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v. 1, n. 8, out. 2023
Entrevista com Wérleson Alexandre Santos sobre sua pesquisa que abordou a desinformação e a luta de classes no Brasil

Entrevista com Wérleson Alexandre Santos sobre sua pesquisa que abordou a desinformação e a luta de classes no Brasil

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Entrevista com Wérleson Alexandre Santos sobre sua pesquisa que abordou a desinformação e a luta de classes no Brasil

Wérleson Alexandre de Lima Santos

werleson.santos@outlook.com

Sobre o entrevistado

O pesquisador Wérleson Alexandre de Lima Santos defendeu, em 2023, sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), sob orientação do Prof. Dr. Hélio Márcio Paieú.

Natural do Pernambuco, Wérleson tem como hobbies ler livros, assistir filmes, ouvir músicas e praticar exercícios físicos. Atualmente, é pesquisador em Ciência da Informação.

Sua dissertação, intitulada “Descaminhos da informação em curso: desinformação e luta de classes no Brasil da Pós-Verdade” teve como objetivo realizar um estudo exploratório sobre a desinformação e a pós-verdade utilizando como base teórica o marxismo. O pesquisador traz uma abordagem mais materialista sobre a desinformação e localiza a pós-verdade como consequência da crise do neoliberalismo em 2008. No Brasil, são apontadas as Jornadas de Junho de 2013 como responsáveis por dar início aos problemas com pós-verdade, indicando a responsabilidade de entidades da Nova Direita, mídia tradicional, igrejas, think tanks e de uma esquerda hegemônica enfraquecida pela situação que o país se encontra. Ao final, relata sobre as alternativas de educação informacional para fomento de consciência crítica tomando como base a atuação política revolucionária.

Nesta entrevista, Wérleson nos relata sua experiência no mestrado e o desenvolvimento de sua pesquisa.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação?

Wérleson Santos (WS): No final do meu TCC eu comecei a sentir o interesse de seguir carreira acadêmica, então era algo que já estava em cogitação. Assim que acabei a graduação, fui trabalhar em uma biblioteca escolar, e em um dia muito específico, um aluno de 11 anos veio até mim para mostrar um vídeo no YouTube sobre anarco-capitalismo que ele achou interessante. Comecei a reparar as limitações que tínhamos em combater esse tipo de conteúdo, e a partir daí comecei a trabalhar no projeto de pesquisa envolvendo desinformação e consciência crítica.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

WS: De forma direta, acredito que especificamente os bibliotecários (profissionais, professores e entidades), porque tento trazer de forma mais concreta os riscos que a desinformação fornece e qual o nosso papel enquanto parte da classe trabalhadora de nos organizarmos para enfrentá-la.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade?

WS: Para C&T, acredito que nas compreensões sobre desinformação, pois tento trazer uma abordagem que busca aglutinar as visões divergentes que reparei sobre o tema, acredito que servirá de contribuição para os nortes que as pesquisas sobre desinformação busquem seguir. Para a sociedade, creio que consigo apontar sobre quais lugares nós devemos incidir para termos um combate efetivo à desinformação. Nas minhas considerações finais, inclusive, listo uma série de reformas estruturais que precisamos fazer se queremos de fato combater a desinformação na tentativa de erradicá-la.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

WS: Pertence à Linha 1, Memória da Informação Científica e Tecnológica, porque defendo a ideia de que a desinformação, como forma de dominação ideológica, afeta profundamente a constituição de memória coletiva e aquilo que a sociedade conhece sobre si mesma.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

WS: O livro “Do transe à vertigem”, de Rodrigo Nunes. É uma obra fundamental para quem quer entender a situação do Brasil pós-Junho de 2013 e o que devemos fazer se quisermos combater nossos problemas com desinformação e discurso de ódio generalizado.

Acho que outras grandes influências das reflexões que faço sobre atuação dos bibliotecários vieram de discussões com duas amigas minhas, Juliana Albuquerque e Yasmin Finger, e suas pesquisas de mestrado sobre bibliotecas comunitárias. Elas são do meu programa e ainda não defenderam, mas passamos juntos por boa parte do processo de escrita e das aulas, principalmente, e a gente sempre conversou bastante sobre nossas pesquisas e elas sobre os trabalhos que faziam nas bibliotecas, então acho que uma grande parte da visão que tenho hoje sobre bibliotecas e ação emancipatória vem de nossas conversas.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

WS: Definitivamente a pesquisa, não só bibliográfica, mas produções de forma geral, e a combinação com experimentação prática. Durante o trabalho estive constantemente pesquisando não só em artigos e livros, mas vendo também o que estava sendo produzido sobre o tema e questões correlatas em canais do YouTube e podcasts, e coletando exemplos da realidade que ilustravam de maneira prática aquilo que a teoria mostrava. Então eu estava constantemente salvando tweets aleatórios que apareciam na timeline, por exemplo, ou fazendo investigação de fatos jornalísticos e históricos.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

WS: Acredito que a maior dificuldade que enfrentei foi em relação a minha saúde mental. Eu faço terapia há um tempo, e na segunda metade de 2021 tive um agravamento do meu quadro depressivo. Isso fez com que eu tivesse sérias dificuldades de concentração, de escrita e até de socialização, e acabou que minhas leituras e a escrita ficaram paradas, pois eu não conseguia pensar direito e as palavras pareciam não fazer sentido. No fim do ano eu comecei um tratamento medicamentoso, e no ano seguinte aliei a medicação e a terapia com exercícios físicos, o que fez com que eu apresentasse melhora e conseguisse recuperar meu ritmo.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação?

WS: Acredito que foi meio a meio. Tomei muita inspiração de ideias trazidas por produtores de conteúdo como Jones Manoel, Sabrina Fernandes e Rita Von Hunty, para expandir meus horizontes, mas suei bastante para encontrar um conceito de desinformação. Os estudos divergem bastante, e muita gente fala sobre a mesma coisa como se fosse algo completamente diferente. Isso me trouxe bastante dificuldade, então tive que arranjar formas de encontrar um norte sobre desinformação que desse conta de abarcar o que vêm sendo produzido e que ainda atendesse aos meus objetivos com a pesquisa.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

WS: É um caminho tortuoso, e às vezes bastante angustiante. Acredito que principalmente por conta de uma cobrança produtivista que a academia possui, e uma ideologia de desempenho muito forte que faz com que a gente se cobre o tempo todo e se culpe por não conseguir atender tantas exigências. Algo bem típico dessa nossa sociedade neoliberal, e isso só causa adoecimento. Pesquisar é ótimo, compreender a realidade é incrível, e apresentar seu trabalho para pessoas que você ama e que se orgulham de você é uma experiência linda, o que dificulta aproveitar esse processo é todo o trajeto de cobrança e exigência quase desumana que você tem que enfrentar. 

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

WS: Foi bem tranquilo, na verdade. Sempre busquei manter a rotina de visitar minha mãe pelo menos uma vez no mês, e nos ligávamos com certa frequência. Isso foi muito importante para que eu pudesse sair de dentro da lógica do Mestrado e pudesse ser somente o filho da minha mãe às vezes, sem a pressão de ter que escrever ou os fantasmas do que eu tinha deixado pra fazer depois.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

WS: Não há teoria sem prática! Teoria sem prática se torna fraca e descolada da realidade. Principalmente se o assunto é trabalhar desinformação, apenas estudá-la dentro das paredes da academia não surte muito efeito. É preciso se organizar politicamente, se envolver com as organizações que fazem trabalho de base e, principalmente, conhecer o povo como ele realmente é, não a partir de uma caricatura ou de uma imagem abstrata que se faz dele.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado (projetos, artigos, trabalhos em eventos, participação em laboratórios e grupos de pesquisa)? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

WS: Eu conciliei o mestrado com meu emprego durante o primeiro ano, e no segundo eu acabei tendo que correr atrás de recuperar o que deixei de fazer por conta do agravamento da minha depressão, então acabei não tendo muito tempo para produções em revistas. Os artigos que publiquei em 2021, eu submeti em 2020 e não tinham relação com minha pesquisa. Cheguei a publicar um resumo expandido no ENANCIB de 2022 chamado “Em busca de um entendimento geral acerca da desinformação”, e um artigo em um evento de Portugal em 2021 com o nome de “Uma crise do nosso tempo: reflexões sobre problemas de pós-verdade”, mas atualmente tenho dois artigos sendo avaliados em revistas e outros dois em processo de finalização. Acredito que até o fim do ano terei publicado todos.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

WS: O maior saldo da dissertação não foi profissional no sentido tradicional do termo. Eu já sentia a necessidade de me organizar politicamente, tanto que fui conselheiro do CRB-4 durante o ano de 2021, mas acabei saindo por uma série de questões. Conforme fui finalizando a dissertação, percebi que somente ficar na pesquisa não adiantava, e que o CRB não era o bastante. Então desde outubro do ano passado sou militante do MUP (Movimento por uma Universidade Popular), e desde março deste ano sou da UJC, a União da Juventude Comunista (do PCB). Desinformação é um problema de classe e não está separada de outras questões estruturais que afetam o todo da classe trabalhadora, como questões de desemprego por exemplo; além disso, falta também muita organização política dos bibliotecários, então percebi que era necessário atuar efetivamente nos núcleos que estão de fato na luta por uma nova sociedade e em defesa da classe trabalhadora. Não basta a gente ficar discutindo sobre consciência crítica ou combate à desinformação se fizermos nada de concreto em relação a isso.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

WS: Entrei no doutorado do PPGCI da UFPE em março deste ano, na verdade eu já estava aprovado quando defendi a dissertação. Na tese, busco defender que desinformação e capitalismo são elementos indissociáveis, e que há uma grande influência da indústria cultural e da mídia tradicional nas desinformações que circulam hoje em dia. É basicamente um aprofundamento da dissertação.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

WS: Apesar de todos os problemas, acho que as coisas aconteceram como tinham que acontecer, então não sei se faria algo de diferente. Os erros que eu cometi eu estou tentando evitar agora na tese, então acho que escrever menos páginas talvez? hahahahaha.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

WS: Meu mestrado foi todo remoto, então não tive muito contato com o programa como estou tendo agora no doutorado. Acho que meu maior envolvimento foi com meu orientador e os amigos que eu já conhecia e acabei fazendo durante o processo. Agora o que eu consegui fazer pelo programa eu não sei haha espero que tenha contribuído de alguma forma pro andamento dele, mas aí só o tempo e o colegiado poderão dizer hehe.

DC: Você por você:

WS: Fazer autodescrição sempre é meio constrangedor pra mim, porque nunca sei o que falar direito. Acho que um grande resumo é de que eu não tenho grandes ambições pessoais, sabe? Quero terminar meu doutorado, ser professor, dar minhas aulas e continuar pesquisando, porque é isso que gosto de fazer. Minhas maiores ambições são coletivas, não são pra mim. São pra dar uma vida mais confortável pra minha mãe, ver meus amigos se dando bem e sendo felizes com o que gostam de fazer, e principalmente, ter um tipo de sociedade em que todas essas dores e mazelas que a gente enfrenta não existam mais. Eu decidi ser bibliotecário porque queria fazer algum tipo de mudança, queria algo que fizesse sentido, queria ajudar na construção de uma sociedade melhor; e hoje eu compreendo que esse é um tipo de coisa que a gente não faz sozinho, se faz coletivamente, ativamente, de forma organizada, estando em contato com as pessoas, no mundo material, na prática. E acho que é isso. Não tenho grandes ambições de ser famoso, me tornar referência ou qualquer coisa do tipo, eu quero fazer o que eu gosto, e o que eu gosto é pesquisar, ler, conhecer o mundo, e tantas outras coisas que vão para além de mim. Tem uma frase que um camarada meu me disse uma vez, que me lembra uma música de Don L, que eu acho que resume bem como eu me sinto: “na luta contra o mundo pra fazer parte dele”. O que eu pesquiso não é sobre métricas do Lattes, é sobre que tipo de sociedade eu posso ajudar a construir.


Entrevistada: Wérleson Alexandre de Lima Santos

Entrevista concedida em: 04 de maio 2023 aos Editores.

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

Fotografia: Wérleson Alexandre de Lima Santos

Diagramação: Herta Maria de Açucena do Nascimento Soeiro

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