
Percurso e pesquisas de uma jovem museóloga, por Sura Souza Carmo

Percurso e pesquisas de uma jovem museóloga
Sura Souza Carmo
suracarmo@yahoo.com.br
Meu relato de trajetória acadêmica talvez se assemelhe às vivências de dezenas de jovens que, oriundos das classes populares, ingressaram no ensino superior para transformar um caminho de vida muitas vezes já traçado pela ausência de oportunidades nos rincões do país. Cresci em uma cidade do interior da Bahia que, em 2006, tornou-se um campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). A criação de novas universidades, a interiorização do ensino superior, a ampliação do número de vagas e cursos pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), bem como a oferta de bolsas para estudantes em situação de vulnerabilidade social, tornaram palpável o sonho de estudar em uma universidade pública. Assim, este breve relato visa demonstrar que a democratização do ensino superior, ocorrida nas últimas décadas no país, possibilitou meu ingresso na universidade e na carreira docente.
Ingressei no curso de Museologia da UFRB em 2008, a princípio, por compreender que essa área do conhecimento me proporcionaria um aprendizado abrangente sobre aspectos culturais de diferentes povos e me permitiria atuar como pesquisadora de História Cultural por meio de vestígios materiais e objetos musealizados. Apesar do conhecimento superficial sobre a profissão de museólogo no período do vestibular, minha escolha foi ancorada na paixão por museus e coleções museológicas e no desejo de investigar a história de determinados objetos. Durante minha graduação, descobri, a cada semestre, caminhos possíveis para a pesquisa no campo, a ampla área de atuação do museólogo e a importância de ser um profissional que integra teoria e prática.
Após finalizar a graduação, deparei-me com a abertura de um edital para professor efetivo de Museologia na Universidade Federal de Sergipe (UFS), cuja titulação mínima exigida era a graduação. Após a aprovação e convocação, meu percurso de formação entrelaçou-se com a docência. Ingressei no mestrado em História da UFS em 2014 e, consequentemente, o campo da História tornou-se o de maior interdisciplinaridade nas minhas pesquisas até os dias atuais. Em 2019, ingressei no doutorado em Museologia e Patrimônio da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (UNIRIO/MAST), desenvolvendo uma pesquisa pautada na intersecção entre os campos da Museologia e da História.
Ao longo de pouco mais de uma década de atuação como docente do magistério superior, minhas pesquisas têm buscado revelar diversos aspectos da importância da valorização do patrimônio afrodiaspórico brasileiro e discutir questões relacionadas à formação em Museologia e às técnicas do campo. Cotidianamente, estudantes em formação me perguntam quais são as motivações para que um pesquisador investigue determinado objeto de estudo. Sempre respondo que a escolha está relacionada às vivências cotidianas, às experiências acadêmicas na graduação — incluindo a participação em projetos de pesquisa e extensão — e à paixão por determinado objeto ou questão social. Dessa maneira, afirmo que minha escolha por pesquisar o patrimônio afrodiaspórico brasileiro está intrinsecamente ligada ao meu território de origem, o Recôncavo Baiano, e à percepção de que discussões sobre esse tema possuem grande demanda tanto na academia quanto na sociedade.
No mestrado, minha pesquisa abordou a historiografia da escravidão em Sergipe, proporcionando um aprofundamento sobre diversos aspectos da escravidão no Brasil, em especial no Vale do Cotinguiba, território onde leciono. No doutorado, leituras intensas sobre a escravidão e o pós-abolição no Brasil permitiram-me compreender a longa trajetória de valorização de um bem cultural afrodiaspórico brasileiro: a penca de balangandãs. Joia afro-luso-brasileira de caráter híbrido, utilizada por mulheres negras desde o final do século XVIII, a penca de balangandãs tornou-se um símbolo/souvenir da Bahia e da baianidade. Esse objeto de estudo tem me permitido explorar diversas questões sobre a escravização de africanos, o protagonismo negro e a questão de gênero, interseccionando essas temáticas. Os artigos que produzi sobre as pencas de balangandãs e o patrimônio afrodiaspórico brasileiro são motivados pela necessidade de dar maior visibilidade à herança cultural de matriz africana no Brasil e descortinar os silenciamentos ocorridos nas políticas patrimoniais por décadas.
Além das pesquisas acadêmicas, as atividades técnicas também são fundamentais na minha atuação como professora. Por acreditar que a prática é essencial na formação de futuros museólogos, ao longo dos anos tenho ministrado aulas técnicas em diversas instituições públicas e privadas em Sergipe, aproximando os discentes dos acervos e das práticas cotidianas da profissão. Também realizo capacitações, minicursos e outras atividades extensionistas voltadas para estudantes e o público externo, promovendo um diálogo entre academia e comunidade para a conservação e difusão dos bens culturais.
Assim, finalizo este relato salientando que nós, acadêmicos e professores das Ciências Sociais Aplicadas, temos o dever de conciliar teoria e prática, aproximando cada vez mais a universidade da sociedade por meio de atividades extensionistas diversas.
Sobre a autora:
Professora do Departamento de Museologia na Universidade Federal de Sergipe. Pesquisadora do grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano – GEMPS.
Doutora em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins. Mestra em História pela Universidade Federal de Sergipe. Bacharela em Museologia pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Redação: Sura Souza Carmo
Foto: Sura Souza Carmo
Diagramação: Ana Júlia Souza