
Ciência se faz com o coletivo, por Raquel do Rosário Santos

Ciência se faz com o coletivo
Raquel do Rosário Santos
quelrosario@gmail.com
Ao receber o convite do prof. Pedro Ivo Andretta para escrever nesta edição sobre minhas pesquisas e preocupações, sobre o campo da Ciência da Informação, pensei em várias possibilidades, temas e ideias, pois preocupações não faltam, não é verdade? Vivemos cercados de desafios e convidados a falar e nos posicionarmos constantemente. Entretanto, venho refletindo e construindo um viés de estudo centrado na mediação da informação, mediação cultural e mediação da leitura – pois, acredito que essas são indissociáveis, mesmo, às vezes, focalizando uma a uma dessas temáticas – e os coletivos; junto a esses, e em meus discursos, buscando meu lugar de fala; o coletivo que me integra e o que me move, em minha existência. Em 2021, junto aos professores Oswaldo Francisco de Almeida Júnior e Ana Claudia Medeiros de Sousa, escrevemos o texto “Valores pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação consciente da informação”, no qual defendemos que a mediação é uma concepção de vida. Ou seja, ela está em nós — não nos lugares que ocupamos, nem nos cargos que exercemos —, mas sim em quem somos, no que construímos e compreendemos ao longo da vida.
A partir disso, minhas pesquisas têm versado, desde a pandemia da COVID 19, sobre as atividades mediadoras atravessadas por temas que me cercam: dispositivos que fortalecem a identidade de pessoas na periferia; leitura e pessoas negras; representatividade identitária dos e das agentes mediadores(as); biblioterapia; mediação cultural e da leitura de mulheres em seus coletivos, como as ganhadeiras de Itapuã; entre outras temáticas que dizem muito sobre minha visão, o que escuto e interajo. Precisamos falar sobre o que nos movimenta, faz sentido (e não faz), significa e incomoda. É preciso que estejamos prontos para questionar, criar um “problema” com o que parece tão certo, e talvez necessite ser redimensionado, ou parece tão errado, e precise ser ressignificado.
Alguns pensam que a pesquisa é livre do eu, mas posso dizer que existe muito de nós, somos preenchidos pelos nossos coletivos, não apenas de um lugar, um título ou posição social, mas de todos os espaços que transitamos, que somos, que constituem nossa identidade e permeiam nossa memória. Minha percepção evoca a inquietação da moça que conheceu na graduação, na iniciação científica, a mediação da informação pelas mãos da profa. Henriette Ferreira Gomes, e foi no mestrado conhecendo mais sobre essa temática junto a essa minha orientadora; com o Grupo de Estudos e Pesquisa em Mediação e Comunicação da Informação (GEPEMCI); e com outros queridos pesquisadores e queridas pesquisadoras, com quem interagi, e interajo, muitos por meio das leituras, outros em palestras, aulas, nos eventos científicos, movimentos que me permitiram conhecer mais.
Essa pesquisadora foi para Paraíba, desbravou o medo de estar longe de casa, mas ressignificou também o sentido de lar, de perceber com o Grupo de Pesquisa Informação, Aprendizagem e Conhecimento (Giaco) a importância da gestão, do planejamento, da estratégia, da busca por uma forma mais efetiva no sentir, na subjetividade, na humanidade que medeia nossas práticas.
Outro coletivo que vem me ensinado muito é o Grupo de Pesquisa Leitura, Biblioteca Escolar e Mediação Pedagógica, que tem como líderes o Prof. Rovilson José da Silva e a Profa. Greice Ferreira da Silva tem como um de seus membros a Profa. Sueli Bortolin, que nos aproxima da Educação, e juntos refletimos sobre a mediação, a leitura, a biblioteca escolar e tantos atos importantes e necessários para a aprendizagem. Em nossas reuniões à distância, mas nunca distantes, tão próximas, com afetos e compartilhamentos de saberes, estamos aprendendo juntos para fortalecer uma aproximação necessária entre a Ciência da Informação, Educação e Biblioteconomia. Refletindo sobre os caminhos e o exercício de uma mediação da leitura humanizadora, que deve ter a biblioteca escolar como um dos espaços para atuação das pessoas bibliotecárias.
Sendo professora, em sala de aula, nas atividades de extensão, orientando graduação, iniciação científica, mestres e mestras, doutorandas, venho ampliando minhas percepções, alargando meu olhar sobre os temas que citei, aprendendo com o outro sobre outros.
Percebemos em cada resultado a necessidade de um agir consciente por parte das pessoas arquivistas, bibliotecárias e museólogas. Também sobre a necessidade de ampliar pesquisas sobre as maiorias minoritárias. Existe tanto a contar sobre a luta das pessoas negras, das mulheres, dos idosos, daqueles que foram colocados à margem da sociedade. Ainda existe pouco que foi dito, se comparado ao muito que pulsa por ser produzido. Por isso, vejo a representatividade identitária na ação que vem da busca por mediar com o outro, sentindo a necessidade de pessoas atravessadas por marcadores sociais, pela luta de alcançar uma justiça social em que haja uma igualdade dos diferentes. Como mulher, desejo que outras alcancem espaços sociais de luta e destaque, de voz; como negra, clamo por essa reparação social; como pessoa da periferia, pelo direito de ser e (re)conhecer, outras vozes juntas estão entrelaçadas, não existem meios de desatar. Essa é a beleza.
Somos fundamentados por uma metodologia que nos ancora, por um arcabouço teórico e metodológico que nos dá régua e compasso para seguir uma trajetória científica, mas a firmeza dos passos e o desejo de continuar em meio às dificuldades, pois pesquisar exige resiliência, essas qualidades vêm da solidariedade do estar junto, e nunca isolado.
Estamos pensando sobre a responsabilidade de uma mediação da leitura especializada, a biblioterapia, que deve ser reconhecida pelo processo terapêutico e exercida no coletivo que demanda ser plural e não uma ação solitária e individual, nutrindo uma única vez um ser necessitado de cuidados. Aprendo muito sobre esse tema ao orientar Pamela Oliveira Assis, que em sua tese aproxima a biblioterapia da mediação da informação e demonstra essa ação entrelaçada à mediação da leitura. A responsabilidade de interferir na vida, de desestabilizar e buscar ressignificar.
O ato terapêutico não é espontâneo, mecânico, isolado, mas se faz com informação, leitura, consciência e cuidado. Essa futura doutora tem garra para provar isso.
Também reflito sobre a mediação da leitura, com as questões de gênero e étnico raciais, na ambiência da biblioteca comunitária, junto à Ingrid Paixão de Jesus. Que busca demonstrar que a existência de agentes mediadores da leitura que vivenciam as lutas, dores e conquistas das pessoas negras e de mulheres negras, demanda conscientização, para se tornar representativa e efetiva.
E venho pelo documento arquivístico demonstrando a importância desse dispositivo para a luta do direito a existir, não só agora, mas desde o século XIX, com pessoas libertas e escravizadas que adquiriram essa percepção. Com Ana Aparecida Gonzaga da Silva, em sua pesquisa de doutorado, buscamos evidenciar como os documentos interferiam na vida de escravizados e libertos no século XIX e se constituem dispositivos de informação que influenciam na evocação da memória desses sujeitos. São sujeitos que, em um momento de luta pela sobrevivência, utilizaram a materialidade para legitimar seu direito e, por meio da mediação da informação, podemos, atualmente, continuar lutando pela justiça que buscamos e pela reparação social que almejamos.
Essas são algumas das pesquisas que tenho orientado no curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Acredito, aprendo e me ressignifico em cada ato de pesquisar, investigar e questionar. Por isso, a pesquisa é atrelada à vida, ao inquietar-se e desejar mudar o mundo.
Como mulher negra; filha de uma guerreira que nos criou sozinha – como muitas outras mulheres –; esposa; mãe; professora; pesquisadora; evangélica; egressa de escola pública; residente da periferia, entre outros marcadores que me atravessam, me tornam a pessoa singular e me liga a outros coletivos, produzo com eles as reflexões, indago o mundo, o questiono e desejo mudanças. Ainda sou a estagiária da biblioteca, que disse que queria mudar o mundo, mas, sou a pesquisadora que vivencia com questionamento e buscando a maturidade e refinamento do meu olhar, ouvindo atentamente as vozes que ecoam alto, mas, buscando principalmente as quais foram silenciadas e clamam por serem audíveis.
Sobre a autora:
Professora do Instituto de Ciência da Informação e Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia. Vice líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Mediação e Comunicação da Informação (GEPEMCI). Coordenadora do projeto de extensão “Lapidar: ações de leitura para o protagonismo social”.
Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Biblioteconomia e Documentação.
Redação: Raquel do Rosário Santos
Foto: Raquel do Rosário Santos
Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro









