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v. 2, n. 11, nov. 2024
Editorial: 20 de novembro: de Zumbi dos Palmares à luta pela Consciência Negra e Antirracista, por Franciéle Carneiro Garcês da Silva

Editorial: 20 de novembro: de Zumbi dos Palmares à luta pela Consciência Negra e Antirracista, por Franciéle Carneiro Garcês da Silva

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20 de novembro: de Zumbi dos Palmares à luta pela Consciência Negra e Antirracista

Franciéle Carneiro Garcês da Silva

franciele.garces@unir.br

Prezada pessoa leitora, 

Fui convidada a escrever este texto para o Divulga-CI, no intuito de não só comemorar o Dia da Consciência Negra, mas também rememorar por que esta data é necessária e o nosso compromisso por uma sociedade antirracista. Dessa forma, iniciou contando que no dia 20 de novembro é comemorado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, instituído pela Lei Federal nº 12.519/2011. Em 2023, o presidente Lula sancionou a Lei Federal nº 14.759, que tornou o 20 de novembro um feriado nacional. 

A data é significativa para a comunidade negra, haja vista remeter ao dia em que Zumbi dos Palmares foi capturado e morto, em 20 de novembro de 1695. Zumbi fugiu da escravidão durante a sua infância, ascendeu como um grande líder em Palmares, e se tornou desenvolvedor de estratégias e vitorioso de várias batalhas contra os senhores de escravizados do Brasil colônia. Zumbi liderou o maior lugar de resistência negra durante o período escravista, o Quilombo dos Palmares, e até hoje é visto como um ícone da luta e resistência de pessoas negras contra a opressão, colonização, escravidão e o racismo.

Inspirado em Zumbi, o Movimento Negro Unificado é hoje o representante dessa luta contra a opressão e o racismo. Com base em suas demandas, ao longo das décadas, o Brasil criou outras leis, decretos e diretrizes que buscam reforçar as contribuições negras para o desenvolvimento do Brasil como hoje conhecemos, ao mesmo tempo em que luta para a reparação histórica, epistêmica, política, econômica, educacional e informacional para as populações negras.

Dentre esses instrumentos normativos criados, destaco a Lei Federal nº 10.639, de 2003, a qual tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas redes de ensino públicas e privadas em território nacional, promovendo a valorização da cultura afro-brasileira e a conscientização sobre a luta contra o racismo. Juntam-se a ela, 

(a) a Lei Federal nº 7.716/1989, conhecida como Lei do Racismo, a qual foi alterada pela Lei nº 14.531/2023 para tipificar o racismo, a injúria racial como crime de racismo, atribuir pena de suspensão de direito em caso de racismos em atividades esportivas ou artísticas, assim como reconhece os crimes de racismo religioso e recreativo, dentre outros; 

(b) as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, cujo enfoque está na valorização da identidade étnico-racial, história, cultura e sociabilidades das populações negras, bem como a garantia de direitos civis conforme determina a Carta Magna, a Constituição Brasileira; 

(c) a Lei Federal nº 12.288/2010, a qual institui o Estatuto da Igualdade Racial, que visa garantir os direitos, combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades para a população negra, dentre outras.

Todos esses instrumentos normativos são necessários, pois o Brasil é um país que mantém sua estrutura colonial e racista até os dias de hoje, o que se torna um desafio na busca pela justiça social e justiça racial para população negra brasileira, a qual compõe 54%, somadas as pessoas pretas e pardas. Para explicar o racismo, aciono alguns teóricos e teóricas críticos raciais, os quais nos informam que o racismo não é uma anomalia, mas sim uma regra em sociedades como a brasileira que foi fundamentada na ideia de raça, escravidão, colonização e hegemonia racial branca. 

Mirian Aquino define o racismo como uma doutrina que propaga a ideia de uma suposta superioridade étnico-racial normativa branca, utilizada como um instrumento de poder e dominação sobre grupos étnico-raciais considerados “outros”. Essa alegada superioridade se fundamenta na valorização de diferenças biológicas, políticas, educacionais, econômicas, linguísticas, culturais, morais e comportamentais, que colocam o grupo étnico-racial branco em uma posição privilegiada em relação aos demais. Adicionalmente, Robert Miles e Michael Brown abordam o racismo como uma ideologia que sustenta a noção de “raças” distintas e separadas, atribuindo avaliações negativas aos grupos étnico-raciais não-brancos. Richard Delgado e Jean Stefancic complementam essa perspectiva ao afirmar que o racismo é a regra, e não a exceção, caracterizando-se como a “ciência normal” que permeia o funcionamento da sociedade. Essa concepção destaca a naturalização do racismo nas estruturas sociais, evidenciando a necessidade de uma reflexão crítica e profunda sobre suas manifestações e consequências. Como é possível percebermos nas análises dessas pessoas investigadoras, o racismo existe, independentemente se nós nos apercebemos dele ou não, e influencia na vivência de pessoas racializadas, neste caso, pessoas negras. As pessoas negras sofrem com o racismo chamado racismo anti-negro, que unido aos outros tipos de racismo (estrutural, institucional, individual, recreativo, linguístico, religioso, informacional) se tornam fonte de opressão contínua e de morte simbólica e literal de corpos negros na nossa sociedade (Garcês-da-Silva, 2023).

Adiciono aos conceitos de racismo informações sobre o contexto em que a população negra ainda se encontra. Recorro aos dados apresentados no Atlas da Violência 2023, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Este relatório revela que a taxa de homicídios entre mulheres negras no Brasil aumentou 0,5% entre 2020 e 2021. Em 2021, foram registradas 2.601 vítimas de homicídio entre mulheres negras, um número que representa 67,4% do total de feminicídios no país. Essa estatística traduz-se em uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil mulheres negras, o que é 79% superior à taxa de homicídios entre mulheres não negras (Rodrigues, 2023; Cerqueira, 2023).

Esses dados não apenas evidenciam a gravidade da violência racial, mas também sublinham como o patriarcado e racismo estrutural se manifestam em formas concretas de opressão e vulnerabilidade contra mulheres negras. A elevada taxa de feminicídio de mulheres negras é um reflexo das desigualdades sociais, de gênero e raciais que permeiam a sociedade brasileira, e que reforçam a necessidade de um olhar crítico e consciente dos aspectos históricos, políticos e sociais que nos trazem até essa realidade ao mesmo tempo em que nos letramos acerca do nosso lócus de enunciação e adotamos uma postura antirracista nesta sociedade.

A análise do impacto do racismo na vida da população negra revela ainda um outro cenário alarmante. Em 2021, 79% de todas as vítimas de homicídio no Brasil eram negras, uma estatística que evidencia como essa população enfrenta riscos desproporcionais em relação à violência. A publicação do Atlas da Violência ressalta que as condições socioeconômicas, como pobreza e exclusão social, contribuem para a vulnerabilidade da população negra. No entanto, é fundamental considerar um fator adicional: a persistência do racismo estrutural, que não apenas agrava as injustiças, mas também perpetua estigmas e discriminações que afetam as oportunidades de vida e o acesso a serviços essenciais por parte da população negra. (Rodrigues, 2023; Cerqueira, 2023).

É esse racismo presente no imaginário e ações da sociedade brasileira que faz com que a juventude negra esteja em ameaça constante de não existência, haja vista as várias formas de extermínio existentes em nosso país. São muitos João Pedro, Alice Almeida, Emily Silva, Rebecca Santos, Ágatha Félix, Miguel Otávio mortos simplesmente por serem quem são, crianças e adolescentes negras brasileiros (Mori, 2024).

É por isso, e por muito mais que não cabe nessas poucas linhas, que o Dia da Consciência Negra existe e que lutamos para manter vivo em cada um e uma de nós, filhas e filhos de Zumbi, a força para lutar por um Brasil sem racismo, que respeite a nossa existência e de outras pessoas negras que ainda virão.

Referências 

AQUINO, Mirian de Albuquerque. Tecnologias da informação e racismo: combatendo monstros com arma suave. In: SEMINÁRIOS REGIONAIS PARA CONFERÊNCIA MUNDIAL CONTRA O RACISMO, 2001, Salvador. Anais […]. Brasília: Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001. p. 379-402.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Diário Oficial da União, Brasília: Presidência da República, 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7716.htm . Acesso em: 13 nov. 2024.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Diário Oficial da União, Brasília: MEC, 2004. Disponível em: https://download.inep.gov.br/publicacoes/diversas/temas_interdisciplinares/diretrizes_curriculares_nacionais_para_a_educacao_das_relacoes_etnico_raciais_e_para_o_ensino_de_historia_e_cultura_afro_brasileira_e_africana.pdf  Acesso em: 13 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Diário Oficial da União, Brasília: Presidência da República, 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm . Acesso em: 13 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.759, de 28 de dezembro de 2023. Institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Diário Oficial da União, Brasília: Presidência da República, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14759.htm . Acesso em: 13 nov. 2024.

 CERQUEIRA, Daniel (Coord.). Atlas da Violência 2023. Brasília: IPEA, 2023.

DELGADO, Richard; STEFANCIC, Jean. Teoria Crítica da Raça: uma introdução. São Paulo: Editora Contracorrente, 2021.

GARCÊS-DA-SILVA, Franciele Carneiro. Biblioteconomia Negra: das epistemologias negro-africanas a Teoria Crítica Racial. Rio de Janeiro: Male, 2023.

MILES, Robert; BROWN, Michael. Racism. Londres: Taylor & Francis e-Library, 2004.

MORI, Letícia. Polícia matou 243 crianças e adolescentes em 9 Estados em 2023, aponta relatório. BBC New Brasil, São Paulo, 7 nov. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cwygrk7re45o . Acesso em: 10 nov. 2024.

RODRIGUES, Léo. Homicídios crescem para mulheres negras e caem para não negras. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 05 dez. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-12/homicidios-crescem-para-mulheres-negras-e-caem-para-nao-negras . Acesso em: 10 nov. 2024.

Franciéle Carneiro Garcês da Silva

Professora junto ao Departamento Acadêmico de Ciência da Informação da Universidade Federal de Rondônia e Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Gestão da Informação, da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGInfo/UDESC). Idealizadora e gestora do Quilombo Intelectual, E Coordenadora do Selo Nyota e do GT Relações Étnico-raciais e Decolonialidades (GT RERAD). Vice-Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Recursos, Serviços e Práxis Informacionais (NERSI) e compõe o quadro de integrantes do Grupo de Pesquisa Ecce Liber: Filosofia, linguagem e organização dos saberes como membro do Satélites em Organização Ordinária dos Saberes Socialmente Oprimidos (O²S².sat).

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia/Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBICT-UFRJ). Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade do Estado de Santa Catarina.


Diagramação: Pedro Ivo Silveira Andretta

Redação e Foto: Franciéle Carneiro Garcês da Silva

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