Travesti bibliotecária e o processo de pesquisa e lançamento do livro “Infoeducação e transexualidades: estudos iniciais”, por Melissa Silva
Travesti bibliotecária e o processo de pesquisa e lançamento do livro “Infoeducação e transexualidades: estudos iniciais”
Melissa Maria da Silva
bagagemliterariadamel@gmail.com
O processo de pesquisa e publicação do livro “Infoeducação e transexualidades” começou em 2018 na matéria de pré projeto e desenvolveu-se durante quase 4 anos nas matérias de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC I, II e III. O livro é fruto do meu TCC em biblioteconomia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde fui aluna bolsista pelo vestibular social.
Nunca havia me imaginado como escritora, meu sonho era apenas ser a “tia da biblioteca”, mas o destino me trouxe outras lutas e, consequentemente, outras vitórias. Sou uma mulher travesti antes de ser bibliotecária. Me assumi travesti e, dentro de 8 meses, eu estava em uma universidade. Isso me moldou muito enquanto ser travesti pensante e também atuando no meretrício, pois a presença e permanência de travestis e pessoas trans em universidades ainda é mínima.
Como a maioria das mulheres trans e travestis, eu fui expulsa de casa ao assumir minha identidade de gênero. Mas eu sempre gostei de ler, de estudar e de saber o motivo das coisas, então eu frequentei bibliotecas e sempre andei com livros como companhia.
Venho de uma família de testemunhas de Jeová e sempre fui incentivada a ler os livros e publicações religiosas, e do ler a bíblia fui rapidamente para o ler as aventuras da série Vagalume, então cresci no meio dos livros, das palavras e de bibliotecas públicas ou espaços de leitura. Daí vem o meu amor maior pela Biblioteconomia.
Quando eu entrei na universidade um pensamento, um medo e uma certeza sempre me acompanharam: o temido e falado Trabalho de Conclusão de Curso. Meu medo é se eu iria conseguir e sobre o que eu escreveria, e a minha única certeza é que eu deveria escrever sobre o que e quem eu sou, uma pessoa trans, uma travesti!!!! Após conseguir delimitar um tema inicial, fui em busca de arcabouço teórico, ou seja, de materiais que embasassem a minha fala perante a banca acadêmica. Tarefa que não foi fácil, pois o tema “transexualidades” no período da minha pesquisa, que se deu entre 2018 – 2021, era mínima.
Inicialmente o foco era um estudo quantitativo sobre a produção bibliográfica em transexualidades e Biblioteconomia, porém no decorrer dos semestres essa opção não atendia ao meu desejo maior de fazer a pesquisa científica. Então, tranquei o TCC por um semestre e busquei apoio na comunidade bibliotecária. Foi quando conheci o meu co-orientador, Dr. Carlos Wellington Soares Martins, da Universidade Federal do Maranhão.
Também me encontrei e me encantei na matéria Infoeducação, e com os estágios em biblioteca escolar que realizei. E, em 2020, eu já tinha tudo completamente delimitado e com uma boa quantidade de escrita que me apoiaria nessa troca e ida ao encontro do tema da minha vida: Infoeducação e transexualidades.
Estagiar em bibliotecas escolares sendo uma travesti me possibilitou pôr em prática os ensinamentos da Infoeducação bem como do seu fundador, Prof. Dr. Edmir Perrotti, que cunhou o termo e, em 2000, organizou o “1º Colóquio de Infoeducação”, na Escola de Comunicação e Artes na Universidade de São Paulo – ECA/USP.
A apresentação do meu TCC ocorreu durante a pandemia, em junho de 2021, e foi de maneira on-line, situação que facilitou a logística em ter um co-orientador em outro estado. Eu apresentei o trabalho e o assunto ficou adormecido por um tempo. Em 2022, o perfil da editora Livrologia entrou em contato comigo para eventual parceria via Instagram e eu decidi publicar, pois mesmo um ano e meio após a apresentação da pesquisa, a correlação do estudo ainda era inédita na Biblioteconomia e Ciência da informação.
Os desafios em publicar cientificamente no Brasil são inúmeros, mas quando se é uma pessoas trans ou uma travesti tudo se torna um pouco mais difícil, pois antes de escrever eu tive que mostrar para os professores e demais pessoas a minha capacidade intelectual. Tive que ensiná-los a como me tratar e se referir a minha pessoa de maneira correta e assertiva.
Outra questão: além de encontrar referencial teórico, era a qualidade desse material e quem o havia escrito, pois a maior parte de tudo o que se é publicado sobre pessoas trans e travestis é escrito por pessoas cisgêneros que, embora tenham algum conhecimento sobre a questão, não são pessoas trans e não estão neste local de fala. Pessoas trans e travestis historicamente são o objeto de pesquisa e nunca o pesquisador ou pesquisadora, então resolvi desafiar a sociedade além do esperado e me lancei como pesquisadora travesti a partir do meu local de fala.
Quanto à parte técnica e de diagramação, bem como a revisão, estes elementos ficaram por conta da editora Livrologia. O lançamento da pré-venda ocorreu em 13 de dezembro de 2022 pelo Youtube no canal da editora, e o lançamento físico ocorreu em 26 de janeiro de 2023 na Biblioteca Pública Municipal Professor Ernesto Manoel Zink, no centro da cidade de Campinas/SP. O evento foi o primeiro lançamento de livro de uma travesti nesse espaço, e contou com uma recepção com ajuda de amigos e seguidores para 50 pessoas e depois uma pequena fala em agradecimento, destacando a importância do acontecimento. Foram convidados pessoas importantes na minha trajetória como aluna e as travestis da “Casa Sem Preconceitos”, lar que apoia mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade.
O lançamento do livro ocorreu antes da minha colação de grau que foi em março de 2023, e um novo lançamento foi realizado no 39º Painel de Biblioteconomia em Santa Catarina promovido pela Associação Catarinense de Bibliotecários (ACB) em 14 e 15 de Abril do mesmo ano.
A obra é a transcrição do meu TCC na íntegra e com as devidas correções e apresenta uma discussão preliminar acerca da Infoeducação e seus atravessamentos com as transexualidades no debate sobre bibliotecas escolares. Estabelece parâmetros teóricos acerca das categorias principais de análise conceituando Infoeducação, Transexualidade e Biblioteca Escolar. A metodologia aplicada para apreensão do fenômeno orientou-se por uma abordagem qualitativa, configurando-se como uma pesquisa explicativa, quanto ao objeto, e quanto aos procedimentos como uma pesquisa documental seguida da análise de conteúdo.
No livro são apresentados relatos profissionais e de vida de pessoas transexuais e travestis, trazendo, inclusive, o da própria autora e pesquisadora como forma de exemplificar concretamente o debate proposto. Concluí que há carência de representações de transexuais atuando como infoeducadoras(es) no Brasil até 2020 na literatura científica, o que comprometeu, em partes, o objetivo do estudo, porém, trouxe à luz as atuações de alguns professores(as) transexuais que acabam por exercer também o papel de infoeducadores, só que em sala de aula e não em bibliotecas escolares.
O livro pode ser comprado ou baixado gratuitamente em PDF no site da editora livrologia. Para adquirir o livro com dedicatória para entrar em contato pelo e-mail da autora: bagagemliterariadamel@gmail.com .
Livro disponível em:
SILVA, Melissa Maria da. Infoeducação e transexualidade: estudos iniciais. Porto Alegre: Livrologia, 2022. Disponível em: https://www.livrologia.com.br/loja/infoeducacao-e-transexualidades-estudos-iniciais . Acesso em 02 de jun. 2024.
Sobre a autora
Bibliotecária credenciada no Conselho Regional de Biblioteconomia 8ª Região. Autora do livro “Infoeducação e transexualidades: estudos inicias”. Administradora e criadora de conteúdo no canal do YouTube Trava Cultural.
Bacharela em Biblioteconomia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e estudante de Pós-Graduação em Gestão de Bibliotecas Escolares pela FACUMINAS.
Redação: Melissa Maria da Silva
Fotos: Melissa Maria da Silva
Revisão: Lucas George Wendt
Diagramação: Naiara Passos