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v. 3, n. 8, ago. 2025
Memoricídio na perspectiva da Ciência da Informação – Entrevista com Lívia Ferreira

Memoricídio na perspectiva da Ciência da Informação – Entrevista com Lívia Ferreira

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Memoricídio na perspectiva da Ciência da Informação – Entrevista com Lívia Ferreira

Lívia Ferreira

ferreiralivia.contato@gmail.com

Sobre o entrevistado

Em 2025, Lívia Ferreira defendeu sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (PPGCI/UFF), sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Henrique Juvêncio.

Natural do Rio de Janeiro, Lívia é bibliotecária e cursa arquivologia na Universidade Federal Fluminense. Seus hobbies são jogos de tabuleiro e leitura.

Sua dissertação, intitulada “Memoricídio: perspectivas sob a ótica da Ciência da Informação”, investigou o conceito de memoricídio e como o termo vem sendo utilizado nas ciências sociais para designar o apagamento – ou a tentativa de apagamento – da memória de grupos e comunidades por meio da destruição ou manipulação de suas referências culturais, como objetos, lugares e documentos. A pesquisadora propõe uma nova categorização para o conceito, o distinguindo entre memoricídio extremo e cotidiano e aborda a proximidade entre os estudos de memória com a biblioclastia na Ciência da Informação.

Nesta entrevista, Lívia Ferreira compartilha sua trajetória e experiência no mestrado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o mestrado e o que te inspirou na escolha do tema da dissertação

Livia Ferreira (LF): Eu sempre quis ser cientista, então ir para o mestrado foi um caminho muito natural pra mim, desde que eu descobri que pra ser pesquisador no Brasil era preciso fazer mestrado e doutorado, esse se tornou meu objetivo. Já o tema da minha dissertação veio de uma aula sobre memória e patrimônio na graduação em Biblioteconomia que me tocou bastante, desde então comecei a pensar nesse assunto.

DC: Quem será o principal beneficiado dos resultados alçados?

LF: Inicialmente, acredito que a comunidade que estuda, trabalha ou milita no campo da memória social/cultura será bastante beneficiada, considerando que a minha pesquisa reúne bibliografias e referências sobre o conceito de memoricídio em um só lugar, facilitando o desenvolvimento de projetos, trabalhos ou novos materiais que queiram abordar o assunto. Mas em geral a pesquisa atinge e pode beneficiar a todos os cidadãos brasileiros, visto que a temática da memória perpassa a vida de todos nós de uma maneira ou de outra e, consequentemente, o memoricídio e todas as questões sociais que o acompanham também.

DC: Quais as principais contribuições que destacaria em sua dissertação para a ciência e a tecnologia e para a sociedade? 

LF: Minha dissertação oferece uma sistematização e fundamentação teórica e metodológica para um conceito ainda pouco explorado das ciências sociais, o memoricídio. Assim, além de expandir o escopo dos estudos de memória na Ciência da Informação e no todo, ela abre caminhos para futuros estudos e projetos sobre o apagamento de memórias que possam auxiliar grupos e comunidades subalternizados em suas lutas por direitos, reparação e reconhecimento.

DC: Seu trabalho está inserido em que linha de pesquisa do Programa de Pós Graduação? Por quê?

LF: Na linha de pesquisa “Informação, Cultura e Sociedade” por tratar a um processo informacional da nossa sociedade, a memória, considerando seu contexto histórico e social, incluindo também as questões culturais ligadas à memória e como tudo isso se relaciona com documentos e outros símbolos que construímos.

DC: Citaria algum trabalho ou ação decisiva para sua dissertação? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido?

LF: Toda a obra do autor venezuelano Fernando Báez, mas em especial os livros “A história da destruição cultural da América Latina” e “História universal da destruição dos livros”. Além de ser um  grande estudioso do patrimônio cultural, o autor também tem sua história pessoal/profissional muito conectada aos livros e ao patrimônio e isso me inspirou de certa maneira. São obras com um trabalho extenso de pesquisa que mapeia destruição cultural em todo o mundo, em diferentes épocas e por diferentes razões.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

LF: Desde o início minha dissertação teve um caráter teórico “naturalmente”, já que eu iria tratar sobre um conceito e suas características, então recorri a livros e artigos que exploravam o assunto, mas acabei descobrindo que só isso não iria suprir as necessidades da pesquisa, então decidi utilizar também outras fontes menos ortodoxas como as wikis na internet. Em geral, deixei o próprio trabalho falar por si e me guiar sob qual caminho metodológico seguir.

DC: Quais foram as principais dificuldades no desenvolvimento e escrita da dissertação?

LF: É meio clichê dizer isso, mas o mais difícil foi literalmente escrever. Passei por meses de bloqueio nos quais eu abria o arquivo todos os dias, lia e relia os textos, os documentos, as anotações, refazia fichamentos, mas nada do que eu escrevia parecia bom ou rendia pra mim. Também tive algumas dificuldades para acessar certas fontes de pesquisa por serem estrangeiras ou em idiomas os quais eu não tenho domínio e a tradução não é tão certa mesmo com as ferramentas tecnológicas que temos hoje, mas isso não foi nada perto do bloqueio criativo. Meu maior desafio na realidade foram coisas externas à pesquisa que acabaram atrapalhando meu trabalho, coisas que acredito que geraram esse bloqueio.

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a dissertação? 

LF: 50%/50%. O início foi bem animado e inspirado, eu estava realizando meu sonho de fazer um mestrado, estava entusiasmada com as disciplinas que eu cursava e com tudo de novo que eu aprendia, por poder me dedicar 100% a pesquisa, já que eu era bolsista, então escrevia com muita facilidade. Depois da qualificação, que foi bem boa até, os bloqueios criativos que comentei anteriormente chegaram com força e tive que me forçar a escrever todos os dias. Juntando isso com outras responsabilidades da vida acadêmica e da vida pessoal, precisei transpirar bastante pra fazer esse texto sair.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da dissertação?

LF: Duas coisas. Primeiro, uma boa relação com meu orientador foi essencial para o sucesso e bom desenvolvimento do trabalho, mesmo nos momentos de bloqueio e de dificuldades, dei a sorte de ter um orientador-amigo ao meu lado e isso tornou tudo mais fácil. Segundo, ter uma vida fora da academia também foi um pilar muito importante, às vezes um fim de semana com pessoas queridas era exatamente o que eu precisava pra trabalhar melhor.

DC: Como foi o relacionamento com a família durante este tempo?

LF: Bem tranquilo, felizmente. Mesmo que minha família não entenda 100% o que eu faço (apesar de eu explicar) e minha vó sempre pergunte como está na “escola” (risos), tenho a sorte de ter o apoio e a compreensão deles com o caminho profissional que decidi traçar, mesmo sendo muito distante e diferente do que eles estão acostumados, visto que sou a primeira da minha família a estar numa universidade pública e a cursar a pós-graduação em busca de uma carreira acadêmica.

DC: Agora que concluiu a dissertação, o que mais recomendaria a outros mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

LF: Recomendaria que explorassem as lacunas que deixei no trabalho, considerando que o Memoricídio é uma temática tão densa e complexa como objeto de estudo e eu não fui capaz, nem jamais seria, de abordar todas essas facetas.

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o mestrado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

LF: Eu trabalhei muito durante o mestrado. Além de produzir a dissertação, eu organizei e fui apoio em eventos acadêmicos, especialmente os do grupo de pesquisa o qual faço parte, Sociedade, Memória e Poder, liderado pelo meu orientador Carlos Henrique Juvêncio; também fiz parte de um projeto de pesquisa coordenado por outra professora da pós, Clarissa Schmidt; apresentei trabalhos em eventos duas vezes; publiquei dois artigos; e agora que me formei estou preparando artigos com os resultados da minha pesquisa. Considero como um dos frutos mais importantes do meu trabalho até então o prêmio de “Melhor Resumo Expandido do GT 10 – Informação e Memória” que ganhei no ENANCIB (Encontro Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação) do ano passado.

DC: Desde a conclusão da dissertação, o que tem feito e o que pretende fazer em termos profissionais?

LF: Eu tenho me dedicado a minha segunda graduação, em Arquivologia, inclusive participando de um projeto de pesquisa na área, e me preparado para ingressar no doutorado

DC: Pretende fazer doutorado? Será na mesma área do mestrado?

LF: Sim! Em agosto inicio o doutorado na University of Illinois Urbana-Champaign (UIUC), nos EUA, com uma pesquisa ainda no âmbito da memória, mas sob outra ótica, explorando os vídeo games como expressões da memória contemporânea e os desafios da preservação dessa memória em relação ao interesses mercadológicos e econômicos que são naturais à sua existência.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora?

LF: Acho que eu planejaria melhores alternativas para tentar contornar o bloqueio criativo que eu tive. 

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de mestrado?

LF: Como eu comentei acima, eu trabalhei muito durante o mestrado, e além do que eu mencionei antes, eu também fiz parte da Representação Estudantil e da Comissão de Redes Sociais do programa, então eu sempre estava envolvida nas atividades do programa e apoiando a nossa coordenação. Por outro lado, o Programa também me auxiliou bastante, principalmente com auxílios financeiros para a participação em eventos.

DC: Você por você:

LF: Fruto da educação. Eu não seria quem eu sou hoje, nem teria vivido tantas coisas, tido tantas oportunidades e experiências que antes pareciam tão distantes se não fosse a educação, a universidade pública, então não tem como eu não me definir como uma consequência direta do investimento e do poder da educação


Entrevistado: Livia Ferreira

Entrevista concedida em: 4 de Julho de 2025

Formato de entrevista: Escrita 

Redação da Apresentação: Ana Júlia P. de Souza

Fotografia: Livia Ferreira

Diagramação: Ana Júlia P. de Souza

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