, contribuindo para conferir visibilidade ao movimento LGBT+ e pressionar favoravelmente a opinião pública em nosso favor.
A realização de cerimônias fúnebres, a concentração de ativistas com velas acesas no local do crime, com participação dos familiares da vítima e simpatizantes de outras ONGs também são estratagemas que dão visibilidade e reforçam nossa luta para que o Brasil deixe de ser o campeão mundial de mortes violentas de LGBT+.
Sobre o autor
Professor titular aposentado da Universidade Federal da Bahia. Fundador do Grupo Gay da Bahia, organização premiada e pioneira na defesa dos direitos humanos da população LGBTQIAP+ no Brasil.
Doutor em Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Etnologia pela Université de Paris IV (Paris-Sorbonne). Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo.
Foto: Luiz Mott
Diagramação: Jônatas Silva dos Santos