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v. 1, n. 7, set. 2023
Editorial: A luta anticapacitista é um dever de todos, por Ivan Baron

Editorial: A luta anticapacitista é um dever de todos, por Ivan Baron

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A luta anticapacitista é um dever de todos

Ivan Baron

ivan.baron@mynd8.com.br

Para começar, devemos partir do início de: O que é o Capacitismo? E para isso, gosto de citar o que digo em meu e-book1:

“Algumas breves explicações antes de avançarmos: quem são as Pessoas com Deficiência (PCDs)? É a partir da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF/OMS), que possui uma visão biopsicossocial, que podemos responder a esta pergunta. Por meio da CIF, se consolidou o desenvolvimento de conceitos relacionados à deficiência, desde uma versão de 1980, em que predominava uma ênfase médica (e sempre com reforço e associação à incapacidade), até os moldes atuais (que também incluem fatores ambientais como determinantes para definir o grau da deficiência).”

A mudança conceitual da deficiência foi estabelecida pela Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, proclamada pela ONU em 2006. No artigo 1º, ela dispõe: “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interações com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”. Essas desigualdades sociais sempre existiram e acabam sendo impulsionadas também pelo tal “Capacitismo” enraizado, que é exatamente a discriminação contra as Pessoas com Deficiência.

O “achismo” reina nesse tipo de preconceito. Julgar uma pessoa pelas suas características físicas e intelectuais são as marcas predominantes dessa ação tão nociva.

Para definir, trago o conceito a partir da afirmação da psicóloga Solyana Coelho: “Capacitismo é toda discriminação, violência ou atitude contra a pessoa com deficiência e se expressa desde formas mais sutis até as mais gritantes”.

 Partindo deste entendimento, complemento que ele também é um sistema bem estabelecido na sociedade, que cria essa nossa divisão, bem como contribui para a reprodução de práticas e posturas que geram exclusão.2

Por ser uma pessoa com deficiência desde sempre, infelizmente, o capacitismo esteve em minha vida todo tempo, mesmo que ainda quando esse preconceito não tinha nome ele já feria a mim e muitos outros, por mais que no período escolar tenha boas lembranças, de momentos legais com amigos que me acolhiam, os olhares, dedos apontando, e piadas sempre estiveram ali, e em algumas vezes, infelizmente, o preconceito vinha do corpo docente, disfarçado de pequenos comentários que “eram para o meu bem”.

Acredito que muitas vezes, nós que temos uma deficiência desde a infância, queremos não nos dar conta do que acontece à nossa volta, queremos não perceber os cochichos ou coisas parecidas, só queremos viver, ser criança, adolescente, ser apenas mais uma pessoa na  multidão.

O capacitismo é um preconceito estrutural, crianças escutam piadas capacitistas de seus pais, ou reproduzem dentro do lar e produzem para amiguinhos; o capacitismo está nos filmes, novelas e livros, que tratam a pessoa com deficiência como um fardo, passando sempre a imagem de pessoa “coitada”, “digna de pena” ou até mesmo incapaz. Os ditados populares carregam seu capacitismo disfarçado de piada “sem maldade”, que são reproduzidos de geração em geração… e muitas vezes me pergunto: Como quebrar esse elo?

Como destruir essa corrente que passa de pai para filho, de amigo para amigo, de filme para novela e assim por diante? É muito bom poder falar sobre minha vivência para pessoas com deficiência, é muito bom ser representatividade para alguém ou também me sentir representado, a troca é muito boa e muito importante, mas o que sei, é que o que precisamos verdadeiramente é falar para pessoas sem deficiência. Nós que temos uma deficiência sabemos o que fazer e o que não fazer, o que dizer ou não, mas os que menos acabam sabendo ou os que menos recebem essa informação são pessoas sem deficiência, e é educando essas pessoas que pouco a pouco quebramos os elos e correntes do capacitismo, temos que ter paciência e didática para debater e repassar adiante; vídeos para internet, rodas de conversa, debates e palestras são importantes, mas também, falar para aqueles que estão ao nosso entorno é fundamental!

Muitas vezes, aquela pessoa que senta ao seu lado no trabalho, faz um comentário que é capacitista e nem sabe que isso fere a existência de alguém, porque não conversar com essa pessoa?

E depois da conversa, depois da informação, nós precisamos de aliados em nossa luta, e principalmente, na luta por acesso e equidade. A informação precisa surtir o efeito de que, a pessoa entenda que um lugar sem acessibilidade é um lugar onde uma pessoa com deficiência não pode estar, e quando alguém é impedido de estar em um lugar público ou privado, estamos impedindo seu direito de ir e vir, e isso deve ser repudiado por todos; e também, o fato de que acessibilidade é para todos… vamos pensar em alguns exemplos?

Você fratura o seu joelho, e para trabalhar precisa por um tempo fazer uso de cadeira de rodas, mas no seu local de trabalho não tem um banheiro acessível com uma porta adequada ou espaço suficiente para a cadeira de rodas entrar e sair, o que você faz?

Ou, sua irmã fica grávida, e no período de gestação é difícil ela caminhar, mas o mercado que ela costuma ir fazer suas compras, não possui rampa na frente e apenas imensos degraus, o que ela vai fazer?

E, seu avô, começa a usar andador, para que ele tenha mais independência para sair sozinho, porém, a rua em que ele mora, não tem calçadas com rampa e estas mesmas calçadas estão cheias de buracos e irregularidades, o que você faz?

Um mundo mais acessível é um mundo onde todas as pessoas, independente de como elas sejam ou estejam, possam ir e vir para qualquer espaço. A importância de lutarmos por isso, é lembrar que essa luta é não apenas por pessoas com deficiência, mas por pessoas que podem acabar em algum momento da sua vida, precisando de um mundo mais acessível também.

Mas, a acessibilidade não pode apenas ser arquitetônica, precisamos de direitos para também estarmos nos mesmos lugares que todos estão.

 Infelizmente, como falei um pouco acima, a mídia fez e faz com que pessoas sem deficiência criem estereótipos e estigmas sociais sobre pessoas com deficiência, por isso, o primeiro acesso de nossa vida adulta é um dos mais difíceis: o primeiro emprego.

Nosso currículo não é levado a sério se estamos em uma cadeira de rodas, ou como eu, se usamos uma bengala, e é por esse motivo, que políticas públicas são tão importantes.

A lei de cotas, em todos os seu âmbitos, mudou a vida de muitas pessoas, no ano de 2013, segundo dados do ministério do trabalho, 306 mil trabalhadores com deficiência possuíam emprego formal um número que ainda era tímido.3

Mas, com o passar do tempo, e as mudanças, infelizmente os números acabam ficando mais tristes. Em 2019, a taxa de desocupação tornou-se maior para pessoas com deficiência (10,3%) do que para as pessoas sem deficiência (9,0%). Esse indicador era de 25,9% entre as pessoas com deficiência de 14 a 29 anos de idade e de 18,1% para as pessoas sem deficiência da mesma faixa etária. Para os idosos com deficiência, a desocupação era de 5,1% ante 2,6% para os idosos sem deficiência.4

Com dados, conseguimos perceber que pessoas com deficiência estão sem estudos, trabalho, sem acesso à saúde básica, por tal motivo, nossa luta também deve ser para que lideranças lembrem-se que pessoas com deficiência são capazes e merecem ter direito e acesso a uma vida com estudo, trabalho e saúde.

Não quero ser chamado de guerreiro por lutar para ter meu espaço e uma vida digna, por estar na minha pele, sei o que passo e sei que não é fácil, apesar de ataques, sei que ter o apoio de minha família, amigos, pessoas que me amam, me dá forças para sempre seguir em frente por mim e por minha luta, mas sei que muitos dos meus não tem essa mesma sorte.

Às vezes, a pessoa com deficiência não pode fazer seus exames periódicos, tomar os medicamentos necessários para ter uma vida feliz, ou até mesmo, não consegue frequentar a escola do seu bairro pelo fato da mesma não ter acesso.

O que espero, com a minha luta e a luta de pessoas que estão ao meu redor, é que todos possam abraçar isso e lutar junto de nós, quando digo que precisamos de aliados, precisamos de força, mas também de acolhimento nos dias difíceis, pois diversas vezes o mundo não nos entende, somos ofendidos, excluídos, não podemos fazer parte, e ser privado é algo que fere.

Eu espero que você que está aqui, e que chegou até essa linha, possa entender que a luta anticapacitista é um dever de todos nós.

Por fim, para que você possa refletir, quero te fazer pensar…

Quantas pessoas com deficiência você conhece? Quantas pessoas com deficiência estudaram com você ou fizeram parte da sua infância? Quantas pessoas com deficiência você vê na universidade ou numa empresa em um espaço de destaque? Quantas pessoas com deficiência você vê na TV, contracenando em novelas onde sua deficiência não seja o primeiro plano e único detalhe da personagem?

Onde estão essas pessoas? Será que elas não existem, ou será que elas não são vistas porque nós mesmos esquecemos de as incluir, de lutar por elas?

[1] BARON, Ivan. Guia anticapacitista. S.l: Hotmart, 2021. Disponível em: https://hotmart.com/pt-br/marketplace/produtos/guia-anticapacitista-por-ivan-baron/M50465508V  . Acesso em 28 ago. 2023.

[2] Ver Guia Anticapacitista, páginas 7 e 8.

[3] FERRARI, C. Lei de Cotas e a evolução da inclusão no Brasil. Opinião. Valor Econômico, 30 jul. 2013. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/lei-de-cotas-e-a-evolucao-da-inclusao-no-brasil.ghtml . Acesso em: 28 ago. 2023.

[4] AGÊNCIA IBGE. Desemprego e informalidade são maiores entre as pessoas com deficiência. Estatísticas Sociais, 21 set. 2022. Disponível em: Desemprego e informalidade são maiores entre as pessoas com deficiência. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34977-desemprego-e-informalidade-sao-maiores-entre-as-pessoas-com-deficiencia . Acesso em 29 ago. 2023.


Revisão: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner

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