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v. 2, n. 11, nov. 2024
Mãos que Cosem Histórias: O Protagonismo das Rendeiras de Saubara

Mãos que Cosem Histórias: O Protagonismo das Rendeiras de Saubara

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Mãos que Cosem Histórias: O Protagonismo das Rendeiras de Saubara

Pesquisa aponta o protagonismo de mulheres negras no patrimônio cultural por meio da técnica de renda bilro

Algumas tradições atravessam o oceano para ganhar novas narrativas e significados. A renda bilro, uma técnica de renda que chegou ao Brasil pelos colonizadores, com forte influência portuguesa, é atualmente produzida na costa nordeste. Esse saber transmitido de geração para geração é carregado de memória e identidade, sendo a mão de obra formada por mulheres negras que protegem o patrimônio imaterial. A dissertação da pesquisadora Anna Luísa Santos de Oliveira, intitulada “Mãos que cosem a memória: as rendeiras de Saubara–BA e o protagonismo de mulheres negras no patrimônio cultural” aborda o saber fazer memória com as mãos usando a renda bilro, analisando a Casa das Rendeiras, localizada no município baiano de Saubara, como um espaço de salvaguarda do patrimônio imaterial e o protagonismo feminino negro. O estudo conta com embasamento metodológico do campo da sociomuseologia e, ainda, contou com a participação de oito rendeiras que compartilharam em entrevista um pouco de suas vidas, histórias e conhecimentos.

“Como recorte de pesquisa para esta dissertação, busquei a análise da Casa das Rendeiras de Saubara e seu papel na salvaguarda da memória e identidade de mulheres negras por meio do saber fazer e suas interseccionalidades entre gênero e raça em confluência com a sociomuseologia. Compreendo a organização da Casa das Rendeiras enquanto prática política onde mulheres são protagonistas em coser a renda de bilro, e concomitantemente agem na salvaguarda do patrimônio imaterial. As mulheres negras reunidas na Casa das Rendeiras ou em suas residências constituem o coletivo para a continuidade da memória e compartilhamento dessas representações identitárias”, pontua a pesquisadora.

Fachada da Casa das Rendeiras de Saubara. Foto: Oliveira (2019, p. 56)

A escolha do local de pesquisa, a Casa das Rendeiras, decorreu do longo envolvimento da autora em projetos ao longo de sua trajetória acadêmica. O tema também está ligado à relação de confiança, estabelecida durante anos, entre ela e as rendeiras, especialmente em relação à sua relação com Dona Maria do Carmo Amorim, mestra rendeira. A autora explica que considerou a questão territorial como parte de uma rede de afetividade construída, na qual o Recôncavo Baiano passa a fazer parte de sua vivência. 

“O objetivo é compreender as transformações no campo museológico que passaram a colocar o museu como um importante ator social responsável pela salvaguarda da memória social de grupos visando o desenvolvimento social. É a partir do surgimento desta perspectiva que a Casa da Rendeira se apresenta um espaço que representa memória e identidade de uma coletividade de mulheres detentoras do saber fazer da renda de bilro, o que torna essa pesquisa relevante no campo da museologia”, declara Anna Luísa.

Foram percebidos, através das memórias individuais e coletivas, os sentidos presentes, na prática do coser e da renda bilro, para essas mulheres. A renda é uma técnica delicada que requer dedicação e investimento consideráveis, o que resulta em uma concorrência desigual com a renda industrial, que produz e vende em grande escala. A pesquisa apontou, como efeito colateral, a dupla jornada de trabalho dessas mulheres, em que sete das oito entrevistadas exercem a arte de mariscar, tradicional da região, como meio de sustento durante toda a vida, além de cuidar da casa e da família. Além disso, o rendimento financeiro proveniente da atividade de coser não é o bastante para que se torne a principal fonte de renda dessas mulheres. Sendo assim, é necessário o trabalho da mariscagem. De modo que, muitas vezes, a jornada é tripla, se levarmos em conta os afazeres da casa. Contudo, para essas mulheres, a renda é, antes de tudo, um lazer.

Dona Doralina recebe sua almofada sobre tamborete. Foto: Oliveira (2019, p. 44)
Apetrechos usados para a fabricação da renda de Bilro. Foto: Oliveira (2019, p. 46)

“Em cada conversa que tive com essas mulheres sobre a renda fica evidente que a maior satisfação que a renda lhes traz, para além de uma mera distração, é o reconhecimento do seu valor e beleza. E é justamente sobre isso do que se tratou esta pesquisa. De reconhecer o valor dessas mulheres negras e dos seus saberes. De reconhecer a necessidade e importância da organização coletiva e comunitária para a salvaguarda do patrimônio cultural e da valorização dos saberes-fazeres que representem a identidade local. A renda de bilro é um importante patrimônio da cultura negra pós-diaspórica e salientamos aqui a necessidade de ser reconhecida institucionalmente enquanto patrimônio”, conclui a pesquisadora.

Padrões de renda em exposição na Casa das Rendeiras. Foto: Oliveira (2019, p. 46)

Outro ponto observado durante a pesquisa é que as relações de gênero e poder são marcadas pela autoridade do marido diante de muitas delas, impedindo que elas saiam do município para vender suas rendas e ampliar sua rede social. O controle patriarcal manifestado na constante vigilância sobre o uso de tempo livre e nas exigências com os cuidados da família ajuda a definir o lugar da renda na vida dessas mulheres. As relações de gênero têm impacto, ainda, na transmissão do saber, entendido como herança feminina, transmitida de geração a geração, das mulheres mais velhas para as mais jovens, sejam elas familiares ou vizinhas, como uma característica que faz parte do que é ser mulher em Saubara. Inclusive, as rendeiras mais velhas, queixaram que as mais novas já não querem  mais aprender tal herança, uma vez que a pouca valorização da renda unida ao fato do maior acesso à educação que permite que essas jovens tenham novas formas de entretenimento e busquem fora da cidade melhores oportunidades. A autora observa que a falta de valorização econômica da renda se constitui como uma ameaça à sua preservação. 

Maria do Carmo, mestra rendeira, ao recusar se submeter às relações de poder impostas por questões de gênero e à lógica patriarcal, escreveu uma trajetória diferente, permitindo que protagonizasse o movimento que levou à fundação da Casa das Rendeiras. A criação da Casa ressalta a importância da salvaguarda deste bem. A autora conclui que, enquanto espaço museológico, ela produz uma narrativa sobre a renda bilro por histórias das rendeiras, dos artefatos e das rendas, recebendo visitas de escolas, pesquisadores, turistas e apreciadores. Além disso, atua em parceria com a prefeitura, oferecendo aulas gratuitas para pessoas interessadas em aprender a rendar, o que pode ser entendido como uma atividade de salvaguarda e educação patrimonial. 

Acesse a dissertação em:

OLIVEIRA, Anna Luisa Santos de. Mãos que cosem a memória: as Rendeiras de Saubara – BA e o protagonismo de mulheres negras no patrimônio. 113f. 2019. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós Graduação em Museologia) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/31663 . Acesso em: 02 nov. 2024


Redação: Tania Rangel

Revisão: Pedro Ivo Silveira Andretta

Diagramação: Naiara Raissa da Silva Passos

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