
Direito à informação, Acessibilidade e Inclusão das pessoas com deficiência nas bibliotecas universitárias – Entrevista com Ana Paula Lima dos Santos

Direito à informação, Acessibilidade e Inclusão das pessoas com deficiência nas bibliotecas universitárias – Entrevista com Ana Paula Lima dos Santos
Ana Paula Lima dos Santos
ap_lima@id.uff.br
Sobre a entrevistada
Em 2024, Ana Paula Lima dos Santos defendeu sua tese no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense, sob orientação da Profa. Dra. Elisabete Gonçalves de Souza.
Atualmente, Ana Paula atua como bibliotecária e pesquisadora na Universidade Federal Fluminense (UFF), como Professora junto à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e ainda realiza o pós-doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências, Tecnologias e Inclusão da Universidade Federal Fluminense. Seus hobbys são viajar, ver filmes e ler.
Sua tese, intitulada “Inclusão, acessibilidade comunicacional e informacional às pessoas com deficiência em bibliotecas universitárias: discussão à luz do conceito de regime de informação”, examina como bibliotecas universitárias, e em especial as das universidades federais do Rio de Janeiro, têm incorporado políticas e práticas de acessibilidade. Como resultado, é evidenciado as desigualdades no acesso e a centralidade de políticas estruturadas, capacitação de bibliotecários, redes de cooperação e a atitudes inclusivas para efetivar direitos informacionais e educacionais das pessoas com deficiência.
Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?
Ana Paula Lima dos Santos (AP): O que me levou a fazer o doutorado foi a ociosidade da Pandemia, percebi que ainda tinha muito a fazer e a contribuir para minha área de formação. A inspiração pelo tema veio a partir da participação em um Seminário no Curso de Mestrado profissional em Diversidade e Inclusão para incentivar meu esposo, na época a fazer o mestrado nessa área. Ao ver pessoas com deficiência falando das barreiras enfrentadas, vi o quanto a CI poderia contribuir com as políticas informacionais.
DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?
AP: Quando concluí o texto da qualificação. Nesse momento eu já tinha parte dos resultados, inclusive levei para qualificação e foi validado pela banca que trouxe muitas contribuições que serviram para aprimorar ainda mais a pesquisa.
DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?
AP: Teria vários para citar, a Lei Brasileira de Inclusão foi a base da minha tese, quanto mais eu lia, mais eu me inspirava. O livro de Charles Gardou “A sociedade inclusiva: falemos dela! Não há vida minúscula” (2018). Também me inspirou muito os textos de Eliane Maria Stroparo com a sua dissertação: Políticas inclusivas e acessibilidade em bibliotecas universitárias: uma análise do Sistema de Bibliotecas (SiBi) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2014) e seus artigos “O papel da biblioteca universitária na inclusão de alunos com deficiência no ensino superior” (2016) e “Bibliotecas universitárias federais brasileiras: acessibilidade/avaliação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)” (2021). A FEBAB também me inspirou muito, inclusive usei o checklist adaptado do trabalho de Tamini Nicolete, Eliane Moro e Lizandra Brasil Estabel (2013) que foi fundamental para fazer a avaliação dos serviços das bibliotecas que analisei.
DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?
AP: Porque ela reúne um arcabouço teórico sólido e uma investigação de campo profunda para responder a um problema complexo: como garantir inclusão e acessibilidade informacional para pessoas com deficiência em bibliotecas universitárias. O ineditismo está em aplicar o conceito de regime de informação a esse contexto, algo que não havia sido feito dessa forma, integrando a análise de políticas internacionais, nacionais e institucionais com um diagnóstico real das universidades federais do Rio de Janeiro. Além de mapear lacunas, proponho ações concretas para que as bibliotecas se tornem mais acessíveis, aliando políticas informacionais, capacitação profissional e redes de cooperação.
DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?
AP: Porque ajuda a transformar o acesso à informação em um direito efetivo para pessoas com deficiência, especialmente no ensino superior. Ao identificar barreiras e propor soluções práticas para bibliotecas universitárias, ela oferece subsídios para que gestores, bibliotecários e formuladores de políticas públicas desenvolvam serviços mais inclusivos e equitativos. Isso contribui não só para a permanência e o êxito acadêmico desses estudantes, mas também para uma sociedade mais justa, onde todos possam participar plenamente da vida educacional, cultural e profissional.
DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?
AP: Minha tese contribui de quatro formas: amplia a teoria ao aplicar o conceito de regime de informação à acessibilidade em bibliotecas; cria um diagnóstico inédito sobre universidades federais do Rio de Janeiro; propõe soluções práticas para tornar serviços mais inclusivos; e fortalece o direito à educação e à informação de pessoas com deficiência. É relevante porque não fica só no discurso, traz caminhos concretos para transformar políticas e práticas.
DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?
AP: Minha pesquisa seguiu cinco passos principais: primeiro, fiz uma revisão teórica sobre inclusão, acessibilidade e o conceito de regime de informação. Depois, analisei legislações e políticas nacionais e internacionais, como a Lei Brasileira de Inclusão e diretrizes da ONU e da UNESCO. Em seguida, selecionei universidades federais do Rio de Janeiro como campo de estudo. O quarto passo foi coletar dados a partir de documentos institucionais, sites, catálogos e repositórios das bibliotecas. Por fim, realizei o diagnóstico, identificando barreiras, boas práticas e propondo melhorias.
DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?
AP: Ah, eu diria que foi uns 10% de inspiração e 90% de transpiração. A inspiração veio das minhas vivências e do desejo de contribuir para a inclusão das pessoas com deficiência. Mas o que fez a tese acontecer mesmo foi muito trabalho: pesquisa extensa, análise de dados, escrita e reescrita, revisão constante e disciplina para seguir até o fim.
DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?
AP: Foi uma caminhada intensa, cheia de desafios. Houve momentos de cansaço, insegurança e até vontade de desistir, mas também muitos aprendizados e apoio de pessoas importantes nessa trajetória. Acredito que o maior ganho, além da defesa em si, foi perceber que a pesquisa que desenvolvi tem potencial real de contribuir para a sociedade. Hoje, olhando para trás, vejo que cada obstáculo superado fortaleceu não só a tese, mas também a minha própria forma de enxergar a inclusão e o papel transformador da informação.
DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?
AP: Durante o doutorado, minha dedicação exigiu muito do meu tempo, e sei que não fui tão presente quanto gostaria com minha família. Porém, tive a sorte de contar com a compreensão e o apoio deles, que entenderam a importância desse momento para minha carreira e para a contribuição social do meu trabalho. Esse apoio foi fundamental para eu conseguir seguir firme, mesmo diante dos desafios.
DC: Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?
AP: A maior dificuldade foi manter os dados atualizados, especialmente porque minha pesquisa aconteceu durante o período do Censo de 2022, quando muitas informações estavam em processo de coleta ou revisão. Isso exigiu esforço extra para buscar fontes complementares, interpretar dados preliminares e garantir que as análises refletissem a realidade mais recente possível.
DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?
AP: Para pesquisas futuras, destaco: avaliar o impacto das políticas de acessibilidade nas bibliotecas; estudar a formação dos bibliotecários para inclusão; analisar o uso de tecnologias assistivas; investigar a cooperação entre bibliotecas para recursos acessíveis; e focar em grupos específicos, como estudantes surdos ou com deficiências múltiplas.
DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?
AP: Agora que me doutorei, minhas pretensões profissionais são aprofundar minha atuação acadêmica e de pesquisa. Estou dando aulas no curso de Biblioteconomia na UNIRIO e faço pós-doutorado no Programa de Pós Graduação em Ciências, Tecnologias e Inclusão da UFF. Também fui aprovada para o cargo de Pesquisadora no IBICT, na área de Ciência da Informação, e para professora efetiva no departamento de Ciência da Informação da UFF. Quero contribuir tanto na formação de novos profissionais quanto no avanço da pesquisa em acessibilidade e inclusão informacional.
DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?
AP: Na verdade, não acho que faria algo diferente, porque foi esse caminho dedicado e focado que me trouxe até aqui. Gerenciei bem meu tempo, me comprometi com a pesquisa e escrevi bastante, mesmo diante dos desafios. Acredito que essa determinação e disciplina foram fundamentais para o sucesso da tese, e por isso valorizo todo o processo que vivi.
DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?
AP: Avalio minha produção científica durante o doutorado como produtiva. Publiquei até agora cinco artigos em revistas de alto impacto, com mais um artigo aguardando avaliação. Além disso, apresentei cinco trabalhos em eventos e participei de mais de dez palestras, entre elas no I Fórum de Bibliotecas Inclusivas promovido pela FEBAB em 2024 no CBBD. Também contribui com dois capítulos de livros e mais três aguardando publicação. Destaco alguns trabalhos importantes, como:
Os artigos:
O Tratado de Marraqueche no contexto do regime global de políticas de informação (2024).
O capítulo de livro “Regimes de informação no contexto das políticas de inclusão no campo educacional, (2023).
E o trabalho “Avaliação da acessibilidade digital no repositório institucional Hórus (2024).
DC: Exerceu alguma monitoria/estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?
AP: Durante o doutorado, fui tutora do curso de Biblioteconomia na modalidade a distância, o que foi uma experiência muito enriquecedora. Trabalhar ao lado de professores experientes e generosos me permitiu aprender bastante sobre o ensino remoto, metodologias de tutoria e o acompanhamento dos alunos. Esse contato direto com a educação contribuiu para meu desenvolvimento profissional e ampliou minha visão sobre os desafios e potencialidades da formação em Biblioteconomia.
DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?
AP: Sim, minha experiência como tutora contribuiu bastante para a tese. Estar em contato direto com estudantes e professores no ensino a distância me ajudou a compreender melhor as necessidades reais de acesso à informação e os desafios enfrentados por pessoas com deficiência. Essa vivência prática complementou a análise teórica e documental, tornando minha pesquisa mais conectada com a realidade do ensino superior e a importância da acessibilidade nos ambientes informacionais.
DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?
AP: Eu recomendaria que outros doutorandos e mestrandos aprofundassem a análise do conceito de regime de informação em contextos diversos, para ampliar sua aplicação e relevância. Também sugeriria investir na conexão entre teoria e prática, buscando dados atuais e reais para fundamentar suas pesquisas. É importante que continuem explorando políticas e ações concretas para inclusão, especialmente nas bibliotecas e instituições educacionais. E, acima de tudo, que mantenham a dedicação, a disciplina e o comprometimento, pois são essenciais para o sucesso do trabalho acadêmico.
DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?
AP: Acredito que a relação orientador-orientando deve ser baseada em confiança, respeito e diálogo aberto. O orientador oferece orientação teórica, crítica construtiva e apoio para o desenvolvimento do trabalho, enquanto o orientando deve demonstrar proatividade, comprometimento e abertura para aprender. Essa parceria é fundamental para que a pesquisa evolua com qualidade e que o doutorando se sinta apoiado em sua jornada acadêmica.
DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?
AP: Sim, minha tese abriu caminho para novos projetos, especialmente no pós-doutorado, onde estou desenvolvendo um projeto de capacitação nas bibliotecas de Angola, focado em acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, alinhado à Agenda 2030. Minhas perspectivas são aprofundar essas pesquisas internacionais, ampliar a cooperação entre instituições e continuar trabalhando para fortalecer políticas informacionais inclusivas, contribuindo para a formação de profissionais e para a efetivação dos direitos dessas pessoas.
DC: O que o Programa de Pós-Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?
AP: O Programa de Pós-Graduação foi fundamental para minha formação, oferecendo uma base teórica sólida, apoio acadêmico e um ambiente estimulante para o desenvolvimento da minha pesquisa. Durante o doutorado, contribui para o Programa participando de eventos voltados para os discentes do Programa, colaborando em eventos acadêmicos e apoiando colegas em discussões e atividades, além de divulgar os resultados da pesquisa em congressos e publicações, fortalecendo o prestígio e a relevância do Programa.
DC: Você por você:
AP: Desde muito cedo, aprendi que os caminhos nem sempre são retos ou fáceis. Minha trajetória não foi marcada apenas por conquistas acadêmicas, mas por uma caminhada de superação, dedicação e compromisso com causas que me tocam profundamente, especialmente a inclusão e a acessibilidade para pessoas com deficiência. Entendo que essa luta não é só minha, mas uma responsabilidade coletiva e social que como pesquisadora e cidadã devo abraçar.
A Ciência da Informação me fascinou porque é um Campo que se conecta diretamente com a democratização do conhecimento e dos direitos, e foi ali que encontrei um espaço para unir teoria e prática em prol de um mundo mais justo. Minha pesquisa sobre regimes de informação e inclusão nas bibliotecas universitárias reflete meu desejo de transformar ambientes que ainda são excludentes em espaços de acolhimento e equidade.
Não fui a pessoa que teve a vida mais fácil ou os melhores privilégios. Fiz supletivo, lutei para entrar e me manter no ensino superior, e isso moldou minha visão de mundo: acredito em Deus, na força da perseverança e no poder da informação para abrir portas. Esses valores me acompanham diariamente, seja na escrita, no ensino ou na pesquisa.
Ser pesquisadora é mais do que produzir conhecimento; é dialogar com a realidade, dar voz a quem é silenciado e contribuir para políticas que garantam direitos. Minha trajetória é também uma constante aprendizagem sobre a importância da empatia, da colaboração e do compromisso ético. Esse é o meu lugar no mundo: uma pesquisadora comprometida, uma cidadã consciente e alguém que não abre mão da luta pela justiça social através da Ciência da Informação.
Entrevistada: Ana Paula Lima dos Santos
Entrevista concedida em: 11 de agosto de 2025
Formato de entrevista: Escrita
Redação da Apresentação: Iasmim Farias Campos Lima
Fotografia: Ana Paula Lima dos Santos
Diagramação: Iasmim Farias Campos Lima









