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v. 3, n. 8, ago. 2025
Representações da Morte e a distinção social no Cemitério de Santo Amaro (PE), no período oitocentista – Entrevista com Fábio Melo Júnior

Representações da Morte e a distinção social no Cemitério de Santo Amaro (PE), no período oitocentista – Entrevista com Fábio Melo Júnior

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Representações da Morte e a distinção social no Cemitério de Santo Amaro (PE), no período oitocentista – Entrevista com Fábio Melo Júnior

Fábio Marcelo de Albuquerque Melo Júnior

faabio.melo@gmail.com

Sobre o entrevistado

Em 2025, Fábio Marcelo de Albuquerque Melo Júnior defendeu sua dissertação pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva.

Atualmente, Fábio realiza o doutoramento junto à Universidade Federal de Pernambuco. Entre seus hobbies estão a Literatura Japonesa, o Crochê e os jogos.

Sua dissertação, intitulada “Arqueologia cemiterial no Recife oitocentista: os signos discursivos e iconográficos presentes nas lápides do cemitério de Santo Amaro nos anos de 1850 a 1900”, analisa os signos de morte presentes, sob a perspectiva da Arqueologia Funerária, Cemiterial e Histórica. A pesquisa utilizou registros fotográficos e análise de elementos discursivos e iconográficos para classificar e relacionar os jazigos segundo tipologia, temporalidade e disposição espacial, tipografia dos elementos lapidais entre outros. Na pesquisa, considera-se o cemitério como espaço de representação social, em que símbolos funerários refletem tensões e mudanças da sociedade e os signos de morte utilizados nas lápides dotados de intencionalidade, colocando o morto em um novo lugar de memória. 

Na entrevista, Fábio compartilha sua trajetória e experiência na pós-graduação.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação

Fabio Melo (FM): A pesquisa e sua temática partem de uma inquietação que me acompanha desde muito jovem,onde em contato com funerais e morte de pessoas próximas desde pouca idade,os sentimentos da perda, do luto e da ausência passaram a fazer parte da minha vivência, juntamente com outra perspectiva de morte, o de festejar a jornada do falecido. Contudo me causava um estranhamento quando eu percebia como socialmente a morte ocupava apenas o lugar da dor. Desse modo, a pesquisa surgiu como uma forma de entender essas diferentes experiências diante da morte.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

FM: Acredito que a sociedade de um modo mais amplo. Os resultados da pesquisa mostram questões de gênero, etária, sociais, econômicas e culturais, desse modo, não acho que há um público específico que seja mais beneficiado, mas torna possível ver certa complexidade do Recife do século XIX. Há ainda o fator de desmistificar o cemitério como lugar apenas do sobrenatural, assombrado ou da morte, mas como um espaço de vestígios arqueológicos e históricos, que têm um potencial gigantesco até para o turismo.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

FM: As contribuições mais importantes da pesquisa estão em torno da desmistificação de diversos fatores, como principais eu cito o cemitério como apenas um lugar fantasmagórico/sobrenatural, quando na minha perspectiva, ele tem a beleza de cada sociedade que ali está. Outro ponto é a possibilidade de perceber que nem todos têm o mesmo direito à memória, e mesmo essa memória não é como o morto era em vida. Outro ponto é a compreensão do cemitério como um patrimônio, um tema que é de extrema importância nas políticas públicas e de cultura.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

FM: Conservação e Metrologia Arqueológica e Patrimonial. As linhas de pesquisas do departamento da pós -graduação ainda são poucas e abarcam temas demais, tornando-as um pouco generalistas. Por trabalhar com o patrimônio cemiterial minha pesquisa se encaixa nessa linha, mesmo que metodologicamente exista uma distância.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

FM: Para a dissertação houve alguns trabalhos que são marcos importantes para a pesquisa, entre eles há o artigo do arqueólogo inglês Parker Pearson denominado ““Mortuary practices, society and ideology: an ethnoarchaeological study” (1982), onde o autor trabalha relações sociais dentro de determinados cemitérios em Cambridge. Outro artigo de suma importância para minha pesquisa foi produzido pela arqueóloga brasileira Tânia Andrade Lima, denominado “De morcegos e caveiras a cruzes e os livros: a representação da morte nos cemitérios cariocas do século XIX” (1994), onde a autora vai caracterizar os signos de morte iconográficos em determinados cemitérios do Rio de Janeiro relacionando-os com as mudanças sociais que ocorreram no período do século XIX. Por último, acredito que a dissertação da Drª. Fabíola de Jesus Soares Santana, denominada “ retórica fúnebre: uma abordagem histórico-discursiva de epitáfios, obituários e memoriais virtuais” (2011), em que a autora analisa diversos discursos de epitáfios. Assim, são pesquisas que não apenas tiveram um impacto na minha visão de mundo, mas também me ajudaram a criar um norte de como trilhar a pesquisa.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

FM: O primeiro passo foi conhecer mais profundamente o espaço que eu trabalhei, então tive que estudar a planta do cemitério. Depois fiz visitas direcionadas para ver qual as melhores rotas a serem seguidas de pesquisa, visto que o cemitério é extenso. Veio então a etapa de criar a ficha de protocolo para cada artefato, no caso, das estruturas funerárias, junto com meus orientadores. Depois houve o momento de registro, onde fui em cada túmulo olhar se cabia nos requisitos da minha pesquisa, e quando era, o registro fotográfico foi feito. Houve a etapa de selecionar quais imagens entrariam para análise, juntamente com colocar as informações das fichas de protocolo em tabelas. Por fim, houve a análise das tabelas, imagens, dados e informações para a feitura da dissertação. Vale pontuar que durante todo esse período existiram leituras que embasaram toda a pesquisa.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

FM: Escrever sempre é um desafio, tem a eterna insatisfação com o que escrevemos, seja pela nossa procura para ficar perfeito, o que faz apagar e escrever as mesmas coisas diversas vezes, ou pelos diferentes eventos que nos cruzam quando estamos escrevendo e a menor distração já corta um raciocínio que é difícil de recuperar depois. Outro ponto é a visão das pessoas sobre pesquisar como um não trabalho, ou uma atividade que pode ser interrompida a qualquer momento, o que dificulta muito a escrita. Acho que além desses pontos, eu particularmente tenho um pouco de dificuldade com notas de rodapé, contudo, durante a dissertação decidi me acostumar com a produção delas, foi um desafio e bastante difícil, mas bem proveitoso.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação? 

FM: Percentualmente, provavelmente foi 65% transpiração e 35% inspiração. Sem dúvidas para escrever é necessário inspiração, principalmente se há uma preocupação que a leitura fique agradável para o máximo de pessoas possíveis. Contudo, pesquisar e escrever é um processo lento e doloroso, muitas vezes expectativas são frustradas em relação às condições de pesquisa ou cronograma. Como minha pesquisa precisava de registros fotográficos para análise, houve uma série de dificuldades em realizá-los, seja por estar em grau de conservação ruim, ou o clima de Recife que durante um período do ano há grande quantidade de chuva, o que alaga o lugar e torna as condições de registro bem ruim. Por isso, acho que a transpiração tem um percentual mais significativo.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

FM: É uma caminhada bem solitária, acho que grande parte disso vem do pouco tempo que é disponibilizado para realizar a pesquisa. São apenas 2 anos e é um período que você começa a se entender como pesquisador e o que é pesquisar, como todos estão passando por esse processo, há uma dificuldade em socializar ou produzir em conjunto na academia. Assim, apesar de pra mim ter sido um processo solitário, também tive diversos encontros com outros pesquisadores que foram extremamente prazerosos e afetivos.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

FM: Foi bem tranquilo, meus pais, que são minha família nuclear próxima, sempre apoiaram e ajudaram no que foi necessário. Apesar da dificuldade de entender a pesquisa como trabalho, talvez pela questão monetária que é baixa durante o mestrado mesmo com bolsa ou pela rotina de escrita que faz com que fiquemos muito em casa. Mas mesmo com essas pontuações, sempre tive o apoio de ambos.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

FM: O primeiro conselho é antes de ingressar em determinado departamento ou com determinado orientador, é conhecer ambos, principalmente no sentido de produção, como conversar com quem já está lá dentro para conhecer. Uma vez dentro, tentar ao máximo realizar um cronograma, sempre haverá mudanças, mas mesmo dentro dessas mudanças sempre reestruturar o cronograma para conseguir se organizar da melhor forma.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

FM: A questão da produção é complicada, porquê eu fui pra uma nova área com novas teorias e metodologias, então demorei um tempo para me adequar nessa nova ciência que é a arqueologia. Assim, gostaria que tivesse produzido mais, contudo, tive algumas apresentações do trabalho e seus desenvolvimentos, nas reuniões da Sociedade Brasileira de Arqueologia, no encontro da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais, ou em outros eventos, como a semana de arqueologia da UNIVASF.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

FM: Quando apresentei a dissertação estava no processo de ingresso do doutorado, então ao terminar o mestrado já estava basicamente aprovado no doutorado. Desse modo, sigo na área acadêmica como doutorando, onde pós doutorado pretendo continuar na área da pesquisa.

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

FM: Sim, já estou no doutorado, a pesquisa que desenvolvo hoje em dia é na mesma área, inclusive é um desdobramento do mestrado em um contexto mais amplo e complexo. 

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

FM: Acho que a única coisa que eu mudaria seria me organizar melhor dentro do cronograma. 2 anos passam muito rápido e sempre acontecem imprevistos que trazem a necessidade de readequar a programação, seja de natureza da própria pesquisa ou de demanda da vida pessoal nossa ou dos orientadores. Assim, acredito que se tivesse me programado um pouco melhor os imprevistos teriam impactado um pouco menos.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

FM: Pensando no Programa de modo mais amplo, como secretaria, coordenação e docentes, me permitiram realizar minha pesquisa, abriram minhas perspectivas teóricas na arqueologia, e mais especificamente a secretaria me acolheu nas dificuldades burocráticas que são diversas durante uma pós graduação, desde a bolsa de pesquisa, até os formulários de defesa, banca e demais. O que eu fiz pelo programa é mais difícil pensar objetivamente, acho que entreguei uma pesquisa interessante e relevante, tentei tornar o ambiente acadêmico do departamento mais leve e procurei não dar muito trabalho para o Programa.

DC: Você por você:

FM: Olindense de uma família muito grande, sempre vivi na minha cidade, mas sem refletir muito sobre ela. Acho que Olinda e minha família estão diretamente ligadas pra mim, assim como o cheiro de mar que permeou toda minha vida. No colégio não fui bom aluno, só passei a me interessar por estudar na faculdade, acho que a educação escolar brasileira às vezes afasta mais os alunos do que os aproxima do conhecimento. Na faculdade me interessei por diversos temas, história da arte, história antiga, teoria da história, mas foi na história das religiões e história do Japão que achei um lugar que até hoje vive em meu coração. O fim da graduação foi difícil pra mim e me afastei da academia por alguns anos para respirar, quando decidi voltar, estabeleci que seria por algo que eu fosse apaixonado, desse modo podia ser sobre o Japão ou sobre a morte, assim fui para arqueologia da morte. Acredito que o mundo é um lugar incrível e belo, a gente que dificulta muito nossa (e a dos outros) passagem por aqui, mas com calma dá para achar um jeito para tudo. Gostaria de viver o suficiente para ver o fim do capitalismo, mas quanto a isso sou bem pessimista, embora acredite no potencial de mudança de cada pessoa, inclusive em como o menor dos atos pode afetar infinitamente o mundo. Por fim, acredito ser um pesquisador que admira as possibilidades, e que não tem muitas certezas, mas que também não está muito preocupado em ser fincado em algo fixo, mas prefiro seguir o fluxo da vida.


Entrevistada: Fabio Marcelo de Albuquerque Melo Júnior

Entrevista concedida em: 7 de Julho de 2025

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Ana Júlia P. de Souza

Fotografia: Fabio Marcelo de Albuquerque Melo Júnior

Diagramação: Ana Júlia P. de Souza

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