Fascínio dos fósseis: ressonância e encantamento do patrimônio paleontológico
Fascínio dos fósseis: ressonância e encantamento do patrimônio paleontológico
Entre memórias e emoções, tese desvenda a relação entre os fósseis institucionalizados e as comunidades locais em que estão inseridos
“A minha avó conta muitas histórias, né? Que ela fala que… a mãe dela fala que quando era escrava, né? (…) uma vez ela contou que falou que acharam é… tipo… é… ossos de um rabo de um bicho muito grande, mas é coisa assim, que (…) é, histórias de família, nada foi comprovado.” As palavras simples de dona Dandara, de Uberaba, expressam a familiaridade das comunidades locais com temas ligados à fósseis e à paleontologia; o conhecimento da riqueza paleontológica do município mineiro e sua necessidade de preservação, por sua importância científica. Isso não implica, necessariamente, em reconhecimento do fóssil como patrimônio, como o fazem os geocientistas. Estas são conclusões da tese de Mell Longuinho André Siciliano, “Patrimônio paleontológico: ressonância e encantamento”, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS (UNIRIO/MAST). O estudo pensou o dimensionamento desta relação a partir das noções de ressonância e encantamento – baseada naquelas criadas por Stephen Greenblatt (1991) –, para dar voz aos interesses, opiniões e sentimentos dos que convivem com o Uberaba: Terra de Gigantes, um geoparque em desenvolvimento, que busca a obtenção da chancela da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na sigla em inglês. “Se, por um lado, a complexidade dos vínculos estabelecidos entre pessoas e patrimônios não permite chegar a resultados universais sobre os tipos de relações existentes, por outro, o uso das noções de ressonância e de encantamento nos permite vislumbrar possibilidades de mensurá-las para melhor compreendê-las; o que resulta, portanto, em um potencial de uso em outros contextos, sendo útil para a compreensão de uma realidade tão complexa”, pontua a pesquisadora.
Para melhor analisar este ponto de vista, o estudo voltou sua lupa ao Geoparque Uberaba, que ocupa uma área de 4.523.00 km², toda a extensão do município. Os sítios que o formam – geossítios Peirópolis e Santa Rita, e sítios histórico e cultural ABCZ e Memorial Chico Xavier – valorizam três aspectos importantes da cidade: a paleontologia, a pecuária zebuína e a religiosidade espírita. O trabalho de campo focou Peirópolis e Santa Rita, os dois principais sítios de interesse para a paleontologia.
Os resultados a partir das respostas de quem convive com resquícios dos habitantes do passado mais remoto da Terra permitem inferir que há uma relação estabelecida entre as comunidades locais pesquisadas e os fósseis institucionalizados como patrimônio paleontológico em Uberaba. Vale destacar que a ideia de ressonância tem a ver com o poder de um objeto – no caso os fósseis – de trazer à tona o contexto no qual ele surgiu, como referências culturais e memórias individuais. Já a de encantamento carrega a noção de maravilhamento, de algo surpreendente. Ainda que as de encantamento sejam similares em ambas as regiões, no quesito ressonância cada bairro tem a sua particularidade.
Mell sublinha que tais noções de ressonância e encantamento se demonstraram profícuas, contribuindo para a compreensão de uma realidade tão complexa. As falas relacionadas ao encantamento contam com forte presença do universo do lúdico, remetendo à infância, jogos, brincadeiras, filmes e desenhos. Já as de ressonância estabelecem pontes com a realidade local, remetendo principalmente a Peirópolis e às atividades de escavação. Entretanto, alguns participantes deixaram claro que reconhecem a importância científica e/ou econômica dos fósseis para a região, mas que, em suas vidas pessoais, não há relevância em particular. “A partir do dimensionamento dessas relações, foi possível vislumbrar caminhos para a gestão desse patrimônio que levem em consideração os vínculos já estabelecidos, visando não apenas o estabelecimento de novos vínculos como também a manutenção dos já existentes”, destaca.
Neste sentido, as falas ligadas à ressonância merecem destaque, pois os participantes atestam o quão fundamental são o “fazer paleontologia” e as visitas escolares para gerar vínculos positivos com os fósseis patrimonializados. Também indicam que a sua preservação é tão importante quanto a de documentar a história oral, para registrar outras dimensões relacionadas aos fósseis institucionalizados como patrimônio paleontológico, para além da científica. Resgatar, por exemplo, figuras locais como o médium do Centro Espírita Eurípedes Barsanulfo, Langerton Neves da Cunha, personalidade conhecida por seus achados fósseis, e que ajudaram nas escavações. E eternizar as memórias compartilhadas pela comunidade, para que lembranças como as de dona Dandara não corram o risco de extinção
Acesse a dissertação em:
SICILIANO, Mell Longuinho André. Patrimônio paleontológico: ressonância e encantamento. 2023. 129 f. Tese (Doutorado em Museologia e Patrimônio) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/23070 . Acesso em: 6 de set. 2024.
Redação: Gigliola Casagrande
Revisão: Marcos Leandro Freitas Hübner
Diagramação: Naiara Raíssa da Silva Passos