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v. 2, n. 6, jun. 2024
Entrevista com Arthur Almeida sobre sua pesquisa que investigou as políticas culturais e demandas informacionais da população LGBTQIAP+ nas bibliotecas públicas de Recife

Entrevista com Arthur Almeida sobre sua pesquisa que investigou as políticas culturais e demandas informacionais da população LGBTQIAP+ nas bibliotecas públicas de Recife

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Entrevista com Arthur Almeida sobre sua pesquisa que investigou as políticas culturais e demandas informacionais da população LGBTQIAP+ nas bibliotecas públicas de Recife

Arthur Henrique Feijó de Almeida

arthuralmeidafeijo@gmail.com

Sobre o entrevistado

O recém-mestre Arthur Henrique Feijó de Almeida defendeu, em 2023, sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do Prof. Dr. Hélio Márcio Pajeú.

Natural de Pernambuco, o pesquisador tem como hobbies jogar videogame, ouvir podcasts de crimes reais e visitar bibliotecas. Arthur tem interesse de pesquisa nas seguintes temáticas: Biblioteca Escolar, Biblioteca Pública, Mediação Cultural, Recuperação da Informação e Formação e Desenvolvimento de Coleções.

Sua dissertação, intitulada “Entre estantes e armários: políticas culturais e demandas informacionais da população LGBTQIAP+ nas bibliotecas públicas de Recife” teve como objetivo analisar as bibliotecas públicas da cidade do Recife como espaço de mediação cultural propício para formulação e implementação de políticas culturais voltadas à população LGBTQIAP+.

Convidamos Arthur para nos relatar como se deu sua experiência no mestrado e os desdobramentos de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Arthur Almeida (AA): A maior motivação que tive para entrar no mestrado foi o meu companheiro, Jyan França, que trilha uma bela jornada acadêmica no campo da Comunicação e definitivamente a minha banca do TCC: meu orientador Hélio Pajeú, a professora Celly Brito e em especial Wérleson Santos. Eles validaram minhas urgências e me fizeram enxergar a importância da minha presença enquanto sujeito LGBTQIAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queers, intersexo, assexual, pansexual e demais expressões de gênero e sexualidade) na academia. A escolha do tema partiu em grande parte do meu TCC, onde eu a partir de entrevistas com alunos de uma escola estadual aqui de Recife nós pudemos elaborar um calendário de ações culturais para se tratar questões de gênero e sexualidade na biblioteca escolar. A partir disso, foi um passo natural expandir essa proposta considerando dessa vez as bibliotecas públicas, já que atendem um público ainda mais amplo e diversificado, e a ausência de políticas públicas culturais para essas bibliotecas e principalmente considerando o recorte dos saberes e fazeres dos sujeitos LGBTQIAP+.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

AA: Espero que todos os sujeitos LGBQIAP+ e os profissionais de biblioteconomia aliados à causa que buscam um instrumento para direcionar esse trabalho com nossa comunidade.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

AA: Acredito que de uns tempos para cá as questões de gênero e sexualidade têm ganhado espaço na Ciência da Informação, mas ainda há muito o que ser trilhado. Lembro que na época do meu TCC, durante o ano de 2019, eu tive muita dificuldade em encontrar referências na área que pudessem colaborar com o corpo da minha pesquisa. Persistir em pesquisar sobre a população LGBTQIAP+ é uma forma de resistência por si só, já que podemos observar nitidamente a relação desses sujeitos com os ambientes formais de educação. Muito do conhecimento produzido e das demandas informacionais ficam restritos a espaços que são voltados à essa população. Acredito que minha dissertação traz uma nova plataforma dentro da CI para a discussão dessas demandas. Além de abrir os olhos dos profissionais da informação, da cultura e das políticas públicas sobre a urgência dessas questões na sociedade, minha dissertação serve como um ponto de partida para qualquer biblioteca ou esfera do poder público que queria implantar uma política cultural que vise acolher os sujeitos LGBTQIAP+ nesses espaços.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós-Graduação? Por quê?

AA: Informação, Memória e Tecnologia, afinal trata-se da produção e uso da informação por um grupo específico de pessoas e isso está ligado diretamente a construção e preservação da memória desses sujeitos numa sociedade.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

AA: O livro “Do invisível ao visível: saberes e fazeres LGBTQIA+ na Ciência da Informação” foi uma grande referência para mim, em especial o artigo “A literatura não ousa dizer seu nome: percepções das bibliotecárias da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) acerca da mediação de leitura com temática LGBT” escrito por Carlos Wellington Soares Martins e Thais dos Santos Rodrigues. Na verdade, toda a produção do Carlos Wellington foram inspiradores para mim e foi uma honra tê-lo na minha banca. Nesse artigo em questão, eles estudam como a literatura LGBT, que já enfrenta dificuldade em existir no mercado editorial e do circuito do livro, que mal chegam nas bibliotecas e muito menos ainda são protagonistas das ações culturais, pode e deveria ser um instrumento das rodas de leitura existentes nas bibliotecas. Cito também Teixeira Coelho como uma grande referência, juntamente com Luís Milanesi e seu clássico “Ordenar para desordenar” e João Silvério Trevisan, referência incontornável para pesquisadores das questões LGBTQIA+.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

AA: Eu gosto de coletar dados com pessoas em todas as minhas produções acadêmicas, acho que torna o meu trabalho mais democrático e coletivo e gosto da sensação de estar fazendo algo em conjunto. Após pesquisar livros e documentos que falassem sobre o histórico e a realidade das bibliotecas públicas e dos sujeitos LGBTQIAP+, eu queria realizar entrevistas com bibliotecários que atuassem em bibliotecas públicas. Essa parte das entrevistas estava bem clara desde o início do meu projeto e meu orientador comprou a ideia logo de cara. Escolhemos uma biblioteca de cada zona urbana da cidade do Recife, assim mais contextos socioculturais e pontos de vistas seriam contemplados na pesquisa. Nem todas as bibliotecas eram gerenciadas por bibliotecários, alguns eram pedagogos, outros arte-educadores… Ainda assim, a colaboração desses diferentes profissionais foi extremamente enriquecedora.  Com o que foi coletado nessas entrevistas, veio o desafio de pensar como uma política pública poderia se estruturar para abarcar o que já é feito e o que ainda poderia ser melhorado e implementado a respeito de pessoas LGBTQIAP+ nas bibliotecas. Assim, consideramos o que já era feito nessas bibliotecas, o que esses profissionais relataram que gostariam de fazer e o que os usuários desses espaços possuíam como demandas informacionais em relação à gênero e sexualidade.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

AA: Acredito que a maior dificuldade foi ter tempo para escrever, pois precisei conciliar o mestrado com um trabalho de 44h semanais. Infelizmente, ser mestrando ou doutorando ainda não garante direitos trabalhistas como férias, 13º salário e contribuição para o INSS; coisas que pesam demais na balança quando você não faz parte da camada que vive financeiramente confortável. Inclusive, há uma iniciativa da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) que luta em prol dessas demandas —  apoiem a causa, sigam nas redes sociais, assinem os abaixo-assinados… Felizmente, em relação à dificuldade em conciliar o trabalho com a escrita, tive a compreensão e o apoio do meu orientador, Hélio Pajeú, e por isso serei eternamente grato. Também senti um gosto agridoce ao constatar tantas bibliotecas que não possuem bibliotecários. Em momento nenhum coloco em dúvida a qualidade do trabalho desses outros profissionais, mas que espaço nos sobra se o que é nosso por direito está nas mãos de outros? Ainda há muito pelo que lutar.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação? 

AA: Eu diria que foi um processo 50/50. É sempre uma delícia fazer ciência, mas é uma jornada tortuosa fazer isso num Brasil que ainda não valoriza nossos cientistas, especialmente da Informação, como deveria.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

AA: Acho que uma consideração que devo fazer é reforçar o pedido de apoio à iniciativa da defesa dos direitos trabalhistas dos pós-graduandos liderada pela ANPG, e lembrar àqueles que fazem suas graduações e pós em universidades públicas que vocês possuem o direito de cursar disciplinas em outros cursos e programas, porque nenhum conhecimento se constrói sozinho; é importante beber de outras fontes, conhecer novos autores e perspectivas e isso enriquece você enquanto profissional / estudante / pesquisador / pessoa e a sua pesquisa também enriquecerá outras pessoas! É maravilhoso manter esse conhecimento circulando fora da bolha.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

AA: Foi preciso ficar atento para fazer a manutenção necessária. Conciliar mestrado e trabalho demanda muita energia e a pressão de fazer bem as duas coisas acaba por vezes nos isolando um pouco do mundo lá fora, mas meu companheiro me trazia de volta para a Terra quando necessário, além de iniciar a terapia durante esse momento que contribuiu não só para me organizar mental e emocionalmente, mas também ajudou ao processo de escrita fluir mais facilmente.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

AA: Eu recomendaria que eles se esforçassem para enxergar além do que fui capaz, trazer suas próprias vivências e seus próprios olhares. E entrem em contato comigo, por favor! Adoro trocar ideias e aprender com as novas gerações.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

AA: Rapaz, eu acredito que eu poderia ter feito mais! Publiquei “Curadoria de conteúdo para (re)construção da memória LGBTQIA+: o Acervo Bajubá” em parceria com o Matheus Arruda e publiquei “Políticas públicas para formação e desenvolvimento de coleções, comunidade LGBTQIA+ e representatividade: um estudo do acervo da Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco”. Nenhum deles foi um enxerto direto da minha dissertação, mas ambos tratam de questões relacionadas a gênero e sexualidade que têm permeado minha formação até aqui. Cada um é especial à sua maneira: a troca com o Matheus Arruda me deu acesso às referências que eu não tive contato até então e o artigo sobre o acervo da Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco, além de ser sobre um lugar que visito toda semana, também foi meu primeiro artigo publicado sozinho.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

AA: Passei na seleção para o doutorado e as aulas no PPGCI/UFPE começarão em março de 2024. No doutorado eu vou estudar podcast de crimes reais e estou bem animado em pegar uma coisa que sou viciado e tornar isso meu objeto de pesquisa. Além de estudar para a seleção do doutorado, após o mestrado estive estudando para concursos públicos e tentando engajar a formação de um sindicato dos bibliotecários aqui em Pernambuco. Inclusive se você está lendo isso e é de Pernambuco, entre em contato comigo, vamos somar à luta.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

AA: (respondi tudo junto na questão anterior kkk)

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

AA: Eu não teria duvidado tanto de mim mesmo, eu teria aprendido a pedir mais ajuda às pessoas queridas da minha vida e eu teria internalizado antes que ser mestre ou doutor é apenas um título, o que importa são os conhecimentos construídos e os laços que fazemos. Como pessoa LGBTQIAP+, muitos professores e colegas durante a graduação questionaram minha vivência e duvidaram da minha capacidade de ir além, eu queria ter aprendido a usar isso como combustível antes.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

AA: Como ainda estávamos remotos devido à pandemia da COVID-19, o PPGCI/UFPE sempre se mostrou muito disposto a entender as dificuldades que enfrentávamos naquela época, em termos de infraestrutura e psicologicamente mesmo e retribui isso da forma que todo discente deveria: me esforçando o máximo dentro das possibilidades, entregando as coisas no prazo e mantendo o padrão do Programa, uma vez que nossas ações afetam diretamente a nota do programa perante à CAPES e isso impacta diretamente os recursos destinados ao programa pela instituição.

DC: Você por você:

AA: Foi muito louco me perceber de um dia para o outro como Bibliotecário e pesquisador em Ciência da Informação. Entrar na graduação aos 17 anos sem certeza do que eu gostaria de fazer da vida, se aquela era a escolha certa, enquanto lidava com a liberdade recém descoberta de beirar a maioridade numa época em que o Centro de Artes e Comunicação da UFPE vibrava cores, festas e energias, me fez levar o início da graduação de maneira leviana e hoje me arrependo de não ter aproveitado mais as coisas que a graduação tinha a me oferecer. Começar a estagiar na área me ajudou a entender meu local no mundo e como isso complementava com o meu fazer profissional; hoje já não há mais uma separação entre a Pessoa Arthur e o Bibliotecário Arthur. Como mencionado anteriormente, diversas situações me fizeram achar que eu não me encaixava no meio acadêmico. Uma vez uma professora disse que eu não poderia ir longe na vida já que eu ia para a universidade usando shorts (no calor do Recife!) e veja o que fui capaz de fazer e conquistar até agora, aos 26 anos. Amo o fazer bibliotecário e eu amo a pesquisa em CI, mas me decepciona um pouco a desmobilização da classe bibliotecária que não se une em prol de um objetivo comum e de certas atitudes percebidas em alguns grupos na CI que parecem querer encontrar validação na área através da arrogância, como um mecanismo de defesa à desvalorização da sociedade conosco. Enquanto sujeito LGBTQIAP+, a desvalorização e a marginalização me acompanham desde que compreendi que eu não consigo seguir o padrão heteronormativo imposto pela sociedade, então eu não acho que as coisas precisem funcionar dessa maneira. Acredito ser possível conciliar luta com gentileza e gosto de acreditar que há outros que pensam como eu e estão se esforçando para quebrar o sistema de dentro para fora. Por isso lutemos em defesa das bibliotecas públicas, pelo acesso à informação, pelo cumprimento da Lei 12.244/2010, pelos concursos públicos, pela formação de sindicatos e pisos salariais… Lutemos!

Agradeço aos que vieram antes de mim e espero dar orgulho aos que vierem depois. Por fim, gostaria de agradecer também à Revista Divulga CI pelo espaço e parabenizar pela iniciativa. Democratizar é o nosso objetivo. 


Entrevistado: Arthur Almeida

Entrevista concedida em: 8 fev. 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Larissa Alves

Fotografia: Arthur Almeida

Diagramação: Larissa Alves

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