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v. 2, n. 8, ago. 2024
Entrevista com Luís Vanin sobre sua pesquisa que analisou a organização das memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ de Florianópolis

Entrevista com Luís Vanin sobre sua pesquisa que analisou a organização das memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ de Florianópolis

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Entrevista com Luís Vanin sobre sua pesquisa que analisou a organização das memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ de Florianópolis

Luís Fernando Vanin

luisfernandovanin@gmail.com

Sobre o entrevistado

O recém mestre Luís Fernando Vanin defendeu, em 2024, sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação do Prof. Dr. Rodrigo de Sales.

Natural de Marau, Rio Grande do Sul, o bibliotecário tem como hobbies praticar vôlei, apreciar um passeio na praia e brincar com seu cachorro. Ainda em 2024, Luís já ingressou no doutorado pelo mesmo programa.

Sua dissertação, intitulada “Organização das memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ de Florianópolis-SC sob a perspectiva da desclassificação”, teve como objetivo entender como seria possível organizar as memórias e os patrimônios LGBTQIAPN+ de Florianópolis-SC de maneira mais justa e inclusiva. Com base nisso, o pesquisador compilou listas de memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ em Florianópolis, que são úteis para estudos futuros, bem como, teceu premissas decoloniais, transculturais e desclassificatórias para amparar a organização dessas temáticas. Esta pesquisa também buscou orientar os mediadores culturais para uma organização mais justa e diversa, desafiando as lógicas dominantes que muitas vezes marginalizam certos grupos. 

Convidamos Luís para nos contar, nesta entrevista, como se deu o percurso de sua pesquisa e sua experiência no programa de mestrado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Luís Fernando Vanin (LFV): A decisão de fazer o mestrado e seguir no doutorado veio das minhas inquietações e frustrações para com o mercado de trabalho para pessoas bibliotecárias. Após a minha formatura de graduação, escolhi ir vivenciar as experiências como trabalhador da área. Foi frustrante ao perceber a defasagem da área, as disputas por baixos salários e a desvalorização. A pós-graduação sempre foi um sonho, desde que iniciei a graduação. A qualificação profissional e intelectual é o meu carro chefe. Nesse percurso, tenho tentado buscar outros caminhos para explorar minha profissão e, o ensino de Biblioteconomia e Ciência da Informação talvez seja uma opção mais agradável para meus objetivos de vida. A escolha pela temática desenvolvida na minha pesquisa de mestrado se deu pela minha trajetória como militante em movimentos sociais LGBTQIAPN+ no sul do Brasil. Desde a graduação, essa temática esteve presente no desenvolvimento dos trabalhos e discussões propostas. Meu TCC foi sobre o Jornal Lampião da Esquina como um patrimônio cultural relevante para os acervos das bibliotecas públicas. No mestrado, resolvi seguir na direção de culturas, memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+. A teoria da desclassificação apareceu como uma alternativa para se pensar a ciência da informação e a organização do conhecimento, numa perspectiva pós-estruturalista, decolonial, revolucionária e desafiadora para a área. 

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

LFV:   Meu foco sempre é nas comunidades LGBTQIAPN+, mas também com o intuito de municiar o campo da Ciência da Informação de perspectivas outras que buscam um novo lugar de enunciação e novas práticas epistemológicas, visando garantir o protagonismo dessa população marginalizada e excluída dos fazeres científicos e sociais

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

LFV: Destaco a inovação e a busca por metodologias disruptivas, principalmente na área da Ciência da Informação.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

LFV: a pesquisa foi desenvolvida na linha de Pesquisa: Memória, Mediação e Organização do Conhecimento do PGCIN/UFSC. Isso se deu pela escolha do meu orientador, onde me inseri e pude desenvolver essa pesquisa, que modéstia à parte, está bafônica.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

LFV: Para compreender e dialogar sobre culturas, memórias e patrimônios LGBTQIAPN+ os autores que me inspiram são com certeza os museólogos Tony Boita e Jean Baptista. Para a teoria da desclassificação o autor espanhol Antônio García Gutiérrez. Recomendo a leitura de todos os escritos desses autores.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

LFV: As escolhas metodológicas foram amparadas pela vontade de fazer algo fora das escolhas comuns na área da Ciência da Informação. Na busca por perspectivas que auxiliassem na decolonialidade de métodos e ampliassem a participação das pessoas no desenvolvimento da pesquisa. Assim, recorremos a entrevistas com personalidades sociais amparadas pela cartografia social e de sentimentos de Rolnik.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

LFV: Por se tratar de uma pesquisa que se baseou na revisão narrativa da literatura, a maior dificuldade, acredito que tenha sido realizar a leitura de um montante significativo de literaturas, das mais diversificadas áreas, como saúde, educação, antropologia, ciências sociais, psicologia etc., e sintetizar todos esses conhecimentos na elaboração da dissertação.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação? 

LFV: A inspiração certamente veio das minhas vivências sociais como uma pessoa LGBTQIAPN+ nesse mundo que nos quer mortas. Minha transpiração se deu no empenho em desenvolver essa pesquisa que marca minha trajetória e me confere o título de mestre.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

LFV:  Gostaria de falar sobre a saúde mental das pessoas pós-graduandas. É sempre um desafio. Temos metas e produções para alcançar e muitas vezes estamos sozinhos nessa caminhada. Mesmo com o apoio do orientador. Porém, outros aspectos de nossas vivências se sobrepõem a nossa trajetória. As frustrações de não sermos reconhecidos como trabalhadores/pesquisadores, nos permeiam e nos causam adoecimentos. 

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

LFV: O período de realização do mestrado foi concomitante com a realidade pandêmica do COVID 19. Isso influenciou muito na trajetória e escolhas que foram feitas. A família foi uma base de apoio incondicional, mesmo não entendendo direito o que eu estava fazendo.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

LFV: Meu maior orgulho ao concluir minha dissertação, foi, com certeza, o patamar alcançado nessa empreitada. Acredito que minha dissertação tem muito a contribuir nos estudos de temáticas LGBTQIAPN+, bem como, na área da organização do conhecimento e da Ciência da Informação.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

LFV: O mestrado é um período curto de pesquisa. Ao ingressar, tinha milhares de expectativas, porém, o tempo corre e nem sempre damos conta de tudo que nos propomos e está tudo bem. Avalio a minha produção científica neste período como razoável. Mas acredito que para além de produções e publicações, o conhecimento adquirido e compartilhado na caminhada para construir a dissertação foram de grande valia para minha trajetória social, profissional e pessoal.

Já foi publicado o primeiro artigo, resultado da minha pesquisa:

Título: Organização das memórias e patrimônios culturais LGBTQIAPN+ sob a perspectiva da desclassificação na Revista Em questão. Em breve, outros artigos também serão publicados em revistas, capítulos de livros e anais de eventos. Minha dissertação também será publicada em formato de livro que deverá ser lançado no segundo semestre de 2024 ou em 2025.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

LFV: Engatei direto no doutorado. Sigo com o mesmo orientador e ampliando a temática desenvolvida no mestrado. Em termos profissionais, a ambição almejada é um cargo de professor federal.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

LFV: Acho difícil responder essa pergunta, pois o conhecimento é um processo de acúmulo e síntese. Eu tive a sorte de escolher um orientador aberto a novas possibilidades o que fez com que minhas escolhas fossem respeitadas e incentivadas, mesmo as mais disruptivas. Um processo que venho tentando desenvolver desde o mestrado é organizar melhor meu tempo e minhas metodologias de aprendizagem.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

LFV: O PGCIN me deu apoio para concretizar meus anseios de pesquisa auxiliando na participação de eventos e possibilitando as novas incursões por áreas pouco exploradas. Pelo programa, além de contribuir com inovações na área, acredito que colaborei para trilhar novos caminhos. 

DC: Você por você:

Eu sou uma bicha pesquisadora, bibliotecária e inconformada com as injustiças do mundo. Filho de pais semianalfabetos e trabalhadores rurais. Primeiro da minha família a formar na graduação em uma universidade pública, ter o título de mestre e a aspirar o título de doutor. Orgulhoso pela minha trajetória nos movimentos sociais LGBTQIAPN+, estudantis e de trabalhadores que com certeza moldaram minha trajetória e me trouxeram até aqui. Deixo meu agradecimento especial à comunidade LGBTQIAPN+, que, com coragem e determinação, abriram caminhos na luta e na existência, pavimentando o terreno para que eu pudesse chegar até aqui. Cada pessoa LGBTQIAPN+ que cruzou meu caminho foi uma fonte de inspiração e força, moldando a minha compreensão do mundo e me impulsionando a ser autêntico. Suas histórias de resistência, amor e aceitação criaram uma trilha luminosa que iluminou o meu caminho. Hoje, reconheço o privilégio de contar com modelos tão incríveis em minha jornada. Espero sinceramente que, assim como fui inspirado por cada uma de vocês, eu também possa ser uma fonte de inspiração para as LGBTQIAPN+ que ainda estão por vir. Que minha jornada possa servir como um lembrete de que somos capazes de superar desafios, de que nossa existência é valiosa e merece ser celebrada. A luta pela igualdade e respeito é contínua, e sei que, juntes, podemos criar um mundo mais inclusivo e acolhedor para todas as identidades e expressões. Que nossa união seja um farol para aqueles que buscam seu lugar no mundo, mostrando-lhes que são amados, aceitos e dignos de ocupar espaços em todos os cantos da sociedade. Continuemos avançando, abrindo portas e construindo um futuro mais igualitário para a comunidade LGBTQIAPN+.

Luís Fernando Vanin: 

Quero dedicar essa entrevista e a minha dissertação a todes LGBTQIAPN+ que vieram antes de mim e a todes que ainda virão. Deixo aqui, um poema do colega e amigo  Carlos Wellington.

Classificaram-me!

Logo eu, que me achava uma incógnita, um constante devir, uma caixa de surpresas

Normalizaram-me!

Normalizaram meu corpo, meu desejo, meu afeto, meu comportamento

Gritou a biopolítica de Foucault, a performatividade de Butler e a necropolítica de Mbembe

Usaram todos os dispositivos possíveis

ABNT, Vancouver, LC, APA e ISO

Catalogaram-me!

Me colocaram em uma caixinha: gay, hetero, cis, trans, homem, mulher

Logo eu que sou tudo isso e ao mesmo tempo nada

Sou marcado socialmente para ajudar na compreensão do Outro, ou o Outro do Outro, ou a

Outra da Outra

Cansado de que digam quem sou e me classifiquem, normalizem e me cataloguem

Quero meu lugar de fala!

Só eu sei a dor e a delícia de ser quem eu sou

Eu que sou muitos e ao mesmo tempo ninguém

Entre as estantes e livros encontro a paz e o desassossego

Queriam que eu fosse médico, advogado e empreendedor

Contra tudo e contra todos (e todes) é entre os livros que pretendo fazer a revolução

(contra)sexual

Escolhi ser bibliotecário

E mais uma vez fui classificado.

Carlos Wellington


Entrevistada: Luís Fernando Vanin

Entrevista concedida em: 13 maio 2024 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Luís Fernando Vanin

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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