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v. 2, n. 7, jul. 2024
Eventos climáticos extremos ameaçam equipamentos culturais no Rio Grande do Sul. Qual é o futuro possível?, por Lucas George Wendt, Doris Couto e Jeniffer Cuty

Eventos climáticos extremos ameaçam equipamentos culturais no Rio Grande do Sul. Qual é o futuro possível?, por Lucas George Wendt, Doris Couto e Jeniffer Cuty

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Eventos climáticos extremos ameaçam equipamentos culturais no Rio Grande do Sul. Qual é o futuro possível?

Lucas George Wendt | Doris Couto | Jeniffer Cuty

lucas.george.wendt@gmail.com | doris.couto@hotmail.com | jcuty@ufrgs.br

Os eventos climáticos extremos causados pela contribuição da ação humana ao aquecimento global têm se tornado uma ameaça crescente aos equipamentos culturais no Rio Grande do Sul. No rol dessas instituições, estão os museus, as bibliotecas, os arquivos e as casas de cultura que abrigam importantes acervos e documentos com diferentes valores, de relevância ímpar para as comunidades que os geraram.

Esses são espaços representativos para as comunidades, como locais icônicos e simbólicos de educação, cultura e identidade. A perda de acervos e da estrutura arquitetônica e urbana que cerca esses lugares, devido a desastres naturais, têm consequências sensíveis para a preservação dos suportes de memória dessas cidades, muitas delas construídas com base nos processos migratórios: alemão, italiano, polonês, português, entre outros.

Cabe lembrar que a memória se refere à identidade e ao pertencimento, bem como às possibilidades de produção de conhecimento sobre si em diálogo com o outro.

É isso o que se tem vivido no estado do Rio Grande do Sul desde o fim de abril quando, primeiro, assistimos com agonia os eventos climáticos se desenvolvendo e, depois, quando a ação possível de uma miríade de voluntários passou a atuar, doando tempo, energia e vontade de ajudar.Dados atualizados, por exemplo, indicam que mais de mil escolas e mais de cem bibliotecas de diferentes tipologias foram atingidas pelas enchentes e inundações – é o caso da Biblioteca Pública Municipal de Lajeado1 que, agora busca reconstruir seu acervo, atingido em cerca de 30%2.

Doris Couto é Coordenadora Geral do Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul

A gigantesca dimensão das inundações, nunca vividas em área e intensidade, mobilizou ainda a comunidade internacional ligada à memória e ao patrimônio, formando uma rede de apoio de organismos como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Ibermuseus e o Comitê Internacional de Museus (ICOM), que ofereceram auxílio financeiro para as ações emergenciais de salvamento de acervos museológicos para os 18 museus diretamente atingidos no Estado, cujas perdas ainda são computadas, mas apontam para a necessidade de restauro de aproximadamente 100 peças, a maioria de mobiliário histórico.

Apenas na região central de Porto Alegre são exemplos de Instituições afetadas: o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), o Memorial do Rio Grande do Sul, o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom) e a Biblioteca Pública do Estado (BPE). Apesar da enchente histórica, os acervos dessas instituições e da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), também atingidas, estão preservados. 

Arquivos de diferentes orientações também foram atingidos. Emblemático foi o caso de parte do Arquivo Geral da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na cidade de Santa Maria (região Central do RS), cujo Arquivo Permanente, que ficava em subsolo, foi alagado com a chuva que caiu sobre a cidade em 30 de abril, no começo dos eventos dramáticos que atingiram todo o Estado ao longo de maio.

Jeniffer Cuty é docente no curso de Museologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Um levantamento preliminar do Ministério da Cultura, ao qual a CNN teve acesso, revela que quase 700 bens culturais foram atingidos pelas cheias no Estado3. Esse cenário exige que aproximadamente 100 cidades recebam prioridade na execução de recursos do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e em políticas públicas de fomento, como a Lei Rouanet, medidas que visam garantir a preservação e recuperação desses patrimônios culturais.

Museus, bibliotecas e arquivos e outros tipos de equipamentos culturais são pontes que conectam o presente ao passado, permitindo que as pessoas compreendam suas origens e, assim, reflitam sobre outros modos de futuro. No RS, de modo lato, verificamos o reflexo do assentamento de imigrantes alemães nas regiões de vale, como Taquari, Caí, Sinos e Paranhana; assim como da imigração italiana na Serra. 

Ao sul do estado, nas cidades de Pelotas e Rio Grande, também seriamente atingidas pela calamidade, estão presentes nos acervos o registro da presença portuguesa e espanhola no sul do país, sem deixar de citar que esses territórios foram palco da longa e vergonhosa escravidão no país, marcada, nessa região, pelas charqueadas.

Assim, os acervos representam o orgulho da cultura decorrente da imigração e também a contribuição das populações negras na construção do estado. Cabe ainda mencionar que muitos museus ainda escondem a contribuição de alguns povos, privilegiando a presença de outros, grifando, aqui, que o museu é um lugar de escolhas, seguindo a lógica da memória, a qual lembra algumas coisas e esquece outras. 

Essa tragédia junto aos acervos pode nos levar a repensar esses processos curatoriais, fazendo-nos escovar a história a contrapelo, como nos ensinou Walter Benjamin4.

A destruição ou dano aos acervos de museus, bibliotecas e arquivos devido a eventos climáticos extremos, como enchentes, inundações, tempestades, deslizamentos representa, sempre, uma perda em alguma medida irreparável para a sociedade. 

A destruição de um objeto-documento histórico ou de alguma instituição social significa a perda de evidências que auxiliam na compreensão do passado. A perda de obras de arte pode apagar uma parte da história cultural e artística de uma região.

Para enfrentar desafios desta magnitude, precisamos pensar na adoção de estratégias de resiliência que minimizem os danos e garantam a preservação de acervos em cenários cada vez mais instáveis. Para isso,  com base na literatura de diferentes áreas de interface  recomendamos: 

Avaliar riscos e criar planejamento de emergências:

– Sensibilizar os entes públicos acerca da importância dos equipamentos culturais e dos acervos locais na consolidação das memórias coletivas.

– Realizar avaliações detalhadas dos riscos específicos associados aos eventos climáticos em cada localidade.

– Desenvolver planos de emergência que incluam procedimentos claros para a evacuação de pessoas e a proteção de acervos, contando com equipe de voluntários treinados.

– Treinar as equipes para responder de forma eficiente em situações de crise.

Adotar infraestruturas resilientes:

– Investir na melhoria da infraestrutura dos edifícios para torná-los mais resistentes a enchentes, tempestades e outros desastres.

– Instalar sistemas de drenagem adequados e reforçar as fundações para prevenir danos estruturais.

– Utilizar materiais de construção resistentes à água e ao fogo para minimizar os riscos.

Digitalizar acervos:

– Digitalizar documentos e obras importantes, criando cópias digitais que podem ser armazenadas em locais seguros, incluindo servidores em nuvem.

– Estabelecer parcerias com outras instituições para criar redes de backup de acervos digitais.

Realizar manutenção regular e monitoramento das condições dos espaços:

– Realizar manutenção preventiva regular para identificar e corrigir problemas estruturais antes que se tornem críticos.

– Mudar sedes de museus, arquivos e bibliotecas para áreas mais altas, cuja cota de inundação não os atinja.

– Implementar sistemas de monitoramento ambiental para detectar mudanças nas condições que possam indicar risco iminente aos acervos.

Estabelecer parcerias e redes de apoio entre instituições:

– Estabelecer parcerias com organizações locais, regionais e internacionais para obter apoio técnico e financeiro para implementação de estratégias.

– Participar de redes de museus, bibliotecas e arquivos que possam fornecer suporte mútuo em situações de emergência.

Referências

[1] AGÊNCIA BRASIL. Desastre na educação: enchente atingiu mais de mil escolas gaúchas. MetSul, 04 jun. 2024. Disponível em: https://metsul.com/desastre-na-educacao-enchente-atingiu-mais-de-mil-escolas-gauchas  . Acesso em: 09 jul. 2024.

[2] BIBLIOTECA Pública de Lajeado pede doações de livros após perder acervo na enchente. Correio do Povo, 06 jun. 2024. Disponível em: https://www.correiodopovo.com.br/not%C3%ADcias/cidades/biblioteca-p%C3%BAblica-de-lajeado-pede-doa%C3%A7%C3%B5es-de-livros-ap%C3%B3s-perder-acervo-na-enchente-1 . Acesso em : 09 jul. 2024.

[3] MARTINS, L. Palácio Farroupilha, museus e centros históricos: enchentes atingem quase 700 bens culturais no RS. CNN Brasil, 17 maio 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/blogs/luisa-martins/nacional/palacio-farroupilha-museus-e-centros-historicos-enchentes-atingem-quase-700-bens-culturais-no-rs . Acesso em: 09 jul. 2024.

[4] BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense,

1994.

Sobre os autores:

Lucas George Wendt

Assessor de imprensa na Universidade do Vale do Taquari – Univates. Fundador do Portal de notícias especializadas em ciência e cultura – Notícia dos Vales.  Revisor do projeto Jovens Cientistas Brasil: Jornal Científico. Secretário da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência – RedeComCiência.

Mestrando em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Comunicação Institucional pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul. Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade de Caxias de Sul – UCS. Bacharel em Jornalismo pela Universidade do Vale do Taquari – Univates.

Doris Couto

Coordenadora Geral do Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul. Diretora do Museu de História Júlio de Castilhos. Membro da Comissão de Gestão de Acervos do Palácio Piratini(RS). Voluntária do Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM para Situação de Emergência em Museus.

Doutoranda em História, Teoria e Crítica da Arte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestra em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Políticas Culturais Baseadas na Comunidade pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais/FLACSO-Argentina. Bacharela em Museologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Jeniffer Cuty

Professora da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro da diretoria da Associação Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio. Pesquisadora junto aos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Antropologia Visual, Banco de Imagens e Efeitos Visuais do PPGAS/UFRGS e Direito à Verdade e à Memória e Justiça de Transição, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É Coordenadora Pedagógica do Laboratório de Cultura Material e Conservação da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da  Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Doutora e Mestra em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.


Redação e Foto: Lucas George Wendt, Doris Couto e Jeniffer Cuty

Diagramação: Jônatas Silva dos Santos

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