Editorial: Para além dos obstáculos: correndo em busca da igualdade, por Kétyla Teodoro
Para além dos obstáculos: correndo em busca da igualdade
Kétyla Teodoro
ketylakis@outlook.com
Sou atleta paralímpica com deficiência visual. Minha classificação é a classe T12, destinada a atletas com baixa visão. Tenho entre 5 e 10% de visão e descobri essa deficiência entre os 12 e 13 anos. Meu irmão já tinha a doença de Stargardt, que é genética e pode se manifestar no nascimento, na adolescência ou na fase idosa. No meu caso, ocorreu na adolescência, o que foi um período complicado – um choque para a família, já que meus pais têm apenas dois filhos, ambos com a mesma deficiência.
Desde então, começou uma luta pela igualdade, com meus pais criando dois filhos com deficiência, e eu e meu irmão buscando os mesmos direitos de qualquer pessoa. Aos 16 anos, enquanto eu ainda estava na escola, um professor visitou a sala de recursos em que eu participava, em Porto Velho, na Escola Castelo Branco, procurando pessoas com deficiência, principalmente visual. Ele me encontrou, falou com a minha professora, e ela me indicou, já que eu tinha um biotipo atlético. Aos 16 anos, eu já tinha um metro e setenta de altura e era magra, e foi aí que comecei a ter contato com o esporte. Até então, não praticávamos nenhum tipo de modalidade, pois minha mãe nos protegia com um cuidado excessivo, temendo que nos machucássemos.
Costumo dizer que o esporte não veio só para me dar uma profissão ou para eu ser a Kétyla, a atleta; ele veio para dar sentido à minha vida. Antes do esporte, eu não me via com um futuro animador. Imaginava talvez uma carreira na área de Educação Física, mas nada muito promissor. Com o esporte, consigo me ver muito diferente do que há 10 ou 12 anos, quando comecei. O esporte é uma ferramenta transformadora, não só de vida, mas de opinião, mentalidade e fisicamente também. Hoje, tenho outra perspectiva de vida, não só a minha, mas a dos meus familiares, pais e avós. O esporte realmente foi e é uma ferramenta transformadora a longo prazo.
Em 2012, abriu-se uma porta para mim o meu irmão conhecermos o esporte paralímpico. Em 2018, abriu-se a minha porta. Eu não apenas entrei: eu me joguei, alcançando o ranking internacional como uma das top 3 do mundo, iniciando minha carreira profissional.
Em 2019, fui medalhista no Panamericano. Desde então, participei de mundiais e da Paralimpíada de Tóquio, apesar de ter enfrentado a Covid e não ter conseguido um bom desempenho. Recentemente, participei do Mundial do Japão e da Paralimpíada de Paris. Conquistei uma trajetória sólida e espero que ela continue por muitos anos.
Costumo dizer que o esporte é uma ferramenta transformadora que está no mesmo nível que o estudo, pois consegue mudar a mentalidade, a disciplina e o poder de resiliência de qualquer pessoa, com ou sem deficiência. É essencial divulgar o esporte paralímpico e o olímpico para que mais pessoas conheçam seu impacto.
Para mim, existem duas Kétylas: a de antes do esporte, que viveu até 2012, e a de hoje, que vê o mundo com outros olhos e tem outra perspectiva. Atualmente, estou cursando minha segunda faculdade, Fisioterapia, graças ao esporte que me mostrou que posso fazer muito mais, como atender outros atletas no futuro. O esporte é tudo para mim.
Durante toda a minha trajetória, enfrentei e continuo enfrentando muitos desafios diários, mas sempre os supero. Minha vida, assim como a de qualquer pessoa com deficiência, é como uma corrida com obstáculos: com barreiras a serem superadas diariamente. Minha maior luta é fazer com que as pessoas nos vejam com os mesmos olhos, sem pena ou piedade. Essa é uma das minhas maiores batalhas
Diagramação e revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta
Foto: Comitê Paralímpico Brasileiro / Kétyla Teodoro