• contato@labci.online
  • revista.divulgaci@gmail.com
  • Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho - RO
v. 3, n. 7, jul. 2025
A censura nas telenovelas de Dias Gomes na Rede Globo entre 1969 e 1979 – Entrevista com Emilla Grizende Garcia

A censura nas telenovelas de Dias Gomes na Rede Globo entre 1969 e 1979 – Entrevista com Emilla Grizende Garcia

Abrir versão para impressão

A censura nas telenovelas de Dias Gomes na Rede Globo entre 1969 e 1979 – Entrevista com Emilla Grizende Garcia

Emilla Grizende Garcia
milla_grizende@hotmail.com

Sobre a entrevistada

Em 2022, Emilla Grizende Garcia defendeu sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, sob orientação da Profa. Dra. Alessandra Souza Melett Brum.

Emilla é natural de Minas Gerais e atua como professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Minas Gerais – Unidade Ibirité. Alguns de seus hobbies são viajar, ler e cozinhar.

Sua tese, intitulada “Censura negociada: as telenovelas de Dias Gomes na Rede Globo entre 1969 e 1979“, analisou, a partir dos processos censórios, as novelas de autoria de Dias Gomes exibidas no horário das 22 horas na Rede Globo, observando-as como resultado de uma complexa negociação estabelecida entre a emissora e seus interesses de mercado, além do autor e da Censura de Diversões Públicas, no intervalo de 1969 a 1979. Assim, problematizou-se a combinação antagônica entre um autor notadamente de esquerda, como Dias Gomes, e uma emissora liberal, como a Rede Globo, que apoiava o Estado autoritário.

Nesta entrevista, Emilla compartilha sua trajetória acadêmica e os aprendizados construídos ao longo de seu processo de doutorado.

Divulga-CI: O que te levou a fazer o doutorado e o que te inspirou na escolha do tema da tese?

Emilla Grizende Garcia (EGG): Sempre fui fascinada pelas obras de Dias Gomes, tanto no teatro, cinema, quanto na televisão. Neste sentido, busquei dar continuidade a minha pesquisa de mestrado intitulada “Isso deve ser obra da esquerda comunista, marronzista, badernenta: sociedade e política na telenovela ‘O Bem-Amado”, defendida em 2016, na UNESP. A dissertação me inspirou na escolha e delimitação do tema a ser desenvolvido no doutorado. Observei que as demais novelas de Dias Gomes, exibidas na Rede Globo, no período de 1969 a 1979, não tinham sido objeto de pesquisas historiográficas. 

DC: Em qual momento de seu tempo no doutorado você teve certeza que tinha uma “tese” e que chegaria aos resultados e conclusões alcançados?

EGG: Essa certeza só se deu no dia em que recebi o resultado do prêmio CAPES e posteriormente a Menção Honrosa do Prêmio Arquivo Nacional. Porém, já no exame de qualificação a banca indicou a qualidade e potencialidades de meu trabalho, colocações que foram mantidas na defesa da tese. Entre excelentes pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação de História da UFJF, no ano de 2022, o colegiado escolheu o meu trabalho para representar a universidade, o que rendeu bons frutos.

DC: Citaria algum trabalho (artigo, dissertação, tese) ou ação decisiva para sua tese? Quem é o autor desse trabalho, ou ação, e onde ele foi desenvolvido? 

EGG: Os estudos de Denise Rollemberg (UFF), referentes à novela “O Bem-Amado”, foram determinantes no desenvolvimento desta pesquisa. Entre os capítulos de livros, produzidos por Rollemberg, destaco: “Ditadura, intelectuais e sociedade: O Bem-Amado de Dias Gomes”, publicado no livro Cultura política, memória e historiografia, editado pela FGV, em 2009. Frente a impossibilidade de acesso ao audiovisual, a análise realizada pela historiadora possibilitou repensar o objeto de pesquisa desta tese, a partir dos processos censórios gerados pela DCDP, disponíveis para consulta in loco no Arquivo Nacional, em Brasília. Outro pesquisador que teceu considerações teórico-metodológicas imprescindíveis ao desenvolvimento de meu trabalho, foi o Prof. Dr. Rodrigo Patto Sá Motta, da UFMG. Entre suas obras, destaco: o livro “As universidades e o regime militar: modernização autoritária e cultura política brasileira”, publicado em 2014 e o artigo “A estratégia de acomodação na ditadura brasileira e a influência da cultura política” publicado na Revista Páginas, Rosário, Argentina, em 2016. As reflexões de Motta referentes às estratégias de acomodação, conciliação e práticas de personalismo durante o regime militar me auxiliaram a entender o processo de negociação estabelecido entre a Rede Globo, a DCDP e o SISNI.

DC: Por que sua tese é um trabalho de doutorado, o que você aponta como ineditismo?

EGG: A pesquisa abordou uma temática muito pouco discutida na historiografia, a censura federal no meio televisivo, e trouxe novas reflexões sobre as atividades repressivas conduzidas pelo Estado autoritário brasileiro no controle das expressões artísticas e culturais. Principalmente nas telas da TV, por meio da censura, o regime militar buscou resguardar seus valores de qualquer representação que expressasse uma “ameaça subversiva”, tanto na esfera moral quanto na dimensão ideológica. A rigor, as telenovelas, principalmente as de autoria de intelectuais engajados, foram intensamente monitoradas pela Censura, visto que essas produções expressavam uma complexa teia social marcada por diversas disputas de representação ideológica. A pesquisa se destacou pelo ineditismo, abrangência e profundidade da análise de fontes diversas, bem como pela importância do tema frente ao atual cenário político cultural brasileiro.

DC: Em que sua tese pode ser útil à sociedade?

EGG: Contemporaneamente, sob um novo contexto e uma nova configuração, as práticas censórias foram projetadas no espaço público brasileiro. Com a ascensão da extrema direita no governo de Jair Bolsonaro, discursos “nostálgicos” e elogiosos à ditadura militar e a suas práticas de controle, ganharam projeção no debate público. O discurso disseminado, principalmente, pelas plataformas digitais, calcado em valores morais e religiosos extremamente conservadores, colocaram em xeque as liberdades individuais, sobretudo em relação às minorias. Esse discurso assume contornos similares à ideologia norteadora da cultura política conservadora do período de ditadura militar brasileira – marcado por ideais antidemocráticos, anticomunistas e por valores ultraconservadores no âmbito moral e religioso. Frente a esse cenário, esta pesquisa traz contribuições acerca das bases históricas que ancoram a estruturação de tais discursos e práticas censórias, fundamentais para observarmos nosso próprio tempo histórico, marcado por permanências, continuidades e mesmo rupturas.

DC: Quais são as contribuições de sua tese? Por quê?

EGG: Entre as contribuições da tese está a percepção das intensas negociações empreendidas pela Rede Globo com a Censura federal para que as novelas de um autor reconhecidamente subversivo, como Dias Gomes, pudessem ir ao ar ao longo do período mais repressivo da ditadura militar brasileira.

DC: Quais foram os passos que definiram sua metodologia de pesquisa?

EGG: Cruzamento dos processos censórios com outras fontes  – tais como o texto das peças que deram origem à obra e as resenhas diárias dos capítulos, publicadas no jornal O Globo, entrevistas do autor e análise de fragmentos audiovisuais das novelas. 

DC: Em termos percentuais, quanto teve de inspiração e de transpiração para fazer a tese?

EGG: Esse trabalho foi construído ao longo de anos de dedicação, então posso garantir que houve muita transpiração. Ao mesmo tempo, para driblar os desafios que aparecem ao longo da pesquisa, é necessário ter flexibilidade e criatividade. Então, ao meu ver, foram 70% de transpiração versus 30% de criatividade.

DC: Teria algum desabafo ou considerações a fazer em relação à caminhada até a defesa e o sucesso da tese?

EGG: Meu principal desabafo é com relação ao contexto em que a pesquisa foi realizada, seja em termos políticos, seja por todos os desdobramentos da Pandemia… tempos difíceis!

DC: Como foi o relacionamento com a família durante o doutorado?

EGG: Ao longo de todo o processo de elaboração da tese, o apoio de minha família, de meus amigos foi fundamental.

DC:  Qual foi a maior dificuldade de sua tese? Por quê?

EGG: A tese foi elaborada em um contexto bem conturbado, seja com relação aos desafios traçados pela Pandemia de Covid-19, seja em termos políticos, com ascensão do governo Bolsonaro, com os sucessivos cortes orçamentários direcionados às Universidades Públicas. Outra questão foi o acesso ao arquivo audiovisual da Rede Globo. Apesar de inúmeras solicitações de acesso, em diferentes canais, para pesquisa no Centro de Documentação da Rede Globo, denominado ACERVO, por ser de propriedade privada da emissora, não foi disponibilizada a consulta ao material audiovisual das telenovelas analisadas.

DC: Que temas de mestrado citaria como pesquisas futuras possíveis sobre sua tese?

EGG: O meio televisivo ainda hoje, é um terreno pouco explorado pela historiografia política brasileira, apresentando um número pouco expressivo de pesquisas que tomam a mídia como objeto central e fonte de análise, além de deter um número irrisório de estudos sobre seus produtos em especial, a telenovela. Acredito que meu trabalho possa abrir possibilidades para novos estudos sintonizados com a TV, que tomem como fonte e objeto as produções televisivas.

DC: Quais suas pretensões profissionais agora que você se doutorou?

EGG: Continuar desenvolvendo pesquisas que perspassem a relação arte e cultura em contextos ditatoriais.

DC: O que faria diferente se tivesse a chance de ter começado sabendo o que sabe agora? 

EGG: Teria ficado mais tranquila ao longo do doutorado. 

DC: Como você avalia a sua produção científica durante o doutorado? Já publicou artigos ou trabalhos resultantes da pesquisa? Quais você aponta como os mais importantes?

EGG: Participei de Congressos nacionais e internacionais e atualmente participo de importantes grupos de pesquisa. Entre os textos que são desdobramentos da tese destaco: 

GARCIA, E. G.. A telenovela na História. Faces de Clio, v. 03, n.5, p. 143-163, jan-jun, 2017.

GARCIA, E. G.. Infiltración comunista en las telenovelas: la entrada de autores políticamente comprometidos en el medio televisivo durante la dictadura militar brasileira. In: LLORENS, Fernando R.; MARONNA, Mónica; DURÁN, Sérgio. (Orgs.). Televisión y dictaduras en el Cono Sur: apuntes para una historiografía en construcción. Buenos Aires/Motevideo: Instituto de Investigaciones Gino Germani, 2021.

GARCIA, E. G. Dias Gomes sob a mira da Censura de Diversões Públicas e do Serviço Nacional de Inteligência (1969-1979). In: GARCIA, E. G.; COSTA, G. B.; CASTRO, R. (Org.). Educação, cidadania e resistência em tempos de exceção. Belém: Cabana, 2021.

GARCIA, E. G.. A ressurreição de O Bem-Amado? In: BUSETTO, Áureo; PALHA, Cássia Rita Louro; VIEIRA, José R. (Org.). Imagens midiáticas e midiatizadas: temporalidades e historicidades. Londrina: LEDI, 2022.

Em breve, como resultado da tese, teremos a publicação do livro.

DC: Exerceu alguma monitoria / estágio docência durante o doutorado? Como foi a experiência?

EGG: O estágio docência foi uma experiência maravilhosa. Ao lado de minha orientadora, Alessandra Brum, ministrei no Instituto de Artes e Design, a disciplina “História e Estética na Televisão brasileira”. Essa experiência contribuiu muito para aprimorar a minha prática docente. 

DC: Elas contribuíram em sua tese? De que forma?

EGG: Essa experiência contribuiu em minha tese para repensar e problematizar as mudanças estilísticas e as inovações tecnológicas, com ênfase nas múltiplas matrizes estéticas presentes no meio televisivo. 

DC: Agora que concluiu a tese, o que mais recomendaria a outros doutorandos e mestrandos que tomassem seu trabalho como ponto de partida?

EGG: Comprometimento, dedicação e calma.

DC: Como acha que deve ser a relação orientador-orientando?

EGG: Uma boa relação orientador-orientando é essencial para o desenvolvimento de um trabalho científico, seja nos níveis de graduação, mestrado e doutorado. Acredito que essa interação deva ter comprometimento mútuo. No caso do orientador, sempre respeitando a autonomia do orientando, pode indicar as possibilidades de caminhos teórico-metodológicos a serem percorridos, auxiliando na construção da pesquisa. Já o orientando deve estar atento aos prazos, cumprir as determinações do Programa de Pós-Graduação bem como do cronograma apresentado no projeto de pesquisa. Acredito que estes posicionamentos auxiliam no desenvolvimento da pesquisa e na interação orientador-orientando. 

DC: Sua tese gerou algum novo projeto de pesquisa? Quais suas perspectivas de estudo e pesquisa daqui em diante?

EGG: A premiação derivada do Prêmio Capes de Tese na área de História foi uma bolsa de pós-doutorado. A pesquisa foi desenvolvida na Universidade Federal de São João del Rey, supervisionada pela Profa. Dra. Cássia Rita Palha, teve como objetivo central analisar historicamente como as adaptações televisivas dos romances Jorge Amado e as novelas de autoria de Dias Gomes, levadas ao ar pela Rede Globo entre os anos de 1969 a 1985, no contexto de ditadura militar até a Nova República.

DC: O que o Programa de Pós Graduação fez por você e o que você fez pelo Programa nesse período de doutorado?

EGG:  No Programa de Pós-Graduação de História/ UFJF tive a oportunidade de conviver com excelentes professores e profissionais, aos quais tenho o máximo respeito e admiração, além dos amigos que levarei por toda vida. Programa de excelência, referendado com conceito 6 na avaliação da CAPES, o PPGH/UFJF acreditou na potência desta pesquisa e me ofereceu totais condições e possibilidades tangíveis para que chegasse aos melhores resultados.

Em contrapartida, alcancei o Prêmio Capes de Tese em 2023,que é o ponto máximo de reconhecimento para um pesquisador, e no ano seguinte, não menos importante, tive a honra de ser agraciada com a Menção Honrosa no Prêmio Arquivo Nacional. Esta pesquisa foi construída em tempos sombrios, marcados por ecos ensurdecedores de autoritarismo, que promoveram ataques sistemáticos à autonomia universitária e bloqueios orçamentários. Apesar disso, as Universidades Públicas continuaram a produzir pesquisas de ponta. Essas premiações evidenciam a qualidade e excelência das pesquisas científicas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em História da UFJF. 

DC: Você por você: 

EGG:  Me considero uma pessoa leve, divertida, que ama ler, viajar e cozinhar.


Entrevistada: Emilla Grizende Garcia
Entrevista concedida em: 20 de maio de 2025
Formato de entrevista: Escrita 
Redação da Apresentação: Larissa Alves
Fotografia: Emilla Grizende Garcia
Diagramação: Larissa Alves

0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »