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v. 1, n. 3, maio. 2023
Entrevista com Eliane Pellegrini e sua pesquisa sobre Competência em Informação de mulheres rurais e empoderamento

Entrevista com Eliane Pellegrini e sua pesquisa sobre Competência em Informação de mulheres rurais e empoderamento

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Entrevista com Eliane Pellegrini e sua pesquisa sobre Competência em Informação de mulheres rurais e empoderamento

Eliane Pellegrini
elianepellegrini@gmail.com

Sobre a entrevistada

Em 2022, a bibliotecária Eliane Pellegrini defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina, sob orientação da Profª. Drª. Elizete Vieira Vitorino.

Aos 36 anos e natural de Santa Catarina, Eliane gosta de ler, assistir séries, ir à praia e viajar em seu tempo livre. Atualmente é servidora pública, lotada como bibliotecária do Instituto Federal de Santa Catarina no campus de Itajaí.

A pesquisadora desenvolveu sua tese intitulada: “Princípios para o desenvolvimento da competência em informação de mulheres rurais sob a perspectiva do empoderamento” que propôs uma discussão acerca da importância da competência em informação para o processo de empoderamento de mulheres rurais, estabelecendo princípios para o desenvolvimento da competência em informação destas mulheres a partir da perspectiva feminista e empoderamento. 

Ao final, foi possível concluir que a competência em informação qualifica a ação das mulheres, ao desenvolver aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais, de tal forma que contribui para a diminuição da vulnerabilidade social, além de transformar as estruturas sociais que sustentam as relações de poder, especialmente, quando o Estado cumpre suas funções. Ela deve ser considerada, além de um direito humano, uma necessidade para o empoderamento individual e coletivo de mulheres rurais.

Solicitamos a Eliane um relato, por meio desta entrevista, sobre como foi a sua experiência no programa de doutorado e os desdobramentos de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Eliane Pellegrini (EP): Várias razões me impulsionaram a fazer doutorado, mas posso citar, em primeiro lugar, o desejo de crescer profissionalmente e ascender na minha carreira atual de funcionária pública, além de, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de trabalho.  Em segundo lugar, o sonho de viver uma experiência de estudos em outro país por meio do doutorado sanduíche. Quanto ao tema da tese, a escolha se deu por já o ter pesquisado no mestrado. A diferença é que no mestrado realizei uma pesquisa sobre competência em informação de bibliotecários do Instituto Federal de Santa Catarina. Já no doutorado considero que alcei um voo muito maior, pesquisando mulheres rurais com foco em seu empoderamento e adentrando nos estudos de gênero e no feminismo. A motivação para a pesquisa foi, principalmente, de cunho pessoal, por eu ter sido criada numa área rural de Santa Catarina e ver claramente a necessidade das pessoas, principalmente as mulheres, de desenvolverem competência em informação para enfrentarem um problema que ultrapassa gerações – a desigualdade de gênero – e que muito me sensibiliza.

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e  conclusões alcançados?

EP: Por pesquisar uma temática pouco explorada, no que diz respeito às mulheres rurais, a certeza de ter uma tese somente chegou durante o processo de coleta e análise dos resultados. Antes disso, eu tinha apenas o levantamento bibliográfico e as ligações teóricas que considerei apropriadas realizar. Os dados empíricos, contudo, corroboraram a tese que defendi do início ao fim da pesquisa: o processo de competência em informação contribui ao empoderamento no nível individual, principalmente, em função da aquisição de informações e de novos conhecimentos, e no nível coletivo, por qualificar a ação das mulheres. Além disso, a competência em informação contribui para minimizar algumas vulnerabilidades a que as mulheres estão constantemente expostas, ainda que o empoderamento não seja um processo simples que pode ser resolvido somente por meio do desenvolvimento dessa competência.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

EP: Com certeza um dos trabalhos que muito me inspirou foi a tese da Acacia Rios, intitulada “Mujeres y madres del programa Beca Família: acceso a la información, empoderamiento y ciudadanía: un estudio de tres comunidades de Sergipe (Brasil)”, bem como os artigos produzidos a partir dessa pesquisa orientada pela professora Aurora Cuevas, da Universidade Complutense de Madri.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

EP: Minha tese aborda uma temática pouquíssimo explorada no Brasil e aponta caminhos que podem ser percorridos por bibliotecários, educadores e demais profissionais preocupados com o desenvolvimento da competência em informação de mulheres rurais de forma que esta contribua ao empoderamento. Esses caminhos são apresentados na forma de princípios não vistos em outros trabalhos, que abrangem técnicas de ensino/aprendizagem, condições contextuais, abordagem teórico-prática e diretrizes para a elaboração de programas de competência em informação.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

EP: Acredito que o tema proposto, de cunho social, e os resultados apresentados alavancam a discussão sobre a necessidade de políticas públicas de informação no Brasil voltadas, principalmente, às populações vulneráveis, que contemplem medidas de inclusão digital e informacional. Ao final da pesquisa, também recomendo que os governos destinem investimentos para a melhoria da infraestrutura de acesso à internet nas áreas rurais. Além disso, implemente uma rede de bibliotecas públicas, com bibliotecários, para atender de forma gratuita as necessidades informacionais e tecnológicas das pessoas em áreas distantes dos grandes centros urbanos.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

EP: Do ponto de vista científico, a tese consiste em uma abordagem interdisciplinar que cumpre a função de contribuir a expansão dos limites atuais dos estudos sobre competência em informação, tanto em nível nacional, quanto internacional, traz conhecimentos sobre um tema em que há escassez de estudos e resulta em princípios norteadores para o desenvolvimento de mulheres rurais competentes em informação sob a perspectiva do empoderamento. Os princípios dão conta de apontar características do que se deve constituir o processo de desenvolvimento da competência em informação, sob a perspectiva do empoderamento.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

EP: O passo a passo da metodologia foi definido durante a elaboração do projeto de tese. Desde o princípio, busquei utilizar técnicas apropriadas à pesquisa qualitativa e que eu me sentisse capaz de aplicar, considerando o universo da pesquisa e as minhas condições de pesquisadora naquele momento. Ainda que eu tive vontade de inovar na metodologia, fazendo, por exemplo, uma revisão sistemática da literatura, não consegui me apropriar adequadamente do método.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

EP: 30% inspiração e 70% transpiração. Fazer um doutorado e, consequentemente, escrever uma tese demanda muito esforço, tempo e dedicação.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

EP: A caminhada nos primeiros dois anos de doutorado foi árdua, de muito estudo e dedicação, abrindo mão de finais de semana de descanso, de encontros com amigos, principalmente porque dividia meu tempo entre o trabalho e os estudos. O fato de eu não ter obtido licença integral das minhas funções no Instituto Federal nos primeiros anos foi muito prejudicial à qualidade da tese, pois impediu que eu cursasse algumas disciplinas que me pareciam importantes e que teriam me proporcionado novos conhecimentos para fazer uma pesquisa metodologicamente melhor. Entretanto, considero que o resultado da sobrecarga composta por trabalho e estudos foi ainda mais prejudicial à minha saúde mental. Depois desse período inicial, quando finalmente pude me dedicar integralmente ao doutorado, veio a pandemia, que dentre todas as implicações que vieram com ela, ocasionou atraso na qualificação do meu projeto de tese e mudanças na forma de coletar os dados. Para não dizer que foram só pedras no caminho, no quarto ano consegui, finalmente, fazer o doutorado sanduíche: seis meses em Madri, na Espanha, conhecendo uma outra realidade em termos de políticas informacionais e de gênero, inclusive, para mulheres rurais. Experiência que jamais esquecerei e que muito contribuiu para o sucesso da tese, além do fato de nunca ter pensado em desistir, apesar das dificuldades, e ter sempre tentado dar o meu melhor ao trabalho.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

EP: Minha família foi muito compreensiva com as ausências, mas me arrisco a dizer que a pandemia nos isolou muito mais do que propriamente o doutorado.

DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

EP: A maior dificuldade foi, sem dúvida, a coleta dos dados empíricos por meio de entrevistas em profundidade. Esse tipo de coleta, realizada diretamente com as pessoas, é naturalmente difícil. No caso da minha tese, o período de coleta coincidiu com o auge da pandemia, em 2020. As entrevistas com as mulheres rurais estavam previstas para acontecer presencialmente, mas, em função disso, para que não houvesse muito atraso no término da tese, as realizei remotamente. Esta situação exigiu uma adequação do até então planejamento, pois mesmo com todas as medidas sanitárias conhecidas naquele período, considerei que não convinha ir à casa das entrevistadas ou encontrá-las presencialmente em qualquer outro lugar. A realização das entrevistas foi muito desafiadora, principalmente, porque a maioria das entrevistadas não dispunha de boa conexão com a Internet e apresentavam dificuldades para usar a plataforma Zoom. Eu, inclusive, escrevi na tese um relato detalhado sobre essa fase.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis  sobre sua tese?

EP: Acredito que há muito o que se pesquisar sobre competência em informação na perspectiva do empoderamento, de forma a se contribuir para o enfrentamento das desigualdades sociais e para a inclusão informacional dos grupos vulneráveis.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

EP: Seguir investigando, participando de projetos e aplicando os novos conhecimentos ao trabalho que já realizo como bibliotecária. Não descarto a possibilidade de fazer concurso para professora.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

EP: É difícil dizer, mas acho que teria escolhido realizar a pesquisa com outro grupo de mulheres em vulnerabilidade, que residisse geograficamente mais próximo a mim. Isso me permitiria hoje desenvolver, talvez, um programa de competência em informação com elas a partir dos resultados da tese.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

EP: Avalio como satisfatória, considerando os aspectos que influenciaram no meu processo de doutoramento. Procuro não ser muito dura comigo mesma nesse sentido. A partir das disciplinas realizadas, produzi um artigo e um capítulo de livro. Participei e apresentei trabalhos em três eventos científicos, sendo dois deles internacionais. Durante o período que estive na Espanha, produzi um artigo em parceria com a professora Aurora Cuevas que, provavelmente, será publicado mais a frente como capítulo de livro. Desde a época do mestrado, eu participo do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Competência em Informação (GPCIn) da UFSC e em meio a pandemia desenvolvemos o Observatório Covid-19 idealizado pela profa. Elizete. Desse projeto resultou um artigo coletivo publicado no livro Atuação de profissionais da arquivologia, biblioteconomia e museologia em época de pandemia. Quanto aos principais resultados da tese, produzi dois artigos, um enviado a uma revista brasileira, da qual ainda não obtive retorno, e outro já aceito para publicação na Revista Española de Documentación Científica.

DC: Exerceu alguma monitoria durante o doutorado? Como foi a experiência?

EP: Realizei estágio de docência na disciplina CIN 7306 Competência Informacional ministrada pela profa. Elizete, no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina.  Foi uma experiência muito enriquecedora em que tive a oportunidade de discutir as dimensões da competência em informação com alunos do curso de graduação e, ao mesmo tempo, sentir o “gostinho” de atuar como docente. Isso ampliou meus horizontes profissionais. Em um segundo momento, na Espanha, também tive a oportunidade de fazer uma pequena, porém importante participação em uma disciplina ministrada pela profa. Aurora Cuevas, com alunos de graduação em Ciencias de la Documentación, da Universidade Complutense de Madri. Nessa ocasião, falei sobre os aspectos metodológicos da minha tese.

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

EP: A primeira experiência contribuiu para reforçar os aportes teóricos da minha tese que, desde o princípio, fundamentou-se nas dimensões da Competência em Informação propostas por Vitorino e Piantola (2011). Já a segunda experiência serviu para me dar certeza sobre a clareza da metodologia que eu estava aplicando à pesquisa.

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

EP:  Que observem atentamente os princípios norteadores propostos para dar partida a outras pesquisas, bem como a abordagem desenvolvida.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

EP: Com base em minha experiência na pós-graduação, posso afirmar que a relação entre orientador-orientando deve ser pautada, principalmente, no respeito e na confiança. O ideal é que sejam anos de companheirismo, em que uma mão lava a outra, ou seja, nosso orientador nos ajuda, mas nós também precisamos fazer nossa parte e, muitas vezes, ajudá-lo em suas necessidades. Doses de compreensão e empatia advindas de ambas as partes também vão muito bem nessa relação, afinal, passamos por muitas fases e transformações pessoais e profissionais ao longo dos anos e que podem refletir, ou interferir, na relação orientador-orientando.

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

EP: Ainda não, mas pretendo colocar algo em prática e continuar investigando a temática da competência em informação, a qual considero extremamente importante no contexto de desinformação em que vivemos.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

EP: Acredito que o Programa me abriu portas para uma formação pública e de qualidade e eu retribuí com publicações, levando o seu nome para instâncias nacionais e internacionais.

DC: Você por você:

EP: Nasci e cresci em uma pequena cidade da região Oeste de Santa Catarina, num contexto rural. Saí de casa aos 17 anos para trabalhar e estudar em Florianópolis, pois na época não havia instituições de ensino superior públicas na região. Cursei Biblioteconomia na UFSC e, pouco tempo depois, assumi o cargo de bibliotecária, que ocupo até os dias de hoje, no Instituto Federal de Santa Catarina. Em meus primeiros anos de trabalho, atuei em campis recém inaugurados no interior do Estado, onde espero ter contribuído para a aprendizagem de pessoas que lutam por melhores condições de vida, apesar das circunstâncias difíceis. De certa forma, dentro de mim, sempre viveu uma inconformada, por isso, nos últimos anos, busquei constantemente aprender e ascender profissionalmente. Com a pesquisa de doutorado, vi uma oportunidade de dar visibilidade às mulheres rurais e alguma contribuição social, no sentido de enfrentar as desigualdades sociais, econômicas e de gênero. Me sinto muito orgulhosa, enquanto pesquisadora, mulher e cidadã, da escolha que fiz e de cada linha que escrevi, ainda que perceba, evidentemente, diversas limitações da pesquisa. Acredito que cada mulher faz sua luta com as armas que dispõe.


Entrevistada: Eliane Pellegrini

Entrevista concedida em: 20 fev. 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Eliane Pellegrini

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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