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v. 2, n. 8, ago. 2024
As faces da memória, reveladas pelo patrimônio histórico cultural, por Luzia Sigoli

As faces da memória, reveladas pelo patrimônio histórico cultural, por Luzia Sigoli

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As faces da memória, reveladas pelo patrimônio histórico cultural

Luzia Sigoli Fernandes Costa

luziasigoli@ufscar.br

Nascemos e vivemos em territórios, espaços e ambientes marcados por traços culturais. Pois, ao longo da vida produzimos culturas, do mesmo modo que as assimilamos e as naturalizamos pelo nosso modo de viver e produzir em sociedade. Portanto, os traços culturais estão associados a uma determinada espacialidade e temporalidade, de referência, enquanto sua produção social e pode, inclusive, causar estranhamentos para uma outra sociedade ou ao se tentar compreendê-los fora do seu tempo. Estas características, faz com que o patrimônio histórico cultural possua uma imanente transversalidade, uma vez que temas como memória e as diferentes matizes em que o patrimônio se revela, como histórico, cultural, material e ou imaterial, pode ser de interesse de várias áreas do conhecimento. Assim, diferentes profissionais pesquisam e ou atuam na identificação, descrição, preservação e a disseminação do patrimônio histórico cultural como, por exemplo, os historiadores, os antropólogos, os paleontólogos e os arquitetos e urbanistas, cientistas sociais, profissionais da comunicação e tantos outros. Para além desse amplo espectro de profissionais, com interesses comuns dentro de suas áreas de atuação, pela sua natureza, o patrimônio histórico cultural tem uma relação intrínseca com os profissionais da informação, aqui representados pelos bibliotecários, arquivistas e os museólogos. Esta afirmativa tem como base o fato de que o patrimônio histórico, embora passe por seleção e escolhas, em princípio, diz respeito a tudo que é produzido, material ou imaterialmente, pelas diferentes sociedades, ao longo do tempo. Produção esta, que devido à sua importância artística, cultural, científica, dentre outros aspectos deve ser preservada por representar um legado ou uma herança cultural para as futuras gerações de uma determinada sociedade e, por conseguinte, para a humanidade pelo princípio do respeito à diversidade cultural. A preservação do patrimônio histórico cultural, significa reconhecer e valorizar a identidade das pessoas que pertencem ou pertenceram a uma determinada sociedade.

Após este preâmbulo, cabe enfatizar que muitas são as formas de expressão ou faces do patrimônio histórico cultural, não importa se são do campo e das cidades, e que estas estão repletas de mediações simbólicas pela afetividade que permearam ou permeiam o viver das pessoas em relação ao seus lugares. Dentre as formas mais comuns estão os artefatos artísticos como as pinturas, as esculturas, as ilustrações, as tapeçarias como também, as construções e conjuntos arquitetônicos, os jardins, os monumentos, os parques naturais, sítios arqueológicos e outras formas de expressões que possuem alguma materialidade. O patrimônio histórico cultural se expressa, também, por meio do imaterial, como os idiomas e seus dialetos, os ditos populares, as festas e festividades; as músicas e diferentes gêneros, a culinária, entre outras tantas possibilidades e revela a diversidade cultural existente ou que existiram mas ainda, permanecem em forma de memórias. 

Diante dessa diversidade de manifestações e da simbologia que elas carregam, os desafios do trabalho com o patrimônio histórico cultural, também, não são poucos. Assim, para os bibliotecários que têm ou desejam ter como objeto de trabalho a informação e o conhecimento registrados sobre o patrimônio histórico cultural, tem que buscar um conhecimento que vai um pouco além daquele do adquirido na sua graduação. Pois, como já dito, os registros se aparentam nos mais diferentes meios e formatos, sendo que qualquer forma de expressão, por si só, pode ser considerada como patrimônio histórico cultural uma vez que contribui para manter a identidade de um povo ou sociedade e, portanto, deve ser salvaguardada, mesmo que não tenha sido e não venha a ser “tombado” como patrimônio. O Brasil, tem uma vasta lista de patrimônios materiais e imateriais tombados por órgão que tem essa competência, em âmbito municipal, estadual e nacional, além da possibilidade de se ter reconhecimento por instituições internacionais, sendo que a UNESCO é a mais conhecida delas. 

Um outro aspecto a se considerar é que se o patrimônio histórico e cultural pode ser pensando como tudo e qualquer artefato e ou expressões, manifestações que deve ser preservado e lembrado, significa que as razões que nos levam a manter viva as lembranças nem sempre estão associadas ao sentimento de saudades. Ou seja, o sentimento de ver, ouvir, experienciar algo pode nos dar alegria mas, também, pode fazer o papel de despertar o sentimento de desejar a sua ausência. Para ilustrar este pensamento temos como referência algo bem próximo territorial e temporalmente como, por exemplo, a “Exposição 08 de janeiro”, instalada no Salão Azul do Senado Federal, em Brasília. Esta exposição reúne fragmentos de diferentes objetos e materiais ao lado de fotos que mostram como eram antes de serem danificados. Neste mesmo espaço, uma obra de arte ficará em exposição permanente, um grande painel produzido pelo reconhecido artista Vik Muniz com cacos de vidro e outros entulhos reunidos, após os atos antidemocráticos do dia 8 de janeiro de 2023, demonstrando a resiliência da democracia brasileira. Neste caso, o papel da arte e outros artefatos históricos cumprem o propósito de não deixar algo cair no esquecimento para que não “nunca mais se repita”.

Assim, a contemporaneidade nos coloca diante de novos desafios, ou seja, um apelo para que se faça o registro da história e memória das paisagens. Pois, além das rápidas transformações pelas quais as cidades estão passando, as ameaças causadas pelas mudanças climáticas afetam as paisagens transformadas por catástrofes naturais ou pelas tragédias provocadas pela humanidade. Portanto, a paisagem trata-se de um patrimônio cultural com uma forte dimensão simbólica que as caracterizam não somente como patrimônio oficial, institucionalizado ou reconhecido por sua importância histórica, sobretudo, do lugar comum, representado por uma memória repleta de significados pela beleza singular e que se transformam em algo que nos causa tristeza. A importância dos registros dessas transformações, ainda não sabemos avaliar com precisão. Mas, entendemos que as mediações simbólicas permeiam o viver das pessoas em relação aos lugares, a afetividade, o pertencimento, o reencontro por meio de lembrança podem, “invocam a nostalgia de um passado mitificado” e vir a trazer algum alento (Eliade, 1996). O que sabemos é que o registro das paisagens permite análises não só do valor simbólico que permite identificar os atores ocultos da paisagem, como também revelam o modo de produzir e viver de uma sociedade em seu tempo como nos ensina De Certeau (1994) e, portanto, as paisagens estão impregnadas das práticas sociais e fazem surgir ou organizam os territórios que podem ser valorizados ou não (Luchiari, 2001). Por essas razões, algumas paisagens não são captadas pelas lentes dos fotógrafos, por não conterem aspectos estéticos que justifiquem o seu enquadramento e registro. Isto se dá devido ao poder simbólico presente na paisagem que se assenta numa lógica que integra-se a uma linguagem inclusive psíquica de negação dos signos e significados que ela representa (Maldonato, 2001).

Diante destas breves reflexões, tendemos a pensar na importância da atuação multidisciplinar e conjunta dos profissionais da biblioteconomia, arquivologia e museologia e da desejável aproximação com os profissionais de outras áreas no sentido de contribuir para o registro e salvaguarda do patrimônio histórico e cultural para que nunca caia no esquecimento, seja por nos tocar de forma afetuosa ou pela indignação que nos causam. Ainda cabe uma última consideração, ou seja, reforçar a nítida importância da atuação multidisciplinar dos profissionais da biblioteconomia, arquivologia e museologia, juntamente com os de outras áreas afins, no sentido de contribuir para a identificação, o registro, a salvaguarda e a divulgação do patrimônio histórico e cultural para que fatos, atos, processo e produções nunca caiam no esquecimento. Seja por nos tocar de forma afetuosa ou por nos causar alguma indignação.

Referências:

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis-RJ, Vozes, 1994.

ELIADE, M. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo. Martins Fontes, 1991.

LUCHIARI, M. T. D. P. A (re)significação da paisagem no período contemporâneo. In: CORREA R. L. e ROSENDAHL, Z. (Orgs.) Paisagem, Imaginário e espaço. Rio de Janeiro, EDUERJ, 2001.

MALDONATO, M. A subversão do ser: identidade, mundo, tempo, espaço fenomenológico de uma mutação. São Paulo. Petrópolis, 2001 .

Sobre a autora:

Luzia Sigoli Fernandes Costa

Professora do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal de São Carlos. Credenciada no Programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de São Carlos. Tutora no Projeto de Pesquisa e Extensão: Conexões de Saberes Indígenas da Universidade Federal de São Carlos.

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho. Mestre em Engenharia de Produção pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos. Bacharela em Biblioteconomia pela Escola de Biblioteconomia e Documentação de São Carlos.


Redação e Foto: Luzia Sigoli Fernandes Costa

Diagramação: Larissa Alves

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