Carta de Porto Velho: o compromisso da Biblioteconomia e Ciência da Informação com a Amazônia, por Andrea Doyle e André Appel
Carta de Porto Velho: o compromisso da Biblioteconomia e Ciência da Informação com a Amazônia
Andréa Doyle | André Appel
andrea.doyle@unir.br | appel@unir.br
De 25 a 27 de junho de 2024 aconteceu a sétima edição do Workshop de Informação, Dados e Tecnologia, VII WIDaT, em Porto Velho, Rondônia. O WIDaT é um evento nacional, originado a partir das discussões do Informação e Tecnologia (GT-8) da Associação de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação (Ancib).O WIDaT 2024 Porto Velho aconteceu em três dias, sendo o primeiro de Inspiração com seis palestras e debates; o segundo dia foi Informação com apresentação de trinta pesquisas científicas e três relatos de experiência; e o terceiro dia foi dedicado à Capacitação com doze oficinas práticas para usar sistemas de informação, gerenciar e visualizar dados e até programar. No encerramento, fizemos o balanço dos resultados do evento, discutimos a carta de Porto Velho e comunicamos o local do VIII WIDaT, que será sediado pela Universidade de Marília (Unimar), em Marília, SP, em maio de 2025, com o apoio da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Marília) e do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).
A carta de Porto Velho é um manifesto. Ela foi elaborada coletivamente ao longo dos três dias de evento, para que possamos assumir o compromisso de orientar nossos esforços, nossas pesquisas, nossas ações para a concretização de uma ciência e de uma sociedade cada vez mais justa e mais respeitosa com todos os seres vivos do planeta. A produção desse um documento, lembrando que registros são muito importantes para a Biblioteconomia e Ciência da Informação, tem a função de nos ajudar a lembrar do que foi aprendido ao longo desses dias e de possa informar ou até mobilizar pessoas que não tiveram a oportunidade de estar presentes em Porto Velho.
Quando pensamos no tema do evento, considerando que estamos na Amazônia, as atualíssimas e urgentes discussões sobre as mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável foram uma escolha assertiva. A Amazônia, já há décadas, é o centro das atenções do mundo, tanto de grupos que se preocupam com sua preservação, proteção de sua diversidade e sustentabilidade, quanto, infelizmente, daqueles que ainda insistem em querer desmatar, extrair e explorar seus recursos da forma mais colonial, egoísta e inconsequente. O tema do evento, “Informação, dados e tecnologia para a proteção de povos e biomas amazônicos”, buscou difundir um olhar um pouquinho mais decolonial, reconhecendo que não existe floresta sem os povos indígenas.
Um estudo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), publicado em 2017 na revista Science, concluiu que a floresta amazônica, que sempre pensamos como uma obra da natureza sem intervenção humana, na verdade é uma agrofloresta cultivada há milhares de anos pelos povos originários. A pesquisa, assinada pela então doutoranda Carolina Levis, contou com a participação de 152 pesquisadores, cruzou dados biológicos com sítios arqueológicos e identificou a presença muito maior de espécies como castanha, açaí, pupunha entre outras diversas árvores que fornecem alimentos, remédios, materiais de construção, perto desses sítios. Eles cultivaram a Amazônia de uma forma tão orgânica que sua ação passou desapercebida aos olhares ocidentais.
Essa contribuição tem um valor inestimável e precisa ser continuamente reconhecida, valorizada e defendida. O genocídio e a devastação promovidos pelos colonizadores, desde os estrangeiros há mais de 500 anos, passando pelos chamados destemidos pioneiros, bandeirantes que chegavam aqui com a cultura de ocupar uma “terra de ninguém”, até grileiros, madeireiros, mineradores ilegais que ainda hoje insistem em invadir e destruir esse legado, precisa acabar.
Vivemos essas constantes agressões diariamente na região. Todos os anos, de julho a outubro, respiramos o ar altamente tóxico que é efeito das queimadas e varremos a fuligem em nossas casas. Mas isso não é nada perto das invasões das terras indígenas, como foi mostrado com muita coragem pelo povo Uru-Eu-Wau-Wau no filme premiado O Território.
Este ano, a devastação tomou proporções inéditas: o Rio Madeira atingiu a baixa recorde de 96 cm de altura no Dia da Amazônia, sendo necessária a produção de uma nova régua para medir seu nível. Populações ribeirinhas estão ficando isoladas, sem acesso ao alimento proporcionado ou entregue por meio dos rios e sem acesso à água potável e tão necessária à subsistência na região. O ar está, há semanas, apresentando níveis de poluição de muito insalubre e perigoso, e encoberto e acinzentado, ao contrário de sempre azul como apregoa o Hino de Rondônia. Isso tem causado diversas doenças, levando à suspensão das atividades ao ar livre e aulas. Isso sem falar nos animais que estão morrendo queimados ou pela seca dos rios.
“Não temos mais tempo!”, exclamou Txai Suruí na conferência mundial do clima em 2021. A floresta, tão abundante e generosa, já não está mais conseguindo se regenerar nos períodos de chuva. A cultura da exploração precisa acabar. A função da Amazônia é ser floresta. A maior floresta tropical, a maior bacia hidrográfica do planeta. E agora ela está seca. E queimando. É necessária uma imensa ação global coordenada, tanto com sistemas de monitoramento, quanto com intervenção in-loco para frear o desmatamento até o zero.
É tempo de unirmos nossas forças. É necessário que tenhamos sempre em mente que o nosso trabalho, seja ele de ensino, de pesquisa, ou como profissionais da informação e da tecnologia, como pessoas membras de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, como cidadãs brasileiras e do mundo, precisa ser direcionado para o bem-viver. O bem-viver é esse conceito tão forte que significa ao mesmo tempo luta e alegria, resistência e empatia, ação individual e coletiva, pessoal e profissional. É com ele em mente que poderemos construir um modo de vida melhor e garantir uma sobrevivência digna para as pessoas e para a natureza, juntas, na mesma intensidade.
Acesse a Carta de Porto Velho:
VII WORKSHOP DE INFORMAÇÃO, DADOS E TECNOLOGIA. Carta de Porto Velho. Porto Velho, 2024. Disponível em: https://labcotec.ibict.br/widat/index.php/widat2024/carta-porto-velho . Acesso em 15 de ago. 2024.
Acesse os Anais do Widat 2024:
VII WORKSHOP DE INFORMAÇÃO, DADOS E TECNOLOGIA, 7., 2024, Porto Velho. Anais do VII Workshop de Informação, Dados e Tecnologia. Brasília: IBICT, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.22477/vii.widat. Acesso em: 28 ago. 2024.
Sobre os autores:
Professora junto ao Departamento Acadêmico de Ciência da Informação da Universidade Federal de Rondônia. Pesquisadora no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Brasília. Líder do grupo de pesquisa Informação Social e Gênero da Universidade Federal de Rondônia.
Doutora e Mestre em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharela em Métiers de l’Information et de la Communication, pela Universite de Metz (França).
Professor junto ao Departamento Acadêmico de Ciência da Informação da Universidade Federal de Rondônia. Atua como pesquisador no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – Brasília.
Doutor e Mestre em Ciência da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bacharel em Gestão da Informação pela Universidade Federal do Paraná.
Redação e Fotografia: Andrea Doyle e André Appel.
Diagramação: Marcos Leandro Freitas Hübner